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Arbitragem por e para empresas

Ferramenta que desafoga o Judiciário precisa ser protegida para virar padrão em litígios corporativos.

8/9/2022

Conflitos entre empresas deveriam ser resolvidos, preferencialmente, pelas próprias empresas. Esse é o princípio básico por trás do instituto da arbitragem, ferramenta jurídica consolidada internacionalmente e que, neste momento, é alvo de um projeto de lei surgido sem qualquer participação dos maiores interessados: o setor empresarial.

A arbitragem oferece às empresas um caminho de resolução de conflitos que não passa pelo Poder Judiciário, embora, evidentemente, goze de plena validade jurídica. De maneira voluntária, as partes interessadas escolhem um ou mais árbitros, que exercem o papel de juiz no procedimento. Cabe a ele ouvir as partes e proferir uma decisão final.

Com isso, a contenda é resolvida sem onerar o Poder Público e, potencialmente, de forma mais rápida. O Judiciário pode ser acionado apenas para fins de controle de legalidade – ou seja, conferir, quando provocado por uma das partes, se o procedimento ocorreu de acordo com a lei. O mérito da decisão do árbitro não entra em conta, tampouco pode ser questionado em alguma instância judicial.

Além de ser uma estratégia mais ágil e especializada de resolução de conflitos, a arbitragem oferece uma vantagem adicional em um país como o nosso: ela contribui para desafogar o Poder Judiciário, liberando-o para cumprir com mais eficiência sua principal finalidade, isto é, a proteção dos direitos dos indivíduos, não das empresas.

Qualquer proposta de reforma no instituto da arbitragem deveria ter em vista, portanto, a popularização desse método de resolução de conflitos. Idealmente, todos os contenciosos entre pessoas jurídicas poderiam ser resolvidos por meio de arbitragens privadas, salvo quando uma das partes manifestasse desejo em contrário.

Infelizmente, o projeto de lei que tramita hoje no Parlamento vai na contramão desse objetivo. Ao propor que as sentenças das arbitragens se tornem públicas e restringir a atuação dos árbitros, ele contribui para ampliar – não diminuir – a judicialização dos conflitos empresariais no país, ameaçando a própria sobrevivência do instituto da arbitragem.

Dada a natureza desse procedimento, qualquer proposta de alteração em suas regras funcionais deveria ser elaborada primeiramente pelas empresas, usuárias finais do sistema. O atual PL, ao contrário, não foi debatido com a iniciativa privada, tampouco com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com as câmaras de arbitragem ou com representantes da Bolsa de Valores (B3).

Isso não significa que a lei brasileira não precise ser aprimorada, especialmente no que diz respeito à transparência e isonomia do processo. Um dos principais elementos que necessitam melhoras é o cumprimento do chamado dever de revelação. A lei estabelece que os árbitros precisam revelar às partes qualquer fato que possa gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade. Relações atuais ou passadas com os advogados, as partes e os demais árbitros envolvidos no processo, por exemplo.

Cabe aprimorar esse mecanismo, estabelecendo critérios mais claros e rigoroso para o dever de revelação. Basta mencionar casos recentes, como o de um árbitro que omitiu ter dividido salas, telefones, despesas e funcionários com o advogado de uma das partes, além de as bancas atuarem juntas em processos judiciais. Ou outro caso em que o árbitro não revelou que sua sócia era casada com um advogado do escritório que representava uma das partes. São falhas graves, especialmente quando lembramos que, à diferença do que ocorre no Judiciário, a arbitragem não possui órgãos recursais nem de correção da conduta dos julgadores, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De toda forma, essas melhorias precisam ser fruto não de uma “canetada”, mas de um amplo debate com especialistas e com as pessoas e instituições mais afetadas pela lei de arbitragem. O atual PL falha nesses quesitos, sem nunca se desconsiderar o papel relevante do Parlamento na proposição de leis.

Se quisermos fortalecer o sistema arbitral brasileiro, com ganhos de confiabilidade e celeridade que irradiam por todas as esferas sociais, o caminho é outro. É preciso se iniciar um debate amplo, liderado pelo setor empresarial, que coloque a arbitragem como o caminho preferencial para a resolução de conflitos empresariais no Brasil.

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