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O PL Antiarbitragem deve ser rejeitado

Se hoje o Brasil é um dos países mais avançados do mundo em termos de arbitragem, retrocederemos significativamente, o que será péssimo para áreas econômicas como M&A, construção e investimento estrangeiro, que precisam de foro rápido e especializado.

2/9/2022

Tramita na Câmara dos Deputados o PL 3293, conhecido como “PL Antiarbitragem”, que pode inviabilizar o regramento atual em vigor. Apesar da existência de alguns percalços, a arbitragem ainda é o melhor mecanismo para resolver litígios empresariais no Brasil por sua rapidez e da maior especialidade. Portanto, o modelo  precisa ser prestigiado, o que pode ser feito com ajustes e sem alterações legais. Considerando essa breve reflexão, podemos avaliar alguns aspectos sobre a PL.

Primeiro, pretende-se limitar a dez a quantidade de arbitragens as quais cada árbitro poderá atuar ao mesmo tempo. A justificativa seria que alguns árbitros são ocupados e não estão sendo tão eficientes como deveriam. Porém, o remédio proposto pelo PL não faz sentido para resolver a questão. 

Geralmente, cada parte envolvida  escolhe um árbitro. Elas têm o direito de não indicar árbitros ocupados. Se as partes exercem esse direito de forma a nomear árbitros atarefados, é porque, ainda assim prestigiam  os mais competentes. Com o tempo outros profissionais tendem a surgir e diminuir o problema atual.

Por sinal, a limitação no PL a no máximo dez arbitragens por árbitro mostram-se aleatória. Por que um advogado que também atua como árbitro pode cuidar de 10 mil processos judiciais e dez arbitragens, mas um outro árbitro em tempo integral, que não advogue em processos judiciais, não pode trabalhar em onze arbitragens? Logicamente o primeiro é menos disponível do que o segundo, mas só o seguindo impedido se o PL for aprovado.

A mudança legislativa provavelmente implicaria que árbitros notoriamente conhecidos  ficassem com 10 arbitragens grandes e as partes tenham que recorrer a profissionais menos renomados para casos menores. Para piorar, certas áreas possuem poucos especialistas e, se surgirem arbitragens de menor expressão, as partes estariam condenadas a nomear julgadores sem conhecimento específico.

Não se pode negar que um árbitro muito ocupado pode retardar o andamento da arbitragem.  Mas as instituições podem mitigar esse risco com algumas medidas importantes: 

Segundo, o PL proíbe que duas arbitragens distintas tenham o mesmo tribunal, ou seja, os mesmos árbitros. O suposto motivo seria evitar a formação de um “clubinho”. Normalmente, as partes nomeiam dois árbitros, que escolhem um terceiro. Alguns reclamam que o terceiro quase sempre é alguém da “panela”.

Considerando esses elementos, a proposta atual presente na PL não faz sentido. Caso ela seja aprovada, só uma arbitragem de direito civil poderia ter os três maiores civilistas brasileiros, só uma arbitragem com a administração pública poderia ter os três maiores administrativistas brasileiros etc.  Ou seja: ela dá preferência à diversidade, em prejuízo da qualidade.

Há melhores opções para ampliar a diversidade. Um bom  exemplo é a cláusula arbitral, na qual as regras da instituição arbitral ou até mesmo os árbitros por iniciativa própria poderiam fazer uma lista de dez nomes, alguns deles sugeridos pelas partes, para que os lados vetem alguns e ponham os demais em ordem de preferência. As instituições arbitrais poderiam ter recomendações para que essas listas sigam certos padrões de diversidade e contenham o mínimo de “figurinhas repetidas”. Trata-se de iniciativa simples e muito menos traumática do que vedar os mesmos árbitros em mais de um painel.

Terceiro, o PL estabelece como critério de revelação pelo árbitro a existência de “dúvida mínima” sobre fato que possa afetar sua independência e imparcialidade, em lugar do critério atualmente em vigor de dúvida justificada.  "Dúvida mínima" significa qualquer dúvida, por menor que seja. "Dúvida justificada" quer dizer dúvida razoável. Se a mudança legislativa se implementar, o árbitro deverá revelar qualquer fato, mesmo que esse fato não tenha relevância e não possa afetar a sua independência e imparcialidade. Ou seja, a parte poderá questionar o árbitro, mesmo se esse questionamento não seja razoável. Não faz o menor sentido. Está se construindo uma máquina de ações anulatórias. 

É possível que  alguns árbitros deixem de revelar fatos relevantes, que poderiam ensejar sua remoção. Mas o critério atual da Lei de Arbitragem já torna nula a sentença nessa hipótese de não revelação. O sistema pode ser aperfeiçoado com a adoção pelas instituições de formulários mais completos aos árbitros sobre sua independência e imparcialidade. O próprio patrono das partes deve ser diligente, fazendo perguntas adicionais aos árbitros sobre suas “dúvidas mínimas”, antes de sua confirmação.

Quarto e último, o PL retira o segredo de justiça das ações anulatórias e obriga a publicação na internet da sentença arbitral. Procedimentos arbitrais frequentemente referem-se a temas interessantes ou assuntos relevantes e, portanto, à primeira vista pode parecer positiva a publicação das sentenças arbitrais. Mas, de fato, não é. Existe a necessidade de um meio de resolução de conflitos que não seja público. Um exemplo disso são as arbitragens relativas a fusões e aquisições, nas quais se discute temas sensíveis, como existência ou não de potenciais passivos fiscais ou ambientais. 

Não nego que a confidencialidade traz certas consequências negativas. Em diversas áreas, como M&A, construção, regulação de energia elétrica, dentre outras, o direito está sendo construído pelos árbitros, pois quase todas as divergências se decidem por arbitragem. Porém, os operadores de direito não têm acesso aos julgados dos casos de terceiros, o que limita o amplo conhecimento do público em geral. Isso se solucionaria com publicação das sentenças de forma anonimizada e com supressão de boa parte dos fatos, focando nas questões de direito. Dessa forma, respeita-se tanto a intimidade das partes, quanto o legítimo interesse dos jurisdicionados.

Aliás, diversas instituições arbitrais têm preparado compêndios de sentenças anonimizadas, bem como publicado os nomes dos integrantes de seus tribunais arbitrais. De certa forma, a preocupação do PL já está sendo tratada.

Em conclusão, o PL Antiarbitragem prevê medidas que piorariam de forma substancial  o procedimento arbitral, ao limitar a liberdade das partes para escolher árbitros e ampliar as hipóteses de anulação, além de desconsiderar o legítimo interesse das partes à intimidade ao discutirem determinados assuntos. Se hoje o Brasil é um dos países mais avançados do mundo em termos de arbitragem, retrocederemos significativamente, o que será péssimo para áreas econômicas como M&A, construção e investimento estrangeiro, que precisam de foro rápido e especializado. Provavelmente, a saída para os usuários da arbitragem será o aeroporto, vale dizer, colocar sede no exterior. 

Joaquim Tavares de Paiva Muniz
Graduado em Direito pela UERJ. LL.M. pela Universidade de Chicago. Sócio do escritório Trench Rossi Watanabe

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