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Construção civil: Dispensa de vários empregados ao término da obra é considerada dispensa coletiva?

Não se caracteriza a dispensa em massa que determinada a negociação coletiva, mas tão somente a dispensa plúrima que prescinde a discussão com o ente sindical.

30/8/2022

Há mais de uma década, a dispensa coletiva é tema de discussões jurídicas. Antes da lei 13.467/17, não havia qualquer previsão legal para a necessidade de negociação coletiva, ao tratar de dispensa em massa dos empregados. Tal preceito foi fixado após publicação do Acórdão do leading case da Embraer em 2009, servindo de parâmetro para casos futuros. A reforma trabalhista, por sua vez, acrescentou, em 2017, o art. 477-A à CLT, que dispensava a necessidade de tratativas sindicais em casos de dispensa coletiva. 

O processo paradigma não declarou a abusividade da dispensa, tampouco determinou a reintegração dos empregados dispensados. Temos que o caso modelo discutia a dispensa de cerca de 4400 mil empregados, num universo de 22.000 (vinte e dois mil) para a reestruturação empresarial. Nota-se que a Embraer não encerrou suas atividades, mas apenas as reorganizava enquanto empreendimento que precisava se ajustar ao momento.

Em que pese as intensas discussões no julgamento que assentou o leading case, a intenção daquela Corte Superior foi amenizar os impactos de uma dispensa de grande quantidade de empregados de uma única vez sem um trabalho social para diminuir eventuais impactos dos atos.

As decisões, ao logo dos anos, apontavam a necessidade de negociação coletiva, sem, contudo, declarar a nulidade das dispensas realizadas.

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA SUSCITADA. ENCERRAMENTO DA EMPRESA. DEMISSÃO EM MASSA CARACTERIZADA. NECESSIDADE DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. 1. É incontroverso nos autos que a demissão de todo o universo de empregados da Empresa, no total de 295 empregados, segundo apontado pelo Sindicato profissional, ocorreu em decorrência do encerramento das atividades da Suscitada. Revela-se de tal contexto a ilação de que a causa das dispensas é comum a todos os trabalhadores que se encontravam em atividade naquele momento e teve por escopo atender circunstância própria do empregador. A hipótese amolda-se perfeitamente à noção de demissão coletiva. 2. Segundo a jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos, a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores. À míngua de tal procedimento, são devidas, por consequência, indenização compensatória e manutenção do plano de assistência médica, conforme decidido pela Corte de Origem. Precedente. Excluído do comando condenatório, em outro capítulo, o pagamento de dano moral coletivo, por incabível à espécie. Recurso a que se nega provimento. (Processo TST RO 9155-89.2014.5.15.0000, Ministra Relatora MARIA DE ASSIS CALSING, SDC, DJ 26/2/16).

DEMISSÕES EM MASSA - MITIGAÇÃO AO PODER POTESTATIVO DA EMPRESA – NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA - PRESERVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES E DA COLETIVIDADE. Enquanto no Direito Individual do Trabalho o empregador, em regra, é livre para denunciar o contrato laboral a qualquer momento, no Direito Coletivo Laboral a dispensa maciça de trabalhadores reclama procedimentalização a fim de minorar os impactos sociais e econômicos decorrentes da ruptura brusca de diversos contratos de trabalho. Assim, a despedida coletiva não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva. Portanto, deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômicos e, ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos. (Processo 0000040-60.2016.5.05.0000, Origem PJE, Relator Desembargador NORBERTO FRERICHS, SEDC, DJ 25/4/17)

DISPENSA COLETIVA. NECESSÁRIA E PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. "LEADING CASE" EMBRAER. TST. O Superior Tribunal do Trabalhou fixou, no "leading case" EMBRAER, a premissa, para casos futuros, de que "a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores". Não há dúvida que a despedida coletiva não é proibida, mas, conforme é hoje firme a jurisprudência, não há discricionariedade total do empregador, devendo ser tratada com parâmetros diversos dos relativos às dispensas individuais, especialmente pela necessária justificativa social, ao não atingir apenas o empregado como pessoa física concreta, mas grupo de trabalhadores identificáveis por traços não-pessoais, condicionada a um rito prévio e necessário de negociação coletiva com o objetiva de reduzir os seus efeitos colaterais. (Processo 0001575-86.2014.5.05.0002, Origem PJE, Relatora Desembargadora MARGARETH RODRIGUES COSTA, 2ª. TURMA, DJ 21/11/16).

