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Arbitragem e sociedades de economia mista - recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça

Uma das questões mais debatidas após o advento da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) é a possibilidade, ou não, de que os entes da Administração Pública, especialmente as sociedades de economia mista, venham submeter-se à arbitragem.

28/3/2007


Arbitragem e sociedades de economia mista - recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça

Ana Carolina Aguiar Beneti*

Guilherme Sanchez**

1. Uma das questões mais debatidas após o advento da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96 - clique aqui) é a possibilidade, ou não, de que os entes da Administração Pública, especialmente as sociedades de economia mista, venham submeter-se à arbitragem.

2. Como introdução ao tema, temos que levar em consideração que a opção de submissão à arbitragem envolve tanto a renúncia do direito constitucional do livre acesso ao Judiciário, conforme estabelecido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (clique aqui), como também a capacidade de transigir. Assim, a lei de arbitragem, em seu artigo 1º, prevê que apenas partes capazes de contratar podem contratar cláusula arbitral, e que só podem ser submetidos a juízo arbitral litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Trata-se, assim, de discussão sobre o que a doutrina convencionou chamar de arbitrabilidade1.

3. A arbitrabilidade apresenta-se em dois planos: subjetivo e objetivo. No plano subjetivo, indaga-se se aquele que celebrou convenção de arbitragem possui capacidade para tanto. Sob o aspecto objetivo, a questão é saber se o mérito do litígio pode ser dirimido por meio de um procedimento arbitral. Segundo dispõe o art. 1º da Lei de Arbitragem, “as pessoas capazes de contratar [arbitrabilidade subjetiva] poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis [arbitrabilidade objetiva]”.

4. A aplicação desse dispositivo no âmbito das empresas públicas não é pacífica. Doutrina e jurisprudência se posicionam tanto no sentido da legalidade2 quanto da ilegalidade3 de cláusula de arbitragem firmada por ente da Administração Pública.

5. O principal argumento contrário à celebração de contrato com cláusula compromissória por ente da Administração Pública assenta-se no princípio da legalidade estrita, previsto na Constituição Federal, em seu artigo 37, caput. De acordo com aquele dispositivo, a Administração Pública direta e indireta -- incluídas as sociedades de economia mista -- somente está facultada a agir por autorização ou determinação legal. Dessa forma, a Administração Pública somente teria a faculdade de inserir cláusulas4 arbitrais em seus contratos quando houvesse expressa autorização legal para tanto.

6. Duas decisões proferidas, no final do ano passado, pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), entretanto, parecem indicar que o posicionamento que tende a prevalecer é o da legalidade de tais cláusulas.

7. No essencial, os dois casos julgados pelo STJ são semelhantes. Trata-se de sociedades de economia mista que contestam a legalidade de cláusula de arbitragem inserida em contratos firmados entre elas e empresas privadas. Seus argumentos são, além da necessidade de autorização legal específica para a validade da cláusula de arbitragem, a impossibilidade de sujeição do interesse público à decisão de um juízo arbitral.

8. Em ambos os casos, o STJ rejeitou tais argumentos, definindo alguns pressupostos fundamentais para a análise da questão que, possivelmente, irão orientar as decisões de casos futuros em que se discuta a legalidade de convenção de arbitragem firmada por empresas públicas e sociedades de economia mista.

9. Segundo decidiu o STJ, a celebração de convenção de arbitragem por sociedades de economia mista não exige autorização legal específica, uma vez que tais empresas submetem-se a um regime jurídico de direito privado, que as coloca em pé de igualdade com as empresas privadas no que concerne direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias5.

10. Além disso, o STJ entendeu ser necessário que a matéria a ser dirimida em arbitragem verse sobre atividade econômica em sentido estrito. Isso porque os direitos e obrigações decorrentes desse tipo de atividade seriam suscetíveis de transação e, portanto, disponíveis.

11. Em sentido contrário, atividades que envolvam diretamente o poder de império da Administração Pública tocam diretamente interesses públicos de caráter primário, que são indisponíveis, e, por conta disso, não podem ser discutidos por meio de arbitragem. Os interesses meramente patrimoniais da Administração Pública, no entanto, são tidos como interesses públicos de caráter secundário e, por isso, passíveis de disposição e, consequentemente, de decisão em juízo arbitral6.

12. Não obstante a tendência do STJ no sentido de reconhecer a legalidade de cláusulas de arbitragem em contratos celebrados por empresas estatais, os pressupostos que orientaram suas recentes decisões confirmam a necessidade de se realizar uma análise caso a caso dos aspectos subjetivo e, principalmente, objetivo da arbitrabilidade. Além da necessidade de capacidade contratual para celebrar convenção de arbitragem (arbitrabilidade subjetiva) é necessário que as questões a serem dirimidas mediante arbitragem somente versem sobre direitos de caráter disponível.

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1FOUCHARD, GAILLARD, GOLDMAN, International Commercial Arbitration, Kluwer Law International, 2003, p. 313

2Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Apelação nº 247.646-0, 7ª Câmara Cível; Mandado de Segurança n° 1998.00.2.003066-9, Rel. Desa. Nancy Andrighi, Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, j. 18.5.1999, D.J. 18.8.1999

3Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Agravo de Instrumento n° 07839/2003 (Proc. n° 2003.002.07839), Rel. Des. Ademir Paulo Pimentel.

4Recurso Especial nº 612.439-RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha e Mandado de Segurança n° 11.308-DF, Rel. Min. Luiz Fux, D.J.U. 1 de 3.3.2006

5Conforme art. 173, § 1º, I, da Constituição Federal.

6RESP 490.726/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, d.j. 21.3.2005, p. 219 e RESP 28.110/MS, Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma, d.j. 14.12.1992, p. 23905

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*Advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados

**Assistente da Área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2006. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS











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