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Tutela cautelar antecedente e o prazo para o pedido principal: uma análise acerca do entendimento do STJ

O objetivo deste ensaio é apresentar algumas reflexões sobre a forma de contagem do prazo para a formulação do pedido principal, no caso de tutela cautelar antecedente.

20/9/2022

Como deve ser a contagem do prazo para a formulação do pedido principal, no caso de tutela cautelar antecedente (art. 308, do CPC/15)? Esta é a indagação central do texto que pretende, de um lado, contribuir para este importante debate e de outro, fazer ponderações acerca de duas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça em junho de 2022.

O ponto de partida para a abordagem do binômio cautelar X aprofundamento da cognição, passa pela análise comparativa entre as previsões contidas nos Códigos de Processo Civil de 1973 e de 2015. A legislação anterior consagrava:

Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de trinta (30) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório”.

Com o CPC/15, deixou de existir a autônoma ação cautelar preparatória ou antecedente, passando o requerimento antecedente de tutela provisória de urgência cautelar a ser uma fase/etapa de único e sincrético processo. A redação atualmente em vigor é a seguinte:

Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais”.

Além disso, o art. 309, I, do CPC/15 consagra que cessa a eficácia da tutela cautelar antecedente se o pedido principal (e não ação principal, como era previsto na legislação anterior) não for apresentado nesses 30 (trinta) dias.

Com o objetivo de subsidiar os desdobramentos que serão aqui apresentados, é necessário fazer algumas assertivas em relação ao ambiente de mudança ocorrida entre as duas legislações, especificamente quanto à tutela cautelar antecedente, nos seguintes termos: a) O CPC/15, ao consagrar o sincretismo processual, passou a considerar a tutela provisória de urgência (antecipada e cautelar) como técnica/ providência/ manifestação e requerimento incidental aos vários momentos procedimentais, inclusive anteriores à própria judicialização do objeto litigioso principal; b) nas tutelas provisórias de urgência antecedentes, há prazo para a ampliação da cognição com a formulação do pedido principal mediante simples petição (arts. 303, 304 e 308, do CPC/15); c) em caso de inércia do autor, ocorre a perda de um direito à ampliação da cognição (decadência dentro do processo em curso- perda de um direito potestativo processual); d) esta decadência de um direito dentro do processo, está ligada à limitação do ambiente litigioso em razão da ausência de formulação do pedido principal, não alcançando o fundo do direito material, com alguma semelhança à decadência do prazo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do mandado de segurança1 (que alcança apenas o ambiente do próprio mandamus2); e) nada impede que o interessado, que não apresentou a petição indicada no art. 308, do CPC, proponha nova e autônoma ação, com a causa de pedir e pedido que seriam formulados como pedido principal no feito anterior, perdendo apenas o direito ao aproveitamento da tutela cautelar antecedente; f) os prazos processuais (dentro do processo), são contados em dias úteis, nos termos do art. 219, §único, do CPC atual.

Duas questões passam a ser enfrentadas: a) se o prazo para a formulação do pedido principal de 30 (trinta) dias, contado da efetivação da tutela cautelar antecedente, deve ser contado em dias úteis (art. 219, parágrafo único, do CPC) ou corridos; b) se este prazo é ou não decadencial.

No período de vigência do CPC/73, o enunciado de súmula 482, do Superior Tribunal de Justiça era de tranquila aplicação:

A falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar”.

