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Recurso especial – EC 125 – Estado Democrático de Direito

Com idas e vindas e mais emendas a PEC DA RELEVÂNCIA foi sancionada, com o texto final publicado no DOU em 15 de julho de 2022.

8/9/2022

O Brasil é uma República Federativa tendo como poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, seguindo o critério funcional, conforme MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO1. Valor máximo de organização política, a separação dos três poderes, inspirado no Espirito das Leis de MONTESQUIEU, é ao mesmo tempo um limitador de liberdade de atuação de cada poder2, fazendo com que este limitador mantenha em equilíbrio o Estado, o Governo, as instituições, separação esta que a nosso ver deve ser referendada e reverenciada, pois representa um estado democrático de direito.

Neste tirocínio, após os princípios fundamentais, temos, no Título II da Constituição Federal, a previsão dos Direitos e Garantias Fundamentais, contendo em seu inciso II, do art. 5º, a previsão de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o célebre e muito usado, às vezes inadequadamente, o Princípio da Reserva Legal ou Anterioridade ou Irretroatividade.

É a Constituição Federal que prevê a organização, a composição, a competência, a atribuição, a segurança de cada poder da União Federal.

Por sua vez a organização, a composição, a competência, a atribuição, a segurança do Poder Judiciário se encontram no Título IV, Capítulo III, art. 92 e seguintes da Constituição Federal. Na continuidade deste tirocínio primeiro, temos nos arts. 101 e 105 da Lei Maior a previsão das nossas Cortes Superiores representantes máximas do Poder Judiciário.

Ao Supremo Tribunal Federal compete ser o guardião da Constituição Federal e ao Superior Tribunal de Justiça compete ser o guardião do Direito Federal positivado infraconstitucional. Cabe a eles, o poder, o dever, de guardar em última análise, o sistema jurídico brasileiro, constitucional e o infraconstitucional. Em caso de violação, subversão destas ordens, incumbe a essas Cortes, como um verdadeiro remédio aplicável, restabelecer, quiçá estabelecer a ordem jurídica, pelos recursos extraordinário e especial.

Essa releitura é necessária para não esquecermos que a República, o Estado, a Federação necessitam ver respeitados os limites de cada poder, para que não ocorra o imponderável, o desrespeito ao Princípio da Segurança Jurídica, a independência e harmonia que entre eles deve existir.

Vamos mais adiante quanto a esses recursos constitucionais. Com a litigiosidade, o número de ações crescendo e o número de recurso extraordinário interpostos, adveio a Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, a qual acresceu ao remédio máximo ao guardião do sistema constitucional, a repercussão geral das questões constitucionais. Esse requisito criado para o recurso extraordinário era um filtro a mais, que segundo notícias em mensagens de lei, reportagens, reduziria o número desses recursos interpostos ao Supremo Tribunal Federal, pois se alegava à época que o fundamento recursal de erro de fato objetivando a reparação de injustiça era costumeiramente utilizado em recurso extraordinário, fugindo assim da competência, função e finalidade desse último recurso contra a violação do sistema constitucional.

Agora chegou a vez do recurso especial. Em 14 de julho de 2022 foi sancionada a Emenda Constitucional 125, conhecida como a PEC DA RELEVÂNCIA de casos a serem levados ao Superior Tribunal de Justiça, quer de jurisdição contenciosa ou voluntária, quando efetivamente houver violação ao sistema infraconstitucional.

A questão de relevância para os recursos especiais se iniciou com a proposta de emenda em 2012 dos deputados ROSE DE FREITAS e LUIZ PITIMAN.

Quando a PEC DA RELEVÂNCIA foi apresentada na Casa Legislativa, esta tinha como pretensão exigir mais um requisito de admissibilidade ao recurso especial, relevância da questão de direito federal infraconstitucional, ao molde do que ocorreu com o recurso extraordinário, qual seja a repercussão geral das questões constitucionais.

Com idas e vindas e mais emendas a PEC DA RELEVÂNCIA foi sancionada, com o texto final publicado no DOU em 15 de julho de 2022.

