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Acordo de acionistas e direito de preferência

Alguns acordos de acionistas e estatutos preveem uma combinação desses mecanismos, iniciando com o direito de primeira oferta, aplicando, em seguida, o direito de preferência. Isso pode ser feito desde que não ofenda os valores da companhia.

31/8/2022

Acordo de acionistas e direito de preferência

O acordo de acionistas é um documento que tem a liberdade de restringir a venda de ações nas companhias que não tenham capital listado na Bolsa, uma vez que as S/As de capital fechado têm a obrigatoriedade de garantir a livre circulação de ações.

Isso já não ocorre nas companhias LTDAs de capital fechado, conforme determina o art. 36 da lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que permite que sejam impostas algumas limitações à circulação das ações de emissão de sociedades anônimas de capital fechado, desde que essas limitações sejam rigorosamente regulamentadas no estatuto social e que sua negociação não seja impedida ou condicionada à aprovação de órgãos de administração da companhia ou pela maioria dos acionistas.

Esse permissivo se dá principalmente em função do caráter personalíssimo que esse tipo de companhia defende (intuitu personae) e que muitas vezes é predominante nas sociedades anônimas de capital fechado, onde é altamente relevante a identidade ou algum atributo dos acionistas.

Assim, é comum que os acionistas nesse tipo de companhia procurem de alguma forma reter o controle da empresa, justamente para evitar que suas ações sejam vendidas a alguém que não tenha os mesmos atributos do acionista que vendeu sua participação, em quem os demais acionistas não depositem a mesma confiança ou que por qualquer motivo não partilhe dos valores da companhia.

Dentre as possibilidades de mecanismos restritivos da livre circulação de ações, destacaremos duas, muito comuns nos acordos de acionistas e em alguns estatutos sociais: (i) o direito de preferência (right of first refusal) e (ii) o direito de primeira oferta (right of first offer).

Direito de preferência

Uma das mais comuns cláusulas que detêm o direito de livre venda da participação societária e um dos mais comum também é o direito de preferência. Assim, na hipótese de qualquer acionista tentar vender suas ações (alienante), esse mecanismo garante que os demais acionistas ou parte destes (ofertados) tenham preferência na aquisição de tais ações, ou seja, o acionista alienante deverá primeiro oferecer as suas ações para os demais acionistas da companhia antes de poder vender para terceiros sua participação societária (suas ações). Essa oferta precisa ser feita em igualdade de condições com o potencial comprador, que pode ser outro acionista ou um terceiro.

O direito de preferência geralmente tem início com o recebimento de uma proposta irrevogável e irretratável de um terceiro ao alienante para compra das ações. Por irrevogável temos que, uma vez feita o acionista não poderá voltar mais atrás e por irretratável, temos que não poderá ser feito nenhum aditivo em preço e condições.

Para que seja eficiente, é recomendável que a cláusula de direito de preferência preveja a obrigação de o alienante notificar os ofertados a respeito da proposta de aquisição das ações, contendo as condições apresentadas pelo terceiro, para que os ofertados possam avaliar o exercício ou não de sua preferência para adquirir as ações ofertadas nas mesmas condições propostas pelo terceiro.  Caso não tenham essas condições básicas a cláusula de direito de preferência pode ser inexequível ou anulável, que significa que na prática não terá efeito algum.

A cláusula do direito de preferência pode prever ainda que, caso haja mais de um acionista interessado em exercer o direito de preferência, a aquisição das ações deverá ser proporcional a suas participações no capital social da companhia ou que neste mesmo caso vença o que propor o maior valor pela aquisição. Esse tipo de ordem corporativa vai depender dos valores da companhia e de cada caso concreto.

Ainda em caso de deserção de interesse dos demais acionistas, após o cumprimento do prazo definido pelas partes para a resposta sobre o interesse em adquirir as ações, então o alienante poderá efetuar a venda ao terceiro proponente.

Direito de preferência X direito de primeira oferta

Diferente do que ocorre no direito de preferência, no direito de primeira oferta o acionista que deseja vender suas ações precisa apenas informar anteriormente os demais acionistas sobre sua intenção, não ficando vinculado a necessidade de vendê-las preferencialmente para os demais ofertados, ele apenas deverá informar sua intenção primeiro.

