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O dever de fundamentação das decisões judiciais frente ao princípio do livre convencimento motivado

O dever de fundamentação das decisões judiciais possui grande importância para o exercício pleno e menos estrutural do próprio Poder Judiciário em relação ao dever de adequada e racional prestação jurisdicional.

20/9/2022

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), houve a fixação do dever de motivação das decisões judiciais, sendo previsto em seu art. 93, inciso IX, a regra de que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentados, sob pena de nulidade.

A obrigatoriedade da motivação tem fundas raízes na tradição luso-brasileira, pois, no Código Filipino, na Ordenação do Livro III, título LXVI, § 7, existia previsão determinando a especificação das razões para condenar ou absorver, tanto em sentença, quanto na instância revisora (MOREIRA, 1988, p. 85-86).

No final da década de 1980, quando do surgimento do movimento de defesa da democracia, a Constituição Pátria assumia força normativa que corroborava com a necessidade de preservação das garantias fundamentais.

Em um pensamento moderno sob a vigência de um Estado Democrático de Direito, o uso de convicções pessoais revestidas de imparcialidades só tende a enfraquecer a busca pela adequada prestação jurisdicional.

Apesar de ser alvo de inúmeras críticas, nos Códigos de Processo Civil Brasileiro de 1939 e 1973, o princípio do livre convencimento motivado era legalmente previsto, de forma que possibilitava o exercício da livre fundamentação decisória pelo juiz.

No que se refere ao princípio do livre convencimento motivado, em que pese o juiz ser livre em seu papel de valoração e análise acerca dos fatos e fundamentos arguidos pelas partes, deve haver indicação fundamentada acerca das razões do seu convencimento.

Corroborando com o Estado Democrático de Direito, ora fixado por meios dos princípios e garantias constitucionais, o Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 (CPC/15) aperfeiçoou o instituto de valoração da prova e eliminou expressamente o princípio do livre convencimento motivado, conforme previsto em seu art. 371.

No art. 489, § 1°, do CPC/15, existe expressamente a regra de que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que não atenda aos mínimos requisitos legais, como, por exemplo, no emprego de conceitos jurídicos indeterminados e sem aplicação ao caso concreto, sendo essa prevista no inciso II.

Em linhas de direito moderno, a função política das motivações das decisões judiciais, justifica que os destinatários não eram apenas as partes, mas sim a própria sociedade, pois a entrega de prestação jurisdicional possibilitaria a aferição de imparcialidade do juiz, a legalidade e justiça das decisões (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p. 58).

No processo civil brasileiro, a interpretação processual sempre foi marcada por grande controvérsia, já que desde os primórdios sempre houve grande preocupação quanto à forma e fundamento utilizado em pronunciamento judicial decisório.

A finalidade do princípio do livre convencimento motivado, que nos dias atuais é mais conhecido como convencimento motivado por conta das recentes alterações legislativas, é de evitar o surgimento de decisões conflitantes que são totalmente desarrazoadas com os preceitos legais.

Com efeito, “[a] fundamentação da sentença, portanto, não pode se confundir com a simples fundamentação escolhida pelo juiz para justificar seu convencimento livre e individualmente formado diante da lide” (THEODORO, 2018, p. 906).

No que concerne à redação do art. 371, do CPC/15, fora possível constatar que o legislador teve como intuito de limitar a apreciação e juízo de valoração do juiz, já que atualmente o magistrado deverá julgar de acordo com as provas constantes nos autos (MONTENEGRO, 2016, p. 384).

Como cediço, o CPC/15 instituiu ainda um sistema de precedentes, com o intuito de pacificar eventuais decisões judiciais conflitantes relativamente uma mesma matéria, ao ponto que o convencimento do juiz deverá respeitar o entendimento dos tribunais e súmulas.

Em perfeita sincronia com os ensinamentos de Lenio Luiz Streck, a eliminação do livre convencimento no presente cenário judicial não é tão simples assim:

Numa palavra: essa questão do “livre convencimento” é algo que simboliza a resistência de setores do direito brasileiro (inclui-se parte expressiva da doutrina processual) em abandonar as velhas teses protagonistas e instrumentalistas que atravessaram o século XX (STRECK, 2019).

Em mais uma tentativa de mitigar o livre convencimento, o art. 927, do CPC/15, ratifica a força imperativa dos precedentes, na medida em que não caberá ao juiz escolher outra opção interpretativa, quando houver incontroversa questão já decidida por Tribunal Superior

Em síntese, a mitigação do livre convencimento, ora adotada no CPC/15, estabeleceu o dever de apreciação de todo o conteúdo existente nos autos, já que no CPC/73, o juiz poderia livremente escolher se apreciava ou não determinada prova (THEODORO, 2018, p. 905).

Dessa forma, diferentemente do previsto nos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, o CPC/15 eliminou expressamente o princípio do livre convencimento motivado, na medida em que restou ratificada a necessidade de apreciação das provas constantes aos autos e indicação das razões na formação de eventual posição decisória.

No entanto, fato é que o dever de fundamentação das decisões judiciais possui grande importância para o exercício pleno e menos estrutural do próprio Poder Judiciário em relação ao dever de adequada e racional prestação jurisdicional.

Caio Almeida Monteiro Rego
Advogado do escritório Barreto Dolabella Advogados. Pós-graduando em Direito Civil pela PUC/MG.

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