Pelo parágrafo 2º, acrescido ao art. 105 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 125, o recorrente deve, imperativamente, demonstrar, além dos requisitos já exigidos anteriormente, formal e material, a relevância das questões de direito federal infraconstitucionais discutidas no caso do recurso constitucional. A denominação de recurso constitucional para os recursos especial e para o recurso extraordinário é de MANTOVANNI CAVALCANTE 3, a qual adotamos, porque esses recursos são a última possibilidade de se manter a inteireza da ordem jurídica infraconstitucional ou constitucional.

Na continuidade deste artigo, temos o parágrafo 2º acrescido ao art. 105 da Constituição Federal, o qual impõe ao Superior Tribunal de Justiça, que a relevância arguida pelo recorrente somente poderá ser rechaçada por dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.

Da leitura do parágrafo 3º acrescido ao art. 105 da Constituição Federal se verifica o que nominamos de relevância objetiva, iuris at iuris, por se tratar de hipóteses legais referente à ação penal, de improbidade administrativa, de valor da causa acima de quinhentos (500) salários-mínimos, a inelegibilidade, acórdão contrário à jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e afinal outras que a lei assim dispuser.

Entendemos que a relevância prevista no parágrafo 3º acrescido ao art. 105 da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional 125, é objetiva porque basta o cotejo entre o caso e a hipótese prevista na Lei Maior apresentada ao Superior Tribunal de Justiça, para se identificar a presença do requisito de admissibilidade, possibilitando, o conhecimento do recurso especial com o cumprimento também dos requisitos já previstos.

Desta forma, na hipótese legal do parágrafo 3º do art. 105 da Constituição Federal, não há de se perquirir se foram ou não cumpridos outros requisitos que poderão ser exigidos por lei, na forma do previsto no parágrafo 2º da Emenda Constitucional 125. Portanto, basta a confrontação, neste primeiro momento, da existência de uma das hipóteses previstas pelo parágrafo 3º, do art. 105 da Constituição Federal a fundamentar a relevância, para o cumprimento da hipótese constitucional prevista a demonstrar a relevância da questão de direito federal infraconstitucional.

O nosso entendimento primário quanto a dedução da relevância das questões de direito federal está deve ser apresentada como uma questão de ordem, por primeiro, porque sua inexistência implicará na impossibilidade de se adentrar na apreciação do mérito recursal especial.

A relevância das questões de direito federal infraconstitucional tem a nosso ver, natureza jurídica de juízo de admissibilidade formal, intrínseco, especial. Formal porque devemos apresentar a relevância de forma expressa. Intrínseco, pois o interesse recursal deverá afinal transcender ao interesse das partes. Especial vez que é um filtro a ser cumprido pelo jurisdicionado, quando da interposição do recurso, para evitar a subversão do sistema jurídico infraconstitucional.

A par do novo requisito, todos os demais já previstos, quer intrínsecos ou extrínsecos, devem ser cumpridos sob pena, de não ser o recurso especial admitido, tais como: tempestividade, inexistência de fato extintivo ou modificativo, cabimento, preparo, regularidade formal, interesse recursal.

O novo filtro criado pelo legislador pela Emenda Constitucional 125 para o recurso especial é, a exemplo do que apontado quando da repercussão geral do recurso extraordinário, uma consequência aos inúmeros casos que chegavam às barras do Superior Tribunal de Justiça e traziam questões que não representavam afinal, a subversão do sistema infraconstitucional, o desrespeito a uma tutela de um interesse geral do Estado sobre os interesses dos litigantes4.

Sob o argumento de que muitos recursos especiais não traziam em sua fundamentação recursal uma violação ao sistema jurídico infraconstitucional, podemos dizer que a função do Superior Tribunal de Justiça de ser guardião do direito positivo na forma estabelecida pela República Federativa, de separação de poderes, de observância aos direitos e garantias fundamentais, conforme os arts. 1º, 2º, 5º, 92 da Constituição Federal, era subvertida, em face à condicionante de muitos casos serem de questões de fato e não ultrapassavam a barreira do caso concreto, isto é, não transcendiam, não iam além do interesse da parte recorrente.

Exsurge da leitura do art. 2º da Emenda Constitucional 125, uma antinomia no dispositivo com o parágrafo 2º do art. 1º, porque neste se prevê que a demonstração das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, deverá ser nos termos da lei, enquanto naquele art. 2º, se prevê que a relevância será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da Emenda Constitucional.

