Migalhas de Peso

O domínio público das obras intelectuais e a possibilidade de manutenção dos direitos

A importância do tema se mostra evidente, pois apresenta ao proprietário outro meio de manter a exclusividade de sua criação.

15/9/2022

A arte agracia o cotidiano de toda a sociedade, e está presente nas mais variadas manifestações humanas desde os primórdios, é por meio dela que artistas registraram importantes momentos históricos. Assim, ao longo do tempo, a arte, representada por quadros, livros, esculturas, filmes etc., se modificou e apresentou novas tendencias.

Embora a arte represente um importante fenômeno social, também possui um cunho comercial extremamente relevante para o desenvolvimento econômico. As grandes produtoras lucram valores astronômicos por meio de suas produções. Segundo a UNESCO, o setor criativo gera, mundialmente, uma renda anual de US$ 2,25 bilhões.

As atividades do setor cultural agora contam com 6,1% da economia mundial. Elas geram uma renda anual de US$ 2,25 bilhões e quase 30 milhões de empregos no mundo, empregando mais pessoas com idades entre 15 e 29 que qualquer outro setor. A indústrias culturais e criativas se tornaram essenciais para o crescimento econômico inclusivo, reduzindo as desigualdades e colaborando para o desenvolvimento sustentável. Elas estão entre os setores que mais crescem no mundo.

Desse modo, diante da extensa possibilidade de auferir lucro mediante a apresentação de novas modalidades de cultura, surge a necessidade de tornar cada obra única e exclusiva. Assim, se torna inevitável a busca por uma ampla proteção aos direitos autorais.

Os autores são protegidos pela lei 9610/98, lei do direito autoral. Dessa forma, ao criar uma obra, a lei e a Constituição Federal asseguram prerrogativas tanto ao autor quanto à sua criação. Além disso, tais dispositivos legais garantem o pleno direito, ao autor, de decidir sobre a utilização e a comercialização da sua obra.

Aos autores, são assegurados os direitos morais e patrimoniais. O primeiro, é inalienável e irrenunciável, nunca se expira e permanece vinculado à obra mesmo após o falecimento do autor. O segundo, pode ser licenciado ou cedido, o direito patrimonial possui prazo fixada por lei para a sua manutenção.

A vigência do prazo para proteção de um direito patrimonial de uma obra pode se tornar um empecilho para a manutenção de negócios para as empresas. Diversas produtoras, como a Walt Disney, sofrem com a possibilidade de suas obras caírem em domínio público.

As obras possuem um prazo legal para vigência de sua proteção, que, quando expirado, terceiros podem utilizá-las sem autorização. Geralmente o prazo para proteção é de 70 anos, o marco temporal para início da contagem do prazo de proteção dependerá do tipo de obra, conforme estabelecido em lei.

Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo.

Art. 42. Quando a obra literária, artística ou científica realizada em coautoria for indivisível, o prazo previsto no artigo anterior será contado da morte do último dos coautores sobreviventes.

Parágrafo único. Acrescer-se-ão aos dos sobreviventes os direitos do coautor que falecer sem sucessores.

Art. 43. Será de setenta anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre as obras anônimas ou pseudônimas, contado de 1° de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação.

Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto no art. 41 e seu parágrafo único, sempre que o autor se der a conhecer antes do termo do prazo previsto no caput deste artigo.

Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas será de setenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação.

Partindo do princípio de que as obras não serão protegidas eternamente, adentramos em um importante questionamento: Qualquer um poderá utilizar a obra sem necessidade de autorização do criador?

A resposta para tal indagação é a mesma que a da maioria das questões jurídicas: Depende. Uma obra que cai em domínio público pode ser utilizada por qualquer um sem a necessidade de autorização, no que se refere ao direito patrimonial, ou seja, o criador não poderá cobrar valores relativos ao uso.

Por outro lado, no que diz respeito ao direito moral, o autor permanece no pleno direito ao uso. Inclusive, seus herdeiros e o Estado podem exercer e garantir que os direitos morais inerentes aos autores não serão violados. Assim, esse direito não morre e não deixa de existir.

Art. 24. São direitos morais do autor:

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.

Além disso, deve-se analisar a possibilidade da livre utilização de uma obra artística sob a ótica do direito de propriedade industrial. Quando uma criação puder ser fabricada em grande escala e passar a deter aplicação industrial, poderá ser protegida pela lei da propriedade industrial, 9279/96. A lei versa sobre diferentes tipos de propriedade industrial, dentre eles estão as marcas. As marcas são signos que visam diferenciar produtos ou serviços de outros que sejam semelhantes.

Além dessas características de uma marca, a indústria da arte está interessada em uma peculiaridade das marcas: a proteção renovável por infinitas vezes. Observe que, diferente da maioria das demais propriedades intelectuais, as marcas possuem o prazo de vigência de proteção de 10 anos, podendo ser renovado por sucessivas vezes.

Assim, quando uma obra cai em domínio público, a sociedade possui o direito de utilizá-la sem necessidade de autorização de forma completa. Entretanto, na maioria das vezes não é possível utilizar os personagens dessa obra que se tornou pública para, por exemplo, desenvolver uma nova produção com aplicação industrial, pois as grandes indústrias protegem seus personagens por meio de marcas.

Para demonstrar de forma clara essa conexão entre os direitos de propriedade intelectual, utilizaremos o famoso vídeo da Walt Disney, lançado em 1928. O prazo para final da sua proteção ocorrerá em 2024, com base na lei Norte Americana, que protege por 95 anos os direitos autorais de uma obra, contados da data da sua publicação.  O famoso curta do Mickey Mouse foi um dos pioneiros ao utilizar de forma sincronizada sons e imagens animadas, se tornando um marco para o cinema mundial.

A notícia sobre a queda para o domínio público das obras da Walt Disney sempre ganha muita visibilidade, principalmente dos olhares atentos de quem gostaria de utilizar as obras de forma livre. Entretanto, como estratégia de manutenção de direitos, diversas empresas registram seus personagens como marcas.

Assim, quando registrado como marca, mesmo que caia em domínio público terceiros não poderão utilizar a obra de forma independente da obra original. Desse modo, não há a menor possibilidade de um terceiro criar uma linha de produtos com a imagem do Mickey, isto porque ele está devidamente registrado como marca em diversos países.

Cabe esclarecer que não há ilegalidade no registro de personagens de obras como marca, pois visa inibir que terceiros utilizem a criação alheia, que caiu em domínio público, com intuito de comercialização por outros meios diferente da utilização da obra completa.

Observe que o registro como marca garante a proteção para que terceiros não utilizem personagens ou título das obras de forma livre quando alcançado o prazo para cair em domínio público, e auxilia na possibilidade de licenciar as marcas, constituídas por personagens, de forma mais simples.

Por fim, antes de se utilizar uma obra que caiu em domínio público, devem ser observados outros aspectos legais, pois a obra pode ser protegida por outros instrumentos que garantem ao proprietário, quando ocorrer utilização indevida, a prerrogativa de requerer a restituição pelos eventuais danos sofridos.

A importância do tema se mostra evidente, pois apresenta  ao proprietário outro meio de manter a exclusividade de sua criação, recorrendo-se ao seu registro como marca, que pode ser renovada por sucessivas vezes, garantindo, dessa forma, a continuidade dos lucros.

Lorena Marques Magalhães
Advogada na Barreto Dolabella advogados, mestranda em propriedade intelectual e transferência de tecnologia na UNB

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Discriminação nos planos de saúde: A recusa abusiva de adesão de pessoas com TEA

19/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024