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Da responsabilidade penal do sócio administrador por omissão imprópria nas empresas

Volvendo o olhar para a criminalidade empresarial, tem-se que o dirigente da empresa responderá por fato delitivo de seus subordinados ou resultado lesivo decorrente do funcionamento da empresa se a sua omissão apresentar equivalência concreta com a ação típica, segundo a linguagem comum, se ele estava investido da condição de garantidor e se possuía autonomia para intervir e impedir ou interromper o curso causal.

30/8/2022

Direito empresarial, antes chamado de Direito comercial, é o ramo do Direito que disciplina as relações comerciais e dita os direitos e obrigações das empresas e dos empresários1.

Professor Carvalhosa2 leciona que o código civil, “não conceitua a empresa, senão por meio da definição do empresário”. Pelo art. 966 do Código Civil, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

A atribuição do dirigente do fato cometido por meio da empresa, como obra sua, impõe ao juiz que examine se o seu comportamento omissivo “deu causa” ao resultado típico, segundo o sentido do texto, e se recaía sobre ele o dever especial de proteção do bem jurídico ou de vigilância sobre a fonte de perigo. Essas são, sem dúvida, as questões fundamentais. A imputação do tipo de injusto sistêmico aqui tratado requer do aplicador da norma mais do que um juízo descritivo-atributivo, devem ser demonstrados os pressupostos da responsabilidade penal por omissão, a saber:

(i) que a omissão do dirigente equivalha in concreto à ação típica, segundo o significado conferido pela linguagem comum empregada no texto do tipo legal; (ii) que tenha recaído sobre o dirigente o dever especial de evitação (posição de garantidor), o qual é determinado pelo domínio sobre o fundamento do resultado ou ingerência; (iii) que o dirigente possuía autonomia (rectius, liberdade) para intervir, diretamente ou por intermédio de outrem (possibilidade de atuação); (iv) que fique demonstrado que o risco ingressou (dolo) ou poderia ter ingressado (culpa) na esfera de conhecimento do sujeito que exerce a gestão da empresa.

Assim, o dirigente da empresa será responsabilizado por delito doloso se, presentes os demais pressupostos da omissão típica, o risco ingressou em sua esfera de conhecimento. Faz-se ablação do elemento volitivo se o nível de conhecimento for elevado. Ou seja, é de somenos importância que o garantidor não tenha desejado o resultado típico, pois inexiste diferença entre culpa consciente e dolo eventual.

O desvalor da omissão e do resultado é o mesmo se o sujeito deixou de intervir para evitar o fato, descumprindo um dever especial de evitação, se esquivou-se porque confiou na sorte ou na capacidade da empresa de mitigar os prejuízos, ou porque lhe era indiferente o resultado. No curso dos acontecimentos, o sentimento do sujeito oscila entre diferentes estados anímicos em relação ao bem jurídico tutelado, sem que isso interfira no título de imputação.

Assim, ficou explicitado que omissão deve ser interpretada no sentido comum e que, por isso mesmo, o termo diz muito mais do que um “não fazer”. Ou seja, não se trata de uma mera abstenção, um non facere ou uma inação. “Omissão” suscita uma carga semântica muito mais complexa na linguagem comum. É um non facere qualificado.

Do mesmo modo, o termo dever possuir sentido pleno, segundo a linguagem comum, e explicita que os pais têm que proteger os filhos, o transeunte solícito não pode deixar o cego no meio da via pública durante a travessia, o agricultor vê-se na contingência de tampar o poço para que as crianças da vizinhança não caiam.

Do mesmo modo, o alto funcionário da empresa mineradora responsável pelo reservatório deve implementar técnica eficaz de estabilização dos rejeitos e, ao menor sinal de perigo de colapso, adotar medidas efetivas de evacuação das áreas de risco. Essas hipóteses são convergentes com o sentido de “dever pessoal e especial” extraído da gramática, sendo desnecessário remeter às figuras do contrato, lei ou ingerência.

Ou seja, o significado de dever pessoal e especial diz respeito, no âmbito da responsabilidade penal dos dirigentes empresariais, à esfera de competência de cada gestor.

O modelo de distribuição das competências e poderes decisórios favorece, também do ponto de vista probatório, a identificação de quem, entre os membros do corpo diretivo da empresa, ocupa a posição de garantidor, isto é, aquele sobre o qual recaía o dever especial de proteção do bem jurídico ou vigilância da fonte de perigo.

Uma breve consulta da doutrina evidencia que não há ainda consenso acerca da matéria. A Professora Heloisa Estellita, por exemplo, concorda com a delimitação de responsabilidade penal segundo as competências individuais, embora por fundamento diverso3. É correto o seu entendimento de que, mesmo que tenham ciência da iminente prática de um crime favorecido pela estrutura empresarial ou a sua continuidade, dirigentes incumbidos da gestão de setores alheios àquele em relação ao qual o curso causal tem lugar não incorrem em comportamento omissivo.

Conclui que a responsabilidade penal por omissão fundamenta-se na solidariedade das pessoas. A punição da omissão encontra legitimação, segundo a ótica contratualista, na decisão comum de mútua preservação, coadjuvando a missão que o contrato social atribuiu ao Estado. A decisão dos cidadãos pela proteção de bens, pessoas e valores respalda a imposição de deveres de impedimento de cursos causais lesivos. A doutrina tributa a base jurídica da punição da omissão ao dever de solidariedade derivado do contrato social. O direito moderno elegeu as teorias da ingerência e do domínio sobre a causa do resultado como critério dogmático da imputação da omissão. Dir-se-á que o sujeito ostenta a posição de garantidor se possui o domínio sobre o fundamento do resultado.

O sujeito é punido na medida em que tinha conhecimento sobre os efeitos de sua omissão. O elemento cognitivo encontra, nos extremos, a prognose de probabilidade e a certeza. Enfim, o omitente não deseja o resultado, mas pode esboçar conhecimento, menor ou maior, sobre o risco que paira sobre o bem jurídico.

Assim, volvendo o olhar para a criminalidade empresarial, tem-se que o dirigente da empresa responderá por fato delitivo de seus subordinados ou resultado lesivo decorrente do funcionamento da empresa se a sua omissão apresentar equivalência concreta com a ação típica, segundo a linguagem comum, se ele estava investido da condição de garantidor e se possuía autonomia para intervir e impedir ou interromper o curso causal. É necessário ainda que a sua omissão tenha criado um risco desaprovado e esse risco tenha se realizado no resultado típico.

Por fim, conclui-se que os arranjos organizativos da empresa interferem na imputação de crimes praticados por meio da empresa. Sendo assim, por exemplo, (i) o dirigente não pode ser responsabilizado por omissão por fatos alheios à sua esfera de competência, (ii) a delegação provoca a reconfiguração da posição de garantia, e (iii) o membro do órgão colegiado competente que se opõe à fonte de risco ou desproteção do bem jurídico deixa de dominar a causa do resultado.

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1 CANTA, Elisa Garcia. Direito empresarial e a empresa. Migalhas, 2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/275268/direito-empresarial-e-a-empresa.

2 CARVALHOSA, Tratado de Direito Empresarial, VI, RT. p. 52-73.

3 ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão imprópria. Marcial Pons. 2017. p. 302.

Fadi Georges Assy
Advogado. Especialista em Direito Penal Econômico e Processo Penal.

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