Migalhas de Peso

O tema 1163 da repercussão geral do STJ - Requisitos para buscas, condutas esperadas das autoridades policiais

Um possível diálogo com a experiência da scotus.

23/9/2022

Em recente decisão, o REsp 1.990.972, da relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, foi selecionado como representativo da controvérsia para definir o tema 1163: "Saber se a simples fuga do réu para dentro da residência ao avistar os agentes estatais e/ou a mera existência de denúncia anônima acerca da possível prática de delito no interior do domicílio, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, constituem ou não, por si sós, fundadas razões (justa causa) a autorizar o ingresso dos policiais em seu domicílio, sem prévia autorização judicial e sem o consentimento válido do morador".

Na decisão de afetação do caso, anotou-se ainda que “Há divergência, tão somente, quanto à interpretação e à definição de questão jurídica no tocante à presença ou não de justa causa (fundadas razões) para o ingresso dos agentes estatais no domicílio do réu, sem prévia ordem judicial e sem comprovação de consentimento válido do morador para a entrada no local”.

Antes dessa decisão, o  Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema de forma direta e associada a outras questões que se destinam, efetivamente, a apontar padrões de atuação por parte das autoridades policiais e acredita-se que a decisão da repercussão geral também deverá ter essa aproximação.

Sobre o consentimento e a insuficiência das fundadas razões, o Superior Tribunal de Justiça, no HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021, assentou que a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada a prova enquanto durar o processo.

No voto condutor, anotou-se, ainda que “as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito (...) não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente.

Da mesma forma, a abordagem prévia a pessoas em local conhecido de tráfico não permitiria a entrada, conforme HC 611.918/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2020, DJe 10/12/2020, entendeu-se “...a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio, sem autorização judicial. Afirmou-se ainda que “A abordagem em face do réu, em local conhecido como ponto de tráfico, sendo encontrado com ele drogas, não autoriza o ingresso na residência, por não demonstrar os fundamentos razoáveis da existência de crime permanente dentro do domicílio”.

Por outro lado, no AgRg no RHC n. 150.798/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021, no AgRg no HC n. 721.455/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 25/2/2022 e no AgRg no RHC n. 150.744/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021, entenderam-se presentes as fundadas razões quando percebido o forte odor de droga no local da abordagem policial, situação similar à retratada no HC n. 690.179/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 17/11/2021, que anota ainda a presença de consentimento do investigado e de diligências de investigação prévia por parte das autoridades policiais.

Essas diligências parecem ser o condicionante para a validade das medidas, apontando-se que “...a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida. 3. Não havendo, como na hipótese, outros elementos preliminares indicativos de crime que acompanhem a denúncia anônima, inexiste justa causa a autorizar o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador, o que nulifica a prova produzida”. (HC n. 512.418/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 3/12/2019.)

Além disso, há de se considerar o  RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022, que, entre várias observações, enfatizou a necessidade, para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa), baseada em um juízo de probabilidade de ilícito, aferida de modo objetivo e devidamente justificada, refutando-se a possibilidade de “buscas pessoais praticadas como ‘rotina’ ou ‘praxe’ do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata.

Esse julgado também atribui pouca valia a informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) e reforça a necessidade de dar concretude ao standard probatório de ‘fundada suspeita’ exigido pelo art. 244 do CPP, “para além da intuição baseada no tirocínio policial”, para o fim de não banalizar a medida, permitir o seu controle e evitar a proliferação, consciente ou não de “preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”, concluindo-se, para tais fins, pela insuficiência da menção a uma suposta “atitude suspeita”.

A reunião desses casos diretamente relacionados ao tema da repercussão geral, relativa à interpretação e à definição de questão jurídica no tocante à presença ou não de justa causa (fundadas razões) para o ingresso dos agentes estatais no domicílio do réu, sem prévia ordem judicial e sem comprovação de consentimento válido do morador para a entrada no local permite observar que o preenchimento do standard traz a necessidade da adequada descrição e articulação dos fatos pela autoridade policial.

Evidentemente, se impõe a necessidade de um trabalho qualificado e embasado, mas, da larga maioria desses casos1, não seria difícil vislumbrar, sem fazer uma avaliação pelo resultado da diligência2, que as autoridades policiais teriam ou poderiam ter razões para fazer as abordagens, eventuais buscas veiculares e mesmo ingresso em domicílio por estado de flagrante, mas não tiveram o cuidado de articular e de documentar essas razões justificadoras.

Nesse ponto entende-se que a jurisprudência norte-americana, sobretudo no âmbito de sua Suprema Corte Federal (SCOTUS) pode auxiliar naquilo que pode ser exigível como padrão de conduta e de motivação pela autoridade policial, ou, ainda, no que deve ser adotado para que a atividade policial redunde na produção de provas lícitas.

Uma primeira aproximação possível é com o clássico Terry v. Ohio - 392 U.S. 1 (1968) – no qual  Ao discutir a extensão da locução “stop-and-frisk” e examinar a conduta em concreto submetida a exame, a SCOTUS pontuou a insuficiência da boa-fé subjetiva, equiparada à crença do policial para a realização da busca, concluindo que “Anything less would invite intrusions upon constitutionally guaranteed rights based on nothing more substantial than inarticulate hunches, a result this Court has consistently refused to sanction”.

Na aproximação proposta, os rejeitados “inarticulate hunches” (palpites não articulados) não se diferenciam do “tirocínio” tantas vezes invocado para justificativa da ação policial

Não se pode negar que as autoridades legais possuem experiência e por vezes podem identificar condutas e padrões criminosos de modo eficaz em ambientes que escapariam da observação do cidadão comum. O que falta, em parte dos casos, é reduzir a termo, é documentar para que se tenha registro e se controle o trabalho técnico. A ausência de motivação ou a invocação genérica de razões diminui a fiabilidade da medida que, em termos formais não ficaria (não) documentada tanto quanto uma medida arbitrária.

Esse julgado da SCOTUS ainda é valioso ainda por apontar  possíveis standards de conduta policial, entre os quais a experiência do agente para o exame de situações de risco, a existência de justa expectativa, passível de ser explicada e amparada em fatos (specific and articulable facts) de que, como na hipótese daquele caso, os investigados estariam armados, havendo, ainda, a adequada delimitação dos objetos a serem apreendidos.

Mesmo antes de Terry v. Ohio, em Weeks v. United States, 232 U.S. 383 (1914), considerado pioneiro na matéria das regras de exclusão de prova, a SCOTUS inovou ao não admitir o aproveitamento das provas, ao apontar tal medida como algo necessário para preservação da integridade judicial e para o fim de desencorajar ações policiais sem respaldo legal (lawless police conduct) e efetivamente punir más condutas policiais (official misconduct)3.

Com o passar do tempo, a SCOTUS reforçou que as regras de exclusão visavam a impedir que o Estado se aproveitasse de provas feitas em violação à citada emenda constitucional, de modo a configurar a exclusão de provas como verdadeiro meio dissuasório (deterrent effect) de práticas policiais ilegais, como citado em Mapp v. Ohio  367 U.S. 643 (1961). e Linkletter v. Walker 381 U.S. 618 (1965).

Em 1975, no precedente United States v. Peltier 422 U. S. 531 (1975)., a Suprema Corte americana fez considerações relevantes a respeito da ação policial e a valorou, no caso concreto, como sendo de boa-fé. Antes do julgamento, a própria SCOTUS havia deliberado, no precedente Almeida-Sanchez v. United States 413 U. S. 266 (1973), que a ação da polícia de fronteira americana, ao proceder buscas em veículos em uma distância de aproximadamente 25 milhas da fronteira com o México, não teria a causa provável (probable cause) e, uma vez desamparada de mandado judicial, violaria a quarta emenda.

O que entrou em questão nesse debate foi se o precedente seria aplicável às situações anteriores à sua edição, tendo a Corte acenado negativamente, ao levar em conta a boa-fé da ação policial, que se pautava em legislação não tida no momento como inconstitucional, de modo que a anulação não traria efeitos dissuasórios, compreendidos como a razão de ser das exclusionary rules4.

Em outros dois casos tratados pela SCOTUS, relacionados a tráfico de drogas, outras contribuições podem ser trasladadas para as presentes reflexões: em Segura v. United States – 468 U.S. 796 (1984), agentes da Força-Tarefa de Repressão às Drogas de Nova York, com recebimento de informações de possível atividade criminosa, iniciaram uma vigilância dos eventuais envolvidos. Dessa atividade, as autoridades identificaram um possível suspeito entregando um pacote volumoso a outro no estacionamento de um restaurante.

 Simultaneamente, outros possíveis envolvidos se encontravam dentro do restaurante citado. Ao saírem, os agentes seguiram o que havia recebido o pacote e um dos que havia se encontrado no restaurante. A polícia os acompanhou até o apartamento deles e os pararam. Na abordagem, foi encontrada cocaína, o que levou à sua prisão em flagrante do detentor do pacote e de seu associado que, após informado sobre seus direitos constitucionais, admitiu ter comprado a cocaína pelo entregador do pacote. Houve uma série de desdobramentos, que ultrapassam os limites das presentes anotações5, merecendo ainda destacar, de toda sorte, a ênfase dada na decisão acerca da função de custódia assumida pelos policiais de preservar o local de iminente busca.

O caso Murray v. United States - 487 U.S. 533 (1988), por sua vez, teve desdobramentos distintos, tendo a SCOTUS invalidado o julgamento e o devolveu para a Corte de Apelações, para o fim de se reaferir a independência das fontes probatórias relacionadas, em caso em que houve vigilância de suspeito de praticar tráfico de drogas em um galpão. Os envolvidos passaram os veículos para outros motoristas, que foram seguidos e posteriormente presos, tendo sido encontrado maconha com eles. Com esta informação, os agentes dirigiram-se ao galpão, forçaram a entrada e viram embalagens com o entorpecente à vista. Sem informar esta entrada, apenas as ações anteriores, os agentes obtiveram um mandado de busca, oportunidade em que encontraram aquele material anteriormente visto e outras provas incriminatórias.

Ao examinar o caso, a SCOTUS anulou a decisão porque a dinâmica factual narrada lançou dúvidas para os julgadores, notadamente por não ter ficado suficientemente clara a razão pela qual, diante da alegada posse de tantos elementos incriminatórios e da premente obtenção de mandado judicial, se insistiu em uma entrada no galpão, manifestamente equivocada.

Em Utah v. Strieff - 579 U.S ___ (2016), a SCOTUS promoveu restrições ao alcance da exclusionary rule, fundada na quarta emenda à Constituição. No âmbito aqui tratado, da aplicação da boa-fé como excludente, a Corte fez considerações pontuais.

O pano de fundo deste precedente, e que envolve outras exceções às exclusionary rules, é o seguinte: com base em comunicação anônima, o detetive responsável realizou vigilância em uma residência em South Salt Lake City/Utah, oportunidade em que observou a realização de rápidas e sucessivas visitas, que poderiam sugerir possível prática de tráfico de drogas naquele local.

Ao ver Edward Strieff saindo do local, o policial parou-o em um estacionamento próximo, identificou-se e perguntou-lhe a razão de estar naquela casa, pedindo-lhe seus documentos pessoais. Com a checagem da identidade do abordado, o policial constatou a existência de um mandado de prisão pendente em desfavor de Strieff pela prática de tráfico de drogas.

O oficial, então, o prendeu e realizou busca pessoal, encontrando metanfetamina e acessórios para o consumo da droga. O investigado pediu a exclusão do material apreendido como prova (motion to suppress the evidence), sob a alegação de que a detenção e a abordagem policial teriam sido ilegais. A questão chegou à SCOTUS, que reverteu a decisão da Suprema Corte de Utah, que havia acolhido esse pedido. Para tanto, além de outras exceções à exclusão de prova, a Suprema Corte Americana tomou em conta a presença de boa-fé por parte do agente policial.

A SCOTUS entendeu que a conduta do agente não foi ilegal, mas negligente por não ter estimado com precisão a duração da interação de Strieff na casa e, em razão disso, a abordagem teria de ser uma proposta, uma oferta para que a sob suspeita conversasse e não uma determinação.

A conduta foi validada e considerada como de boa-fé, mesmo com o reconhecimento judicial de que a iniciativa de parar Strieff foi errada, ao ter em conta que as ações subsequentes à abordagem foram reputadas legais e desacompanhadas de indicação de que seriam parte de uma má conduta institucionalizada, sistêmica ou recorrente.

Destacam-se ainda dois conjuntos de casos: os ligados à plain view, vista em Horton v. California (496 U. S. 120 – 1990), ou à plain smell, utilizada em United States v. Johns (469 U.S. 478 - 1985), respectivamente admitindo buscas policiais quando houver visualização de produto de crime ou percepção de odor compatível com consumo de droga e ainda a “automobile exception”, iniciada a partir de Carroll v. United States, 267 U.S. 132 (1925), que compreenderia situações em que as autoridades policiais se deparam com a análise imediata do cabimento de suas ações de busca sem a presença de mandado judicial. Em todas elas, a autoridade policial teve de fazer a demonstração dessas condições factuais que permitiram a sua ação.

Essa revisitação da jurisprudência norte-americana deixa alguns legados a serem observados: a necessidade de uma atuação policial fundamentada, a não preservação de provas obtidas de forma ilegal como forma de dissuadir tais ações, a preservação do agir  em boa-fé, a repulsa a uma má conduta institucionalizada.

Muitas das ações levadas nos julgados do STJ possivelmente teria outro destino que a anulação se houve uma melhor articulação, se houve uma indicação clara do que seria a fundada suspeita (possível posse de arma, intensa e breve movimentação num determinado local, com contornos do que seria um ponto de venda de drogas, uso de trajes de frio em um calor de 30 graus). Várias dessas situações podem permitir a abordagem pessoal.

A fuga para a casa pode levar a um cenário similar ao Segura v. United States, de vigilância no local e obtenção de ordem para ingresso. Sem a demonstração clara dos fatos, as declarações policiais (preferencialmente revestidas de meios de reforço) podem configurar razões para a promoção de busca, mas precedida de ordem judicial.

A evasão isoladamente, sem demonstração por ela mesma de prática criminosa, como ocorre em um bloqueio de blitz6, não configura flagrante delito a ensejar a ação. Uma articulação elaborada, uma demonstração adequada das fundadas razões, por outro lado, poderia justificar o flagrante, desde que se mostradas as hipóteses constitucionais.

Merece destaque a aproximação feita no RHC n. 158.580/BA, com o julgamento da ADPF 635, que repercute Caso Favela Nova Brasília v. Brasil. Esse julgado do STF estabeleceu na Medida 9  “Determinar que o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos”.

Sem embargo do questionamento dos limites da atuação judicial, dos impactos dessa medida num processo estrutural7 trata-se de uma medida que auxiliaria substancialmente a obter a demonstração articulada dos fatos a justificarem a obtenção de mandados ou mesmo a verificação do estado de flagrante, exigível para a admissão das ações policiais, seja em busca pessoal, seja para ingresso em domicílio, cerne da discussão do Tema 1163.

Dentro desse ponto, cabe notar que a chamada “denúncia anônima” não pode ser desprezada. Trata-se de um instrumento convencionalmente incentivado, como se vê na Convenção de Palermo, quando se fala na proteção de denunciantes ou whistleblowers, mas que, isoladamente, não se presta como prova e, ante a impossibilidade de confronto, de modo isolado, não serve nem mesmo para cautelares. Ela serve, contudo, para estimular os atos de investigação policial, que podem, permita-se a reiteração, a solicitações de busca ou mesmo em ações em flagrante não mais em razão da comunicação anônima, mas do conjunto de medidas apuratórias.

A pretexto de conclusão e reputando que as problematizações feitas pela SCOTUS podem ser bons elementos para o diálogos sobre as condutas esperadas das autoridades policiais: um  possível diálogo com a experiência da SCOTUS, acredita-se que a boa solução para o Tema 1163 da repercussão geral tem de levar em conta que a interpretação e a definição de questão jurídica no tocante à presença ou não de justa causa, passará pela exigência de um maior ônus argumentativo para a justificativa do ingresso dos agentes estatais no domicílio do réu, sem prévia ordem judicial, de forma articulada, controlável e, portanto, não baseada apenas em subjetividade.

_____________

1 Possivelmente com a exceção do  RHC n. 158.580/BA, que fala de comportamento reiterado

2 A não correlação entre o resultado da diligência e a sua caracterização como válida ou não foi uma das conclusões de nossa tese doutoral OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de Prova ilícita no processo civil : a relevância dos comportamentos  processuais e do princípio da aquisição na atividade; prefácio de Paula Costa e Silva. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2022. Os julgados norte-americanos a seguir mencionados, tiveram as anotações extraídas do referido trabalho, com as devidas adaptações.

Em Elkins v. United States 364 U.S. 206 (1960) também se fortaleceu a compreensão de que as exclusionary rules seriam concebidas com o fim de impedir violações à quarta emenda da Constituição e com o escopo de assegurar a integridade da jurisdição

4 Esta intensificação na função de deterrence, também é vista em Stone v. Powell 428 U. S. 465 (1976)

5 Os agentes da Força Tarefa foram então autorizados por um representante do Ministério Público (Assistant United States Attorney) a prender os envolvidos, ao tempo que foram informados da pretensão de obtenção de um mandado de busca para o apartamento e da possibilidade de que este não fosse obtido até o dia seguinte. Os agentes, dessa forma, deveriam proteger as instalações para evitar a destruição de provas. No entanto, na mesma noite, os agentes prenderam Segura no saguão do prédio em questão, levaram-no ao apartamento, bateram à porta e, quando foi aberto pelo peticionário Colon, entraram sem solicitar ou receber permissão. Os agentes realizaram uma verificação de segurança limitada do apartamento e, no processo, observaram, à vista de todos (plain view), vários instrumentos associados a consumo e venda de drogas. Colon e Segura foram presos e dois agentes permaneceram no apartamento aguardando o mandado de busca, mas, devido a “atraso administrativo”, ele só foi emitido 19 horas após a entrada inicial no apartamento. No cumprimento do mandado, os agentes descobriram cocaína e registros de transações de narcóticos além daqueles vistos à primeira vista. O primeiro julgamento concedeu o pedido para a exclusão de todas as provas apreendidas. A Corte de Apelações considerou que as provas descobertas à vista da entrada inicial, mas não as provas apreendidas durante a busca pelo mandado, deveriam ser suprimidas. Com essas provas, houve condenação dos envolvidos, confirmada pela Corte de Apelações. Ao examinar o caso sob o prisma da validade das provas, a SCOTUS reconheceu a independência das provas com relação ao ingresso atual.

6 Vg. AgRg no REsp n. 1.926.909/MS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 14/2/2022.

7 Cf. SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano. Os limites à busca pessoal no STJ: um debate a partir da criminologia pública. Revista Lex de Criminologia & Vitimologia, 2022

Marcelo Ribeiro de Oliveira
Pós-doutorando pela Universidade de Salamanca. Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa. Mestre e Bacharel pela Universidade de Brasília Procurador da República.

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