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Sucessão tributária e trabalhista na recuperação judicial da sociedade empresária

A Lei nº 11.101, de 2005 (LRF), faz uma clara distinção entre sociedade e empresa, conforme diligenciei demonstrar no alentado estudo “Responsabilidade por obrigações e dívidas na recuperação judicial, na recuperação extrajudicial e na falência da sociedade empresária”, a ser publicado na Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

29/3/2007


Sucessão tributária e trabalhista na recuperação judicial da sociedade empresária

Jorge Lobo*

A Lei nº 11.101, de 2005 (LRF - clique aqui), faz uma clara distinção entre sociedade e empresa, conforme diligenciei demonstrar no alentado estudo “Responsabilidade por obrigações e dívidas na recuperação judicial, na recuperação extrajudicial e na falência da sociedade empresária”, a ser publicado na Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Para a LRF, (a) a sociedade é ser; a empresa, atividade produtiva organizada; (b) a sociedade é sujeito de direito; a empresa, objeto de direito; (c) a sociedade é ficção jurídica; a empresa, realidade social; (d) a sociedade é instituto jurídico; a empresa, fenômeno econômico; (e) a sociedade alicerça-se na teoria do contrato plurilateral; a empresa, na teoria da organização; (f) a sociedade é forma; a empresa, conteúdo; (g) a sociedade é a personificação da empresa; a empresa, a concretude da sociedade.

Calcada na idéia de empresa, a LRF, em quatro artigos, trata de estabelecimento (arts. 50 e 140), filial (arts. 60, 140 e 141) e unidade produtiva (arts. 60 e 140).

Da leitura desses artigos, constata-se que a empresa pode ser: (a) um todo único (art. 50, XIII, e 141); (b) formada por um ou mais estabelecimentos (art. 140, I); (c) constituída por uma ou mais filiais (art. 60, caput, 140, II, e 141) e (d) composta por uma ou mais unidades produtivas (art. 60, caput, e 140, II).

Verifica-se, ainda, que a LRF regula: (a) a alienação da empresa como um todo único (art. 141); (b) a alienação da empresa com a venda de seus estabelecimentos em bloco (art. 140, I); (c) a alienação da empresa com a venda isoladamente de suas filiais ou unidades produtivas (art. 140, II) e, a única hipótese que nos interessa no momento, (d) a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas no processo de recuperação (art. 60, caput), segundo as normas do art. 142, desde que previsto o “trespasse de estabelecimento” (arts. 50, VII, c/c. art. 60, caput) no plano de recuperação, aprovado pela assembléia geral de credores e homologado pelo juízo.

Como acentuei no livro Comentários à LRF, coordenado pelos professores Paulo Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão, publicado pela Editora Saraiva, “o art. 60, caput, da LRF, sob a denominação de ‘alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor’, trata do decantado ‘trespasse de estabelecimento empresarial’, cabendo destacar que a LRF peca, às vezes, por desprezar vocábulos consagrados, como ocorre in casu, ao empregar a palavra ‘filiais’ e a expressão ‘unidades produtivas’ ao invés do clássico ‘estabelecimento’, hoje, inclusive, objeto de minuciosa disciplina no Código Civil (clique aqui), arts. 1.142 e segs.” (p. 160).

Ex vi do art. 1.142, do Código Civil, estabelecimento, por conseguinte, sem sombra de dúvida, “filial” e “unidade produtiva”, é “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”, vale dizer, é uma “universitas ou, mais precisamente, uma universitas facti, composta de coisas corpóreas (bens imóveis, móveis e semoventes) e incorpóreas (nome empresarial, insígnias, marcas, patentes de invenção, ponto comercial, clientela, aviamento, concessões de serviços públicos, autorizações administrativas e todos os demais bens e direitos de propriedade da sociedade empresária).

O trespasse judicial de estabelecimento, se realizado durante o processo de recuperação, em fiel observância da norma excepcional do art. 60, da LRF, e das regras cogentes do art. 142, da LRF, livra o adquirente de qualquer ônus e obrigações vencidas e vincendas, contabilizadas nos livros da matriz ou do estabelecimento da sociedade empresária, inclusive as de natureza tributária e trabalhista.

Anote-se que, em virtude de os créditos tributários não estarem sujeitos à ação de recuperação judicial e, portanto, não sofrerem os efeitos da sentença homologatória do plano de recuperação (art. 59, caput, da LRF), fez-se mister deixar patente, no par. único, do art. 60, da LRF, e repeti-lo na LC 118/05 (clique aqui), que alterou o art. 133, do CTN (clique aqui), que o adquirente de estabelecimento empresarial não responde pelas obrigações tributárias do devedor, não tendo havido necessidade de mencionar-se as de natureza trabalhista, eis que os empregados e ex-empregados são sujeitos passivos da ação de recuperação judicial da sociedade empresária.

Por conseguinte, verificando-se: (1º.) tratar-se de alienação de estabelecimento; (2º.) estar a alienação prevista no plano de recuperação; (3º.) ter sido o plano aprovado pela assembléia geral de credores e homologado pelo juízo e (4º.) haver sido observado o princípio da legalidade formal, ínsito no art. 142, da LRF, o adquirente não responde por ônus e obrigações do vendedor.

Todavia, se qualquer desses requisitos não tiver sido preenchido, como, por exemplo, se a alienação não tiver sido de estabelecimento, mas da empresa, de seu “core business”, ou se a aprovação do plano de recuperação contiver vícios formais e/ou materiais, ou se houver sido preterida qualquer das formalidades essenciais do art. 142, em especial as prescritas no § 1º, do art. 142, da LRF, há sucessão universal e deve aplicar-se, quando se tratar de obrigações e dívidas em geral, o regime instituído pelo art. 1.146, do Código Civil; quando versar sobre obrigações tributárias, o art. 133, do Código Tributário Nacional, e sobre obrigações trabalhistas, os arts. 10 e 448, da Consolidação das Leis do Trabalho (clique aqui).

A razão é simples e decorre de consagrado cânone de hermenêutica jurídica: as disposições excepcionais, que criam privilégio — como o do par. único, do art. 60, da LRF —, interpretam-se restritivamente desde os romanos, que ensinaram há milênios: - “exceptiones sunt strictissimae interpretationis” (“interpretam-se as exceções estritissimamente”).

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*Advogado do escritório Jorge Lobo Advogados

 

 

 

 

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