O consumidor e o boicote
Antonio Pessoa Cardoso*
John Hicks, prêmio Nobel de Economia, disse que “quem garante todos os empregos não é o empresário, sindicalista ou os governantes. São os consumidores”.
O consumo faz parte da vida de todo cidadão, desde o nascimento e isto ocorre em todo o planeta; a prática é inerente ao fornecedor, produtor ou ao prestador de serviços. Consumimos quando compramos a casa ou apartamento, quando adquirimos os móveis ou os eletrodomésticos; a compra do alimento, do medicamento, da roupa, da revista ou do carro são atos de consumo, como a contratação do serviço telefônico, bancário, de educação ou do plano de saúde.
O boicote a certos produtos é a arma poderosa e disponível para o consumidor ser respeitado junto aos empresários; a utilização deste importante recurso implica no atendimento ou penalização consistente esta nos danos materiais às finanças ou nos prejuízos morais à imagem da empresa. A internet ajuda na estratégia, pois facilita a convocação, as informações e a mobilização, alcançando ao mesmo tempo um número infinito de cidadãos aborrecidos com o tratamento dispensado pelo fornecedor ou prestador de serviços. Ainda falta aos consumidores consciência coletiva na reivindicação dos seus direitos, mas anotam-se movimentos bem organizados neste sentido.
O boicote originou-se em 1891, quando donas de casa americanas criaram uma “lista branca” para direcionar o consumo somente para empresas que respeitassem os direitos trabalhistas; Mohandas Karamchand Ghandhi, em 1930, liderou a “marcha do sal”, boicote que importou na extração do sal do mar, sem pagamento de altos impostos incidentes sobre o produto industrializado; organizou movimento contra o sistema econômico inglês, deixando de comprar produtos têxteis.
Na década de 50, os negros americanos do Sul só podiam viajar nos bancos traseiros dos ônibus. A expulsão de uma mulher negra, que se aventurou a ocupar um lugar na frente desencadeou movimento de boicote aos ônibus, liderado por Martin Luther King. Um ano depois, a campanha saiu vitoriosa com a edição de lei que proibiu a discriminação racial no sistema de transporte.
No Brasil, em 1979, as donas de casa promoveram boicote ao consumo da carne, face aos preços abusivos. O movimento foi vitorioso com a redução de 20% nos preços.
Em 2002, iniciou-se boicote aos discos com proteção anti-cópia, tecnologia usada para impedir a reprodução. A luta obteve êxito, porque a empresa que tomou a iniciativa desistiu do intento, que causaria restrição ao direito do consumidor.
A cobrança de altos juros, em 2003, serviu de motivo para que o vice-presidente da República, José de Alencar, propusesse boicote às instituições financeiras, consistente em não tomar empréstimos.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, IDEC, iniciou, em 2004, boicote contra as companhias telefônicas face aos reajustes exagerados de seus serviços, inclusive da assinatura básica de telefonia. A ação recebeu a denominação de “caladão” e consiste em deixar o telefone fora do gancho todo dia 8 de julho, entre 12.00 e 13.00 horas.
Os médicos deflagraram boicote aos planos de saúde, face ao congelamento de reajuste dos preços pelas empresas, mais de dez anos sem aumento, apesar de reajustes para os consumidores em 248%, nos últimos sete anos, diante de índice do custo de vida no mesmo período de 72,6%, segundo o DIEESE.
Sob iniciativa do PROCON e do Ministério Público fez-se boicote contra os preços iguais em todos os postos de combustíveis da cidade de Campinas <_st13a_personname productid="em São Paulo" w:st="on">em São Paulo; recentemente <_st13a_personname productid="em João Pessoa" w:st="on">em João Pessoa, Paraíba, sob iniciativa do PROCON e do Ministério Público, iniciou-se boicote aos preços elevados de gasolina e álcool. Aliás, tem havido sucessivos movimentos contra os postos de combustíveis.
Em Goiás, as donas de casa fizeram boicote para redução do preço do pãozinho, desde que se começou a vendê-lo por quilo e não por unidade.
O boicote é movimento pacifista, legítimo exercício de cidadania, capaz de frear a ganância intolerável de muitos empresários. O IDEC, o PROCON e o Ministério Público estão ativos nesta luta, mas o espaço está aberto para formadores de opinião, associações, sindicatos, pois o consumidor não pode continuar tendo como única opção o Judiciário, que atrasa para dirimir o conflito.
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* Desembargador do TJ/BA
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