O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em fevereiro de 2021, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Recomendação 128/22), com o objetivo de que os magistrados julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade de gênero garantidas pela Constituição Federal. Nesse sentido, a jurisprudência trabalhista já repercute a recomendação do CNJ e, provavelmente, deve ser bastante impactada nos próximos anos, já que a discriminação das mulheres nos ambientes de trabalho ainda atinge números elevadíssimos.
Uma pesquisa divulgada em março de 2021, pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, com base em análise de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 2021, do IBGE, constatou que a taxa de participação feminina na força de trabalho era de 54,5%, enquanto a masculina era de 73,7%.
As mulheres, além de ocuparem menos vagas no mercado de trabalho, recebem 77,7% do rendimento dos homens e ocupam apenas 37,4% dos cargos gerenciais. E note que aqui não estamos analisando outras interseccionalidades como raça, condição social, entre outras que, certamente, evidenciariam dados ainda mais discrepantes.
A Constituição Federal, com o objetivo de coibir a discriminação de gênero, assegura a isonomia entre homens e mulheres; a vedação de diferença de salário e de condições de trabalho em razão do sexo; bem como a proteção da mulher no mercado de trabalho.
A própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reforça a igualdade salarial para todo trabalho de igual valor, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. Ainda, busca corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho, como a expressa proibição de se exigir atestado para comprovar gravidez, considerar o sexo para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional.
Mas a realidade nos mostra que toda proteção legislativa não foi suficiente. Isto porque, quando a mulher buscava o judiciário para garantir a proteção que lhe é devida, enfrentava decisões que aplicavam o princípio da isonomia sem levar em consideração a estrutura da nossa sociedade ou as desigualdades históricas entre homens e mulheres.
Como exemplo disso, cita-se acórdão publicado em outubro de 2011, no qual o julgador, face à insuficiência de provas (documentais e testemunhais), entendeu pela não comprovação do assédio, embora tenha reconhecido na decisão a dificuldade na obtenção de provas concretas em casos de assédio, descartando completamente os relatos da vítima. (TRT-9 39272011651905 – 7/10/11).
Com o objetivo de que os magistrados julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em fevereiro de 2021, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, justamente para trazer efetividade e aprimoramento da cultura da igualdade de gênero, com base nas garantias constitucionais e legais já existentes.
O Protocolo recomenda que os julgadores se perguntem: “mesmo não havendo tratamento diferenciado por parte da lei, há aqui alguma desigualdade estrutural que possa ter um papel relevante no problema concreto?”
Esta análise diferenciada permitiria, inclusive, a inversão do ônus da prova ou até mesmo a distribuição dinâmica do ônus da prova, já consagrado na CLT.
Recentemente, em decisão proferida seguindo o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o Juízo da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo reverteu a rescisão por justa causa aplicada a mulher que, em razão da gravidez, ausentou-se por mais de 30 dias seguidos ao trabalho (1000573-83.2022.5.02.0708 – 5/8/22).
A Juíza entendeu pela necessidade de tratamento especial à “trabalhadora, mulher e gestante, aspectos que, por si só, já a colocam mais exposta a discriminação no emprego ante a ideia socialmente compartilhada de que a maternidade afeta negativamente a produtividade da mulher”.
Desta forma, considerando que o próprio Judiciário está aplicando julgamento com perspectiva de gênero, embora a situação específica não tenha tratamento diferenciado por parte da lei, cabe às empresas revisitarem procedimentos internos, bem como treinar os seus empregados, com o objetivo de reconhecer as desigualdades históricas, sociais, culturais e políticas que as mulheres estão submetidas, evitando, consequentemente, o passivo trabalhista e se adequando ao tratamento esperado pela sociedade, garantindo o direito mais importante de todos: a dignidade da pessoa humana.