Em nosso entender há que ser aplicada as regras de interpretação, mas, de pronto, entendemos que as hipóteses objetivas previstas no parágrafo 3º do art. 1º da Emenda Constitucional 125, serão exigidas imediatamente após a publicação, conforme aplicação de regras de direito intertemporal. Assim, consequentemente, haverá a alteração também do regimento interno do Superior Tribunal de Justiça com os procedimentos necessários para o cumprimento do novo requisito trazido pela emenda à Constituição Federal.

Para os casos de demonstração de relevância das questões de direito infraconstitucional previstas no parágrafo 2º, do art. 1º da Emenda Constitucional 125, conforme previsto pelo legislador, haverá de ser editada lei, seguindo os ritos legais e constitucionais, inclusive regimental, para que não reste prejudicado o princípio maior albergado pelos recursos constitucionais, qual seja o da segurança jurídica5, da reserva legal, esta inclusive com observância à aplicação da lei no espaço e no tempo e o efeito ex nunc, consagrado em nosso sistema jurídico, o qual abraça sobremaneira o princípio da irretroatividade.

Em um olhar de operadores do Direito e o receio de que não se cumpra a exigência do legislador, quanto à existência de lei para a demonstração de relevância do parágrafo 2º do art. 105 da Constituição Federal, há de se apontar a relevância intrínseca do caso, fundamentando-a no impacto que haverá no campo social, econômico, político e jurídico.

Assim o requisito da relevância quer objetivo, quer subjetivo, vem a exigir mais uma vez a demonstração da questão federal, do direito positivo ferido, da subversão da ordem infraconstitucional de tal forma a dizer que o acordão, objeto do recurso especial previsto no art. 105 da Constituição Federal, modifica, altera, extingue o direito positivo vigente, não só o do recorrente, mas dos demais jurisdicionados, ou de um grupo deles, ou classe.

Aí está a beleza do direito, a beleza do recurso, que representa a última ratio para colocar a ordem jurídica, o direito positivo federal vigente, nos trilhos.

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1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 42ª ed., revista e atualizada. Ed. Forense. 2022. P. 116.

«L’État, c’est moi ». J’ai appris que vous prétendiez encore les continuer sous prétexte de délibérer sur les édits qui ont été lus et publiés en ma présence.» Le président invoque l’intérêt de l’État dans cette affaire, le roi le fait taire, en affirmant: «L’État, c’est moi» (13 avril 1655). Étonnante maturité politique et quelle autorité naturelle, à 16 ans!

- https://www.histoire-en-citations.fr/citations/louis-xiv-l-etat-c-est-moi#:~:text=J'ai%20appris%20que%20vous,%C2%BB%20(13%20avril%201655)

3 Mantovanni Cavalcante diz, conforme apontado por Athos Gusmão Carneiro (Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, 7ª ed., Forense) que os recursos “excepcionais”, ou recursos constitucionais, seriam aqueles responsáveis pela transposição da causa das instâncias ordinárias para a instância especial, uma vez que existem para garantir a observância ao ordenamento jurídico, e seu uso pressupõe o esgotamento prévio das instâncias ordinárias (Recursos especial e extraordinário, Dialética, 2003, p.39).

Para Athos Gusmão Carneiro a natureza jurídica do recurso especial é o de tutela da legislação federal.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Institucional/Historia/Nasce-o-Recurso-Especial -  1/8/22

5 Athos Gusmão Carneiro nota 2, Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, 7ª. Ed., Forense, p. 7 e 8, escreveu: A segurança jurídica constitui, cumpre ressaltar, um princípio de sobredireito, ou de sobreprincípio, ínsito ao sistema de garantias constitucionais, e que se manifesta precipuamente pela proibição de retroatividade das leis. Esse princípio de sobredireito, na expressão de Paulo Barros de Carvalho (Revista da Associação dos Pós-Graduados da PUC, 3/130), impõe-se pela afirmação de vários princípios matrizes, como os da legalidade, da igualdade, da anterioridade, da irretroatividade, da universalidade.

Louise Rainer Pereira Gionédis
Sócia fundadora do Pereira Gionédis Advogados, certificada na nova Lei Geral de Proteção de Dados, especialista em Direito Societário, Mestre em Direito Econômico e Empresarial e em Cooperação Internacional.

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