DESPEDIDA EM MASSA. ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. ENCERRAMENTO DE UNIDADE PRODUTIVA DA EMPRESA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA QUINTA REGIÃO. SEMELHANÇA DE CASOS. DISSÍDIO COLETIVO. A despedida em massa de trabalhadores, em face da sua gravidade e da repercussão no meio social em que se inserem os trabalhadores e a empresa, exige que se adotem certas cautelas, de modo a conciliar o direito potestativo e de propriedade do empregador com o seu dever de promover a justiça e o bem-estar social. Nas sociedades modernas e democráticas, a propriedade somente tem a sua razão de ser caso atenda aos interesses sociais. Decerto, a negociação, desenganadamente o mais justo, de coletiva prévia se apresenta como um dos meios tentar mitigar os efeitos prejudiciais da despedida em massa de trabalhadores, sem o qual este ato ganha feição de puro arbítrio, violador, inclusive, da boa-fé objetiva que deve nortear as partes contratantes, seja na execução como na conclusão dos contratos, já que os empregados são tomados pela surpresa do desligamento conjunto e global. Na hipótese, a empresa encerrou as suas atividades no Estado da Bahia, fechando a unidade produtiva ali instalada, de imediato promovendo a despedida dos seus empregados, típico ato de desligamento em massa, recusando-se a negociar previamente com estes e o sindicato da categoria profissional correspondente formas e meios de minimizar os efeitos, nitidamente graves e prejudiciais à comunidade, da prática abrupta. Despedidas tidas, em dissídio coletivo, por abusivas, porém válidas porque já efetivadas com o fechamento do estabelecimento, mas declaradas ineficazes temporariamente, com a projeção dos efeitos para data posterior. Semelhança com o "caso EMBRAER", objeto também de dissídio coletivo, resolvido em grau de recurso pelo Tribunal Superior do Trabalho, em cuja oportunidade fixou-se, para as situações futuras, o precedente, ou a premissa, de que a negociação coletiva é imprescindível para as despedidas em massa de trabalhadores. Nesse sentido, do mesmo modo, julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região proferido no processo 0000006-61.2011.5.05.0000, mais tarde mantido pelo Tribunal Superior do Trabalho. (Processo 0001016-72.2013.5.05.0000, Origem PJe, Relator Desembargador ALCINO FELIZOLA, SEDC, DJ 13/2/14)

A primeira ementa, referente ao Processo 0009155-89.2014.5.15.0000, mesmo tratando de situação em que não houve negociação sindical antes do encerramento das atividades empresariais e consequente finalização de todos os contratos de trabalho, não trouxe determinação de reintegração dos trabalhadores, mas indenização compensatória e manutenção do plano de assistência médica.

Em relação ao segundo julgado, de número 0000040-60.2016.5.05.0000, fundamento que deve ser ressaltado é de que não a despedida coletiva “não é proibida” e que, naquele caso concreto, não houve qualquer atuação da Empresa no sentido de minimizar os impactos da dispensa.

O terceiro julgado colacionado (0001575-86.2014.5.05.0002) sustentou que “A forma da dispensa coletiva foi condenável, uma vez que não buscou meios de suavizar seus efeitos negativos[...]”. Por outro lado, não houve determinação de reintegração, mas pagamento de indenização em pecúnia, o que também foi feito pela ré.     

Por