O início dos procedimentos não depende de uma oferta de um terceiro interessado, bastando a intenção de alienação por parte do alienante. Nessa hipótese, o alienante deve, antes de oferecer suas ações a qualquer terceiro, apresentar sua intenção aos demais acionistas (ou a parte dos acionistas, conforme o caso).

Na prática, acontece uma espécie de evento de abertura de ofertas onde, após o acionista vendedor anunciar sua intenção de venda os demais acionistas começam a poder oferecer suas propostas.

Caso mais de um ofertado envie proposta para aquisição das ações, o acionista alienante poderá optar, a seu exclusivo critério, por aquela que apresentar os melhores termos e as melhores condições.

Caso haja deserção e nenhum acionista deseje exercer o direito de primeira oferta no prazo definido pelas partes, então o acionista alienante poderá solicitar ofertas de terceiros. Se receber propostas de terceiros em condições mais favoráveis do que aquelas apresentadas pelos ofertados, o alienante poderá vender suas ações a esses terceiros.

Outras considerações

Ambos, direito de preferência quanto e direito de primeira oferta permitem que seus beneficiários tenham certo controle sobre o processo de ingresso de novos acionistas na companhia. A maior diferença entre essas duas modalidades de limitação da circulação de ações é a necessidade ou não de uma proposta de terceiros para início dos procedimentos. Isso impacta muito na política de gestão de compra e venda de ações e a depender do tipo de relacionamento que um acionista tenha com o outro é muito mais interessante inserir o direito de primeira oferta do que o direito de preferência para fins de garantia de transparência no processo de alienação.

Isto é, no caso do direito de preferência, tendo em vista que a oferta inicial é enviada por um terceiro, é possível que o ofertado tenha uma maior noção de quanto vale a participação acionária para o mercado. Desse modo, essa modalidade pode tornar-se vantajosa para acionistas minoritários ou para acionistas que não têm uma visão clara do valor da empresa. Por outo lado, o direito de preferência pode dificultar a obtenção de uma boa oferta por parte do ofertante, já que o potencial comprador sabe que sua oferta, ainda que aceita, estará sujeita ao direito de preferência dos demais acionistas. Além disso, informar o desejo de venda das suas ações desde o início do processo antes mesmo da oferta a terceiros pode ser um processo de maior transparência para todos na companhia.

Nas hipóteses em que o ofertado já tem visão mais clara do valor de mercado da companhia, ou se tem mais segurança em contratar uma empresa de valuation de sua confiança, ele, provavelmente, estará mais bem preparado para avaliar seu investimento e enviar uma boa proposta ao alienante, de modo que, nessa situação, a aplicação do direito de primeira oferta pode ser mais vantajosa em relação ao direito de preferência.

Nesse caso, o ofertante terá maior liquidez em seu processo de venda a terceiros, já que o potencial interessado que venha a apresentar uma proposta, sabe que, uma vez aceita, não haverá mais incerteza quanto à possível aquisição por outro acionista.

Alguns acordos de acionistas e estatutos preveem uma combinação desses mecanismos, iniciando com o direito de primeira oferta, aplicando, em seguida, o direito de preferência. Isso pode ser feito desde que não ofenda os valores da companhia. Nessa hipótese, os acionistas que recebem a oferta do acionista vendedor têm, de fato, a possibilidade de cobrir uma eventual proposta de terceiro que seja mais favorável que a sua apresentada inicialmente. Essa estrutura costuma ser bem-vista por empresas familiares, nas quais a manutenção das ações na família é vista como essencial pelos acionistas.

Além disso, é bastante comum que, caso os acionistas minoritários não sejam detentores do direito de primeira oferta, lhes seja garantido o tag along (direito de venda conjunta), que será abordado no nosso próximo artigo desta série.

Sheila Shimada Migliozi Pereira
Sócia da HSVL Advogados, especialista em direito empresarial e societário, LLM pela IBMEC e extensão pela Loyola University of Chicago, Pós Graduação pela FGV e PUC -SP, professora na GETUSP e Sebrae.

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