A principal confusão que se observa neste tema é a falta de conhecimento dos institutos da meação e da herança. Isto porque muitas pessoas leigas no Direito acreditam que, quando se casa pelo regime de separação convencional de bens, o cônjuge não terá direito a qualquer título a nenhum quinhão dos bens deixados pelo de cujus.
Tal afirmação é completamente equivocada, uma vez que o cônjuge sobrevivente nesta hipótese é herdeiro (tem direito à herança) porém não é meeiro (não tem direito à meação).
Desse modo, uma vez que a legislação não previu a separação convencional de bens como uma exceção capaz de afastar a concorrência, ou seja, o direito à herança do cônjuge sobrevivente, as partes não têm a faculdade de escolher casar-se por este regime sem que o outro passe a ser necessariamente o seu herdeiro.
Em outras palavras, a partir do momento em que um indivíduo opta por se casar no regime da separação convencional de bens, automaticamente – e obrigatoriamente – o seu cônjuge passa a ser seu herdeiro caso este venha a falecer.
Vejamos o que preceitua o art. 1829 do Código Civil de 2002 (CC02), ipsis litteris:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário 646.721) (Vide Recurso Extraordinário 878.694)
- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
- ao cônjuge sobrevivente;
- aos colaterais.
A partir desta oportunidade, passaremos ao exame do quinhão o qual o cônjuge sobrevivente casado pela separação convencional de bens tem direito. Nesta hipótese, justamente por consequência do regime de bens elegido, não há comunicabilidade entre os patrimônios de cada um, e haverá duas massas patrimoniais distintas (ou seja, apenas bens particulares no acervo sucessório).
Sendo assim, o cônjuge supérstite concorrerá como herdeiro necessário na totalidade de bens deixados pelo de cujus. Portanto, aplica-se a regra geral (art. 1.829 do CC02), em que o cônjuge sobrevivente concorrerá com os demais herdeiros necessários do de cujus na forma do dispositivo supratranscrito.
Não é correto afirmar que lhe tocará necessariamente metade do patrimônio (temos que estar atentos para não confundirmos com o instituto da meação), pois para verificar a sua parte é essencial averiguar se há outros herdeiros necessários, que, consoante prevê o art. 1.845 do CC02, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
A título exemplificativo, se o falecido deixou dois descendentes e um cônjuge, caberá um terço da herança para cada um destes herdeiros necessários. Outro cenário viável é no caso de ficar constatada a inexistência de descendentes e ascendentes, circunstância na qual o cônjuge sobrevivente – mesmo que casado pelo regime da separação convencional de bens – herdará 100% (cem por cento) da herança.
O campo prático nos apresenta infinitas conjunturas possíveis, as quais somente um especialista no tema terá a competência de estudar as peculiaridades do caso concreto, para assim esboçar a sucessão em consonância com a legislação vigente e o entendimento jurisprudencial atual.
Excetuando-se o regime da separação obrigatória de bens, o qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ1) firmou entendimento no sentido de que é cabível aos companheiros ou nubentes a definição de cláusula mais protetiva do que o previsto na legislação civil, de maneira que reste proibida até mesmo a comunhão dos bens adquiridos com o esforço comum, em todos os demais regimes o cônjuge sobrevivente será inevitavelmente herdeiro necessário.
Neste ponto, convém fazer uma crítica ao ordenamento jurídico brasileiro vigente, uma vez que identifica-se uma dicotomia: de um lado temos a autonomia privada tomando cada vez mais posição de protagonismo e, de outro, uma insegurança jurídica pouco debatida quanto ao direito sucessório.
Expliquemos. Nos dias atuais, infelizmente, um indivíduo não pode, antes de falecer, determinar com segurança para quem deseja deixar os seus bens , já que, na prática, decisões judiciais podem acabar mudando a escolha feita em vida, em especial em relação à testamentos ou reconhecimento de alguma união estável após o falecimento.
Isso cria um ambiente inseguro na medida que, por exemplo, um sujeito com 50 (cinquenta) anos, separado da mãe de seus filhos, tem o desejo de deixar a integralidade do seu patrimônio para os descendentes e, ao mesmo tempo, mantém um namoro.
Nesse cenário, ainda que ele venha a residir com a sua namorada antes da morte, o mesmo pode não se reconhecer em uma união estável, tão somente em um namoro e, justamente por essa razão, nunca ter proposto ou, ainda, ter tido a vontade de constituir união estável. Pelas peculiaridades expostas até esta oportunidade, o homem sempre teve a certeza de que toda a sua herança tocaria aos seus filhos.
Em continuidade, vamos supor que este indivíduo venha falecer aos 55 (cinquenta e cinco) anos. A sua namorada poderia ajuizar uma ação de reconhecimento de união estável post mortem, tendo chances de obter êxito e, assim, se tornar meeira quanto aos bens em comum e herdeira no que tange aos bens particulares, uma vez que nesse caso se aplicaria automaticamente o regime da comunhão parcial de bens.
Vejamos que no contexto retratado, o homem nunca reconheceu a sua namorada como companheira, posto que possuía o entendimento de que a relação não chegou a esse nível de solidez e o Poder Judiciário, desrespeitando a sua autonomia da vontade, assim o faz após o seu óbito, de forma que o indivíduo morre despreocupado, certo de que os seus bens irão para o fim desejado e não é o que ocorre na prática.
Em outras palavras, o sujeito ainda em vida organiza uma eficiente proteção patrimonial confiante de que os seus bens terão os destino apontado por ele em vida e após a sua morte o Poder Judiciário adentra a esfera privada alterando todo o sistema criado por quem construiu o acervo patrimonial.
Ainda que seja necessária a proteção da figura do cônjuge sobrevivente, deve-se implementar um sistema no qual permita que, dentro da configuração familiar de cada pessoa, seja facultada a designação de quem herdará o seu patrimônio.
Apesar das críticas ao ordenamento jurídico atual, não pode-se, de forma alguma, não dar a devida relevância a esse assunto. Mesmo que ainda não tenhamos alcançado uma sistemática robusta e infalível no que tange ao Direito Sucessório, há instrumentos bastantes eficazes que possibilitam o autor da herança designar com bastante segurança e concretude os seus herdeiros.
Podemos citar, a título exemplificativo, para a implementação do planejamento sucessório, a criação de holding familiar, a qual promove uma proteção patrimonial e a possibilidade da construção de um modelo de planejamento sucessório, com a definição expressa do quinhão que tocará a cada integrante do grupo familiar ou, ainda, com o estabelecimento de cláusulas que evitem a dilapidação patrimonial, como as cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e de incomunicabilidade.
Há diversos meios lícitos os quais nós advogados podemos lançar mão em favor dos nossos clientes a fim de obter o mais efetivo planejamento sucessório para o caso concreto, sendo certo que não há uma regra geral, devendo o profissional, analisando as peculiaridades em comento, realizar a adequada personalização.
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1 BRASIL. Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2022.
2 Superior Tribunal de Justiça. EREsp 1.472.945/RJ. Relator: Antonio Carlos Ferreira. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2022.
3 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.382.170/SP. Relator: João Otávio de Noronha. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2022.
4 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.922.347/PR. Relator: Luis Felipe Salomão. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2022.
5 TARTUCE. Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo, MÉTODO, 2018, p. 1692-1714.