A lei complementar 196, de 24 de agosto de 2022, trouxe significativas alterações à lei que rege o cooperativismo de crédito (lei Complementar 130/09), merecendo especial destaque para as mudanças promovidas nas regras de governança corporativa.
A nova redação da lei prevê, como regra, a obrigatoriedade de instalação de Conselho de Administração, promovendo avanço em relação à legislação anterior. Além disso, o mesmo art. 5 da LC 196/22 que tornou obrigatório o Conselho de Administração nas cooperativas de crédito também estabeleceu a exigência de constituição de uma diretoria executiva, em um primeiro aceno à segregação de funções de orientação estratégica e de funções executivas entre distintos órgãos de governança, segregação essa que já era apontada como boa prática por parte do Banco Central:
Deve haver clara separação entre os papeis desempenhados pelos administradores com funções estratégicas (Conselho de Administração ou Diretoria) e por aqueles com funções executivas (Diretoria Executiva, Superintendência ou Gerência)1
Esse aceno encontra confirmação (e reforço) no § 3º do mesmo dispositivo, ao estabelecer algumas vedações para o acúmulo de cargos em órgãos estatutários:
§ 3º É vedado aos ocupantes dos cargos de presidente ou vice-presidente de conselho de administração ou de diretor executivo em cooperativas de crédito ou em confederações de serviço constituídas por cooperativas centrais de crédito o exercício simultâneo desses cargos com os de:
- presidente ou vice-presidente do conselho de administração ou de diretor executivo de cooperativa singular de crédito, cooperativa central de crédito ou confederação integrantes do mesmo sistema cooperativo; e
- presidente ou vice-presidente do conselho de administração ou de diretor executivo nos fundos de que trata o inciso IV do caput do art. 12 desta lei Complementar.
A proibição de acúmulo de cargos em órgãos distintos preserva a autonomia de cada um dos órgãos, além de deixar claro o papel de cada um deles: o Conselho de Administração como representante dos cooperados, e a Diretoria – subordinada ao Conselho, nos termos da lei – como órgão responsável pela condução dos negócios da cooperativa e pela execução das estratégias definidas a nível de conselho.
Outro ponto que deve ser ressaltado é a possibilidade de as cooperativas contarem com conselheiros independentes no Conselho de Administração, mediante regulamentação do Conselho Monetário Nacional e “desde que a maioria dos conselheiros seja composta de pessoas naturais associadas” (art. 5, § 1)2. Com isso, abre-se a possibilidade de as cooperativas de crédito buscarem profissionais no mercado para integrarem o Conselho de Administração, contribuindo para a diversidade do órgão.
A legislação, porém, não descuidou das peculiaridades do setor, trazendo a possibilidade de se facultar (mediante regulamentação do CMN) a constituição do Conselho de Administração e de se permitir a cumulação de cargos (desde que não configurado conflito de interesses), a partir de uma análise dos riscos, complexidade, classificação e do porte da cooperativa (art. 5, § 5). Evita-se, assim, que cooperativas de menor porte “agigantem” suas estruturas, o que acabaria implicando em maiores custos e dificuldades na sua administração.
Além das mudanças no Conselho de Administração e na Diretoria, o regramento sobre o Conselho Fiscal também foi alterado.
O novo art. 6 trazido pela LC 196/22 estabelece uma composição fixa para o Conselho Fiscal (três membros titulares e um suplente, todos associados), vedando que os conselheiros fiscais ocupem cargos na administração de cooperativas no mesmo sistema:
Art. 6 (...)
§ 1º É vedado aos ocupantes de cargo de conselheiro fiscal em cooperativas de créditos ou em confederações de serviço constituídas por cooperativas centrais de crédito o exercício simultâneo, no mesmo sistema cooperativo, desse cargo com outros em:
- conselho de administração de cooperativa singular de crédito; ou
- diretoria executiva de cooperativa singular de crédito, de cooperativa central de crédito ou de confederação constituída por cooperativas centrais de crédito.
Um ponto negativo, contudo, é a flexibilização da exigência de Conselho Fiscal em cooperativas e confederações de serviço administradas por Conselho de Administração e Diretoria, simultaneamente, uma vez que o Conselho Fiscal tem por atribuição tem por atribuição fiscalizar ambos os órgãos.
A faculdade, nesse ponto, acabará levando as funções do Conselho Fiscal para o Conselho de Administração, enfraquecendo as ferramentas de controle dos cooperados sobre os órgãos da administração.
Apesar das novidades, a lei manteve algumas lacunas que, se devidamente enfrentadas, poderiam fortalecer ainda mais o cooperativismo de crédito, mas representa inegável avanço em prol do desenvolvimento do setor.
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1 Governança Corporativa: diretrizes para boas práticas de governança em cooperativas de crédito, p. 31. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/content/estabilidadefinanceira/gov_coop/DiretrizesVersaoCompleta.pdf
2 Em outra oportunidade, já tratamos do conceito de “independência” do Conselheiro de Administração. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/351492/o-conselheiro-independente-no-novo--2-do-art-140-da-lei-das-sa