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A admissibilidade dos recursos especiais em face do Código Civil de 1916 e do atual CC brasileiro

Com a entrada em vigor do atual Código Civil Brasileiro (“NCC”), os recursos especiais poderão sofrer mais uma restrição ao seu conhecimento e processamento pelo STJ. Isso porque, de acordo com jurisprudência do STJ, não se admite recurso especial com fundamento em suposta violação de lei federal que, ao tempo do julgamento pelo Tribunal a quo, já tenha sido revogada (nesse sentido, Recursos Especiais nºs 14.043-0/SP, 12.621-0/SP, 41.399-0/PR, 60.747-7/RJ e 175.953/DF).

26/2/2004

 

A admissibilidade dos recursos especiais em face do Código Civil de 1916 e do atual Código Civil brasileiro

 

Marcelo Avancini Neto

 

Henrique Di Yorio Benedito*

 

I. - INTRODUÇÃO - RISCOS À ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS ESPECIAIS

 

Com a entrada em vigor do atual Código Civil Brasileiro (“NCC”), os recursos especiais poderão sofrer mais uma restrição ao seu conhecimento e processamento pelo STJ. Isso porque, de acordo com jurisprudência do STJ, não se admite recurso especial com fundamento em suposta violação de lei federal que, ao tempo do julgamento pelo Tribunal a quo, já tenha sido revogada (nesse sentido, Recursos Especiais nºs 14.043-0/SP, 12.621-0/SP, 41.399-0/PR, 60.747-7/RJ e 175.953/DF).

 

Adotado o entendimento do STJ, não seriam admitidos recursos especiais interpostos contra acórdãos que, proferidos após 11.1.2003, quando o Código Civil de 1916 (“CC de 1916”) já teria deixado de viger, tivessem como fundamento dispositivos do CC de 1916.

 

Muito embora a jurisprudência não seja explícita sobre o(s) motivo(s) da criação daquele óbice à admissibilidade do recurso especial, quer nos parecer que a posição do STJ está ligada à função primordial para a qual esse Tribunal foi concebido, qual seja, a de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional e, conseqüentemente, preservar a unidade federativa da nação e transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados. Nas palavras do Ministro do STF CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, “esta é a competência mais importante do STJ, justamente a competência que realizará a vontade da Constituição, que é fazer dele o guardião maior do direito federal no Estado Federal brasileiro. Essa competência especial está assim inscrita no art. 105, III, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da Constituição” (Superior Tribunal de Justiça na Constituição, publicado na Revista de Direito Público nº 90 - abril/junho de 1989, p. 88 - ênfase acrescentada).

 

Nesse contexto, na visão do STJ, não faria sentido que aquele Tribunal Superior se posicionasse a respeito “de normas que não integravam o ordenamento jurídico” quando da prolação das decisões objeto dos recursos especiais (Recurso Especial nº12.621-0-SP, Primeira Turma, relator Min. César Rocha, julgado em 15.9.1993).

 

II. - POSSÍVEIS ALTERNATIVAS PARA SUPERAÇÃO DO ÓBICE JURISPRUDENCIAL

 

(i) Recursos especiais com fundamento em violação de dispositivos do CC de 1916 que encontrem correspondência em dispositivos do NCC

 

Para estes casos, entendemos que a solução mais prudente e técnica seria a oposição de embargos de declaração, para fins de prequestionamento da matéria à luz dos dispositivos correspondentes do NCC. Assim, os embargos visariam à declaração do acórdão, para enfrentar o tema sub judice sob a ótica do NCC.

 

Não se pode descartar, na hipótese, o risco de o Tribunal a quo entender que somente estará obrigado a se pronunciar sobre o CC de 1916, uma vez que os fatos discutidos na causa eram disciplinados à luz do ordenamento anterior, não obstante seja certo que: (i) nos termos do artigo 2.035 do NCC, os efeitos dos atos jurídicos são regidos pelo novo ordenamento e (ii) de acordo com a posição mais liberal e majoritária do STJ, entende-se que todos os dispositivos legais relacionados à matéria discutida pelo Tribunal a quo podem ser objeto do eventual recurso especial (é o denominado “prequestionamento implícito”) - e, no caso, a matéria estaria expressamente disciplinada pelo NCC.

 

De qualquer forma, entendemos conveniente, nessa hipótese, a interposição de recursos especiais tanto com fundamento nos dispositivos do CC de 1916 quanto nos dispositivos do NCC.

 

(ii) Recursos especiais que tenham como fundamento a violação de dispositivos do CC de 1916 que não encontrem correspondência em artigos do NCC

 

Nessas hipóteses, os riscos de não conhecimento do recurso especial fundado em contrariedade à lei federal são maiores, pois não há possibilidade de prequestionamento dos dispositivos à luz do NCC (vide itens 5 e 6 acima). Contudo, sempre se pode argumentar que:

 

(a) o artigo 105, III, alíneas “a” e “b” da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”) não faz distinção, para fins de admissibilidade de recurso especial, entre violação de leis vigentes e de leis eventualmente revogadas ao tempo do julgamento pelos Tribunais a quo e;

 

(b) embora revogado, o CC de 1916 ainda poderá servir de fundamento para o julgamento de casos relacionados a atos/fatos jurídicos constituídos sob a égide daquele diploma legal. Nesses casos, o eventual não cumprimento, pelo STJ, de sua função de assegurar aos jurisdicionados segurança jurídica poderia caracterizar violação às garantias constitucionais de acesso à justiça e do devido processo legal, previstas respectivamente nos incisos XXXV e LV do artigo 5º da CF/88.

 

Assim, caso o STJ efetivamente deixe de conhecer os recursos especiais com base no óbice jurisprudencial mencionado neste trabalho, restará sempre a via do recurso extraordinário para o STF, por violação às normas constitucionais mencionadas acima.

 

Tendo em vista os argumentos desenvolvidos acima, e dada a importância da lei federal revogada, que regula a vida privada dos jurisdicionados, esperamos que o STJ reveja seu posicionamento em relação a mais esse óbice à admissibilidade de recursos especiais. Nesse sentido, em recente palestra proferida no curso “Processo nos Tribunais Superiores”, organizado pela Associação dos Advogados do Estado de São Paulo e sob a coordenação do Professor José Rogério Cruz e Tucci, o Ministro César Asfor Rocha manifestou o entendimento de que o STJ provavelmente deverá admitir e julgar os recursos especiais que tenham como fundamento violação ou negativa de vigência a dispositivos do CC de 1916.

 

Finalmente, ressaltamos que o óbice de admissibilidade ora analisado também se estende aos dispositivos da Primeira Parte do Código Comercial (“CCo”) e do Decreto nº 3.708/1919 (que disciplina as sociedades por quotas de responsabilidade limitada), revogados pelo NCC, entre outros diplomas.

 

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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


© 2004. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.










 

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