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MP vira lei em meio à polêmica sobre o controle de jornada do trabalho à distância

Pelo que certamente o Judiciário será instado a se manifestar e deverá enfrentar as situações de conflito para vir a ser o balizador dessas lacunas enquanto perdurar o vácuo legislativo em relação a aspectos importantes como aqueles relacionados à saúde ocupacional, medicina e segurança do trabalho.

14/9/2022

No último dia 5 de setembro de 2022 foi publicada a lei 11.442/22, após sanção do presidente da República, originária da Medida Provisória (“MP”) 1108/22, que passou a disciplinar o pagamento de auxílio alimentação, além do teletrabalho e trabalho remoto, promovendo alterações na lei 6.321/76, conhecida como “Lei do PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador” e na própria Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”).

De acordo com a referida lei, os valores pagos pelo empregador a título de auxílio-alimentação deverão ser utilizados para pagamento única e exclusivamente de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais.

Por sua vez, a execução inadequada, o desvio ou o desvirtuamento das finalidades dos programas de alimentação do trabalhador pelas empresas, tanto as beneficiárias quanto as registradas no Ministério do Trabalho e Previdência, acarretarão a aplicação de multa, o cancelamento da inscrição e a perda do incentivo fiscal, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades pelos órgãos competentes.

De outra parte, em relação ao trabalho à distância, a lei equipara o teletrabalho ao trabalho remoto, esclarecendo que o comparecimento, ainda que habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do trabalhador não descaracteriza o trabalho remoto ou teletrabalho.

Ainda, pela lei, a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá obrigatoriamente constar de forma expressa no contrato individual de trabalho.

Previsão importante introduzida pela lei diz respeito ao empregado que presta serviços fora do local da contratação. Para esses empregados aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho da base territorial do estabelecimento de lotação do empregado. E para o empregado admitido no Brasil que optar pela realização do teletrabalho fora do território nacional deverá ser aplicada a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da lei 7.064/82 (conhecida como “lei do expatriado”) ou disposição em contrário estipulada pelas partes.

Nessa hipótese em que o empregado opta pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, salvo acordo contrário entre as partes.

Outro aspecto relevante trazido pela lei é que o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, além de softwares, ferramentas digitais ou aplicações de internet fora da jornada de trabalho não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso, salvo disposição em contrário entre as partes, não gerando o direito à percepção de horas extas.

Ponto de atenção, porém, diz respeito à questão atinente ao controle de jornada e direito ao recebimento de horas extras pelo funcionário que exceder a jornada contratual.

De acordo com a lei, apenas aos empregados em regime de teletrabalho que prestam serviços por produção ou tarefa não se aplica a duração do trabalho e, portanto, estão isentos da marcação do ponto, não fazendo jus a horas extras. Todavia, os empregados em regime de teletrabalho ou trabalho remoto que prestam serviços por jornada deverão ter seu horário de trabalho anotado, passando a fazer jus ao recebimento de horas extras caso as realizem.

Para tanto, a lei também estabelece que os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador poderão estar dispostos em acordo individual, devendo restar assegurados os repousos legais.

Por fim, a lei permite a adoção do teletrabalho e trabalho remoto para aprendizes e estagiários e determina que os empregadores devem dar prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até 4 (quatro) anos na alocação de vagas cujas atividades possam ser desenvolvidas por meio de teletrabalho ou trabalho remoto.

Antes mesmo da pandemia e da necessidade de prestação de serviços de forma remota havia um anseio pela regulamentação de forma mais concreta e eficaz do teletrabalho, introduzido no ordenamento jurídico pela reforma trabalhista de 2017.

Segundo o Ministério do Trabalho, o normativo agora publicado busca modernizar a as previsões existentes na CLT, além de corrigir aspectos regulatórios que o uso maciço do teletrabalho durante a pandemia evidenciou como, por exemplo, aumentar as possibilidades de regimes híbridos de teletrabalho.

Contudo, se por um lado a lei trouxe alguns aspectos positivos, especialmente no que diz respeito à norma coletiva aplicável ao empregado que presta serviços fora do local da contratação, bem como à legislação a ser observada no caso do empregado que opta por trabalhar no exterior, de outra parte, ao prever que apenas os empregados que trabalham por produção ou tarefa estão isentos do controle de ponto trouxe certamente uma desestimulo à adoção desse regime para aqueles empregados que trabalham por jornada, modalidade esta que é a mais comum de contratação, uma vez que a remuneração por produção ou tarefa não se aplica a todos os tipos de trabalho.

Ademais, a lei traz certa insegurança jurídica para várias questões que deixaram de ser regulamentadas como, por exemplo, no caso de o funcionário que presta serviços remotamente no exterior e se expõe a um acidente de trabalho ou doença ocupacional, uma vez que não aborda questões previdenciárias e outras correlatas.

Em suma, ainda há um longo caminho a percorrer para que o trabalho de forma híbrida ou remota possa ser aplicado com segurança, pelo que certamente o Judiciário será instado a se manifestar e deverá enfrentar as situações de conflito para, mais uma vez, vir a ser o balizador dessas lacunas enquanto perdurar o vácuo legislativo em relação a aspectos importantes como aqueles relacionados à saúde ocupacional, medicina e segurança do trabalho.

Paula Corina Santone
Sócia da área trabalhista do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.

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