Os precedentes da Corte Superior também indicavam, na vigência do CPC anterior, a natureza decadencial do prazo para ajuizamento da Ação Cautelar, senão vejamos dois julgados:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CAUTELAR PREPARATÓRIA. PRAZO DECADENCIAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL (CPC, ART. 806). DATA DA EFETIVAÇÃO DA LIMINAR. EXCLUSÃO DO NOME DA AUTORA DO CADASTRO DO SISBACEN. RECURSO PROVIDO. 1. O prazo decadencial de trinta dias, previsto no art. 806 do CPC, para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da liminar ou cautelar, concedida em procedimento preparatório. 2. Na hipótese, considera-se efetivada a cautelar na data da exclusão do nome da autora do cadastro do SISBACEN, ato material de cumprimento da decisão liminar, e não na data de mera juntada aos autos do ofício remetido à instituição financeira comunicando-lhe o deferimento da medida acautelatória. 3. Recurso especial provido” (REsp 869.712 – 4ª Turma – Rel. Min. Raul Araujo – J. em 28/2/12)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CAUTELAR PREPARATÓRIA. PRAZO DECADENCIAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL (CPC, ART. 806). DATA DA EFETIVAÇÃO DA LIMINAR. EXCLUSÃO DO NOME DA AUTORA DO CADASTRO DO SISBACEN. RECURSO PROVIDO. 1. O prazo decadencial de trinta dias, previsto no art. 806 do CPC, para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da liminar ou cautelar, concedida em procedimento preparatório. 2. Na hipótese, considera-se efetivada a cautelar na data da exclusão do nome da autora do cadastro do SISBACEN, ato material de cumprimento da decisão liminar, e não na data de mera juntada aos autos do ofício remetido à instituição financeira comunicando-lhe o deferimento da medida acautelatória. 3. Recurso especial provido”.

É possível aduzir, portanto, que no regime do CPC/73 o prazo para ajuizamento da ação principal era de 30 (trinta) dias, cuja contagem refletia para “fora do processo”, eis que se tratava de propositura de nova provocação (nova ação, nova judicialização). Contudo, o CPC/15 ampliou o conceito de sincretismo processual, passando esse mesmo prazo a ser contado “dentro do processo”, com necessidade de formulação do pedido principal, sob pena de cessação de eficácia da tutela concedida em caráter antecedente (art 309, I, do CPC).

Não se trata de mera alteração conceitual e sim da própria sistemática envolvendo o sincretismo processual. O processo, portanto, é um só, com etapa envolvendo a tutela cautelar antecedente e sua posterior ampliação cognitiva, com a formulação do pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de decadência da oportunidade dentro do processo em curso.

Logo, entendo que, apesar de ambos os casos dizerem respeito à perda de um direito pela falta de seu exercício no prazo de 30 (trinta) dias, as consequências processuais são totalmente diferentes: enquanto no CPC/73 a inação do autor e a falta de propositura da ação principal gerava a decadência do direito de ação, no CPC atual a decadência alcança a perda de uma oportunidade dentro do mesmo, que não irá ampliar o seu objeto litigioso. Esta diferenciação, observando a legislação atual, gera a seguinte conclusão: trata-se de prazo processual, mesmo sendo decadencial, com contagem em dias úteis, nos termos do art. 219, parágrafo único, do CPC/15.

Como já mencionado, essa questão quanto à forma de contagem do prazo de 30 (dias) para a formulação do pedido principal foi enfrentada recentemente em dois julgados do Superior Tribunal de Justiça. Um deles afirmou que o prazo é decadencial e contado em dias corridos, já o outro consagrou que é processual, cuja contagem deve ser em dias úteis.

A ementa do acórdão AgInt no REsp 1.982.986 (1ª Turma – Rel. Min. Benedito Gonçalves – J. em 20/6/22 – DJe 22/6/22) consagrou que:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ). 2. À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/73, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar” (Súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes. 3. Na vigência do CPC/15, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/15), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). 4. No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da Súmula 83 do STJ. 5. Agravo interno não provido”.

Já no REsp 1.763.736 (Rel Min. Antônio Carlos Ferreira – J. em 21/6/22), a 4ª Turma entendeu que a contagem é em dias úteis (acórdão ainda não publicado na data de encerramento deste texto). Segundo notícia disponibilizada em 28/6/22, no site da Corte da Cidadania, a alteração advinda do CPC/15 indica que a contagem deve ser em dias úteis por ser prazo processual3.

Tentando contribuir com o debate e levando em conta os argumentos aqui apresentados para o caso em questão, entendo que o prazo para a formulação do pedido principal é ao mesmo tempo decadencial e processual (perda de oportunidade dentro do mesmo processo), devendo ser contado em dias úteis, nos termos do art. 219, parágrafo único, do CPC/15.

Com efeito, a perda da oportunidade de ampliar o limite cognitivo no mesmo processo sincrético gera decadência, apenas para fins processuais (não impede, por exemplo, que após a extinção do processo referente à tutela cautelar antecedente, a parte proponha ação de conhecimento com o mesmo objeto litigioso que seria formulado na petição mencionada no art. 308, do CPC), pelo que o prazo deve ser em dias úteis.

Nada impede que o prazo seja decadencial e processual ao mesmo tempo, afastando a noção de que a decadência estaria, sempre e sempre, ligada ao direito material4.

São estas as considerações importantes que tinha a fazer sobre essa importante questão.

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No ponto, é necessário fazer essa singela e importante observação. O prazo de 120 (cento e vinte) dias para impetração do Mandado de Segurança é decadencial e fora do processo, pelo que é contado é dias corridos. Contudo, a decadência alcança apenas o direito potestativo ao procedimento mandamental, não alcançando o fundo do direito material que, a rigor, pode ser objeto de outra provocação judicial com procedimento comum. Trato do assunto com maior fôlego no meu Mandado de Segurança. 8ª edição. Salvador: Juspodivm, 2021.

2 Não se pode confundir a coisa julgada material que ultrapassa o procedimento do Mandado de Segurança para alcançar o fundo do direito a impedir nova provocação judicial advinda da concessão ou denegação da segurança (art. 487, I, do CPC) e a “coisa julgada” advinda da perda da oportunidade de impetração o writ pelo decurso do prazo de 120 (cento e vinte) dias, a qual alcança apenas o procedimento do Mandado de Segurança e deve ser interpretada como meramente processual (art. 485, do CPC). Vale transcrever a Ementa do Acórdão STJ RMS 58829 (Rel. Min. Herman Benjamin – 2ª Turma – J. em 04/12/2018 – DJe 06/03/2019) que, ao tratar da decadência em relação ao prazo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do MS, entendeu que se enquadra no art. 487, do CPC. “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ARTIGO 487, II, DO CPC DE 2015 EXTINÇÃO DE PROCESSO ANTERIOR COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA. COISA JULGADA MATERIAL. IMPETRAÇÃO DE NOVO MANDADO DE SEGURANÇA. DESCABIMENTO. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a decisão que reconhece a decadência do direito de impetração do mandado de segurança é de mérito, nos termos do artigo 487 do Código de Processo Civil, a impedir o manejo de nova ação mandamental com base nos mesmos fatos e fundamentos, haja vista a incidência, na hipótese, da coisa julgada material. 2. Consta dos autos que o Mandado de Segurança impetrado anteriormente à presente demanda foi extinto porque interposto fora do prazo de 120 dias. Desse modo, a extinção do processo com julgamento de mérito forma coisa julgada material, impedindo a discussão da questão no mesmo processo, bem como produz efeitos para fora do processo. 3. Ressalta-se que, como o acórdão recorrido extinguiu o processo sem análise do direito subjetivo vindicado, alicerçando-se na ocorrência de decadência, é possível ao recorrente rediscutir a matéria (reclassificação do candidato diante da anulação de questões do certame público) pela via ordinária. 4. Recurso Ordinário não provido”.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28062022-Prazo-para-apresentacao-do-pedido-principal-nos-autos-de-tutela-cautelar-e-contado-em-dias-uteis.aspx. Acesso em 22/7/22, às 8h00.

4 Novamente vale a pena citar a hipótese do Mandado de Segurança que, apesar do prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias estar ligado apenas ao procedimento, pode ser prorrogado para o 1º dia útil seguinte, caso seu término ocorra em recesso, à semelhança do prazo decadencial para o manejo de ação rescisória previsto no art. 975, §1º, do CPC/15. Na Ementa do Acórdão REsp 1.944.582 (Rel. Min. Sérgio Kukina – 1ª Turma do STJ – J em 14/09/2021 – DJe 20/09/2021) consta a seguinte passagem: “O Superior Tribunal de Justiça já manifestou entendimento de que "o prazo de 120 (cento e vinte) dias para impetração é decadencial, não se suspendendo nem interrompendo, nem por pedido administrativo de reconsideração - Súmula 430/STF, nem tampouco durante o recesso judicial, dando-se somente a prorrogação para que seja protocolado no primeiro dia útil após o recesso" (RESP 1.322.277/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, publicado em 8/5/2013)”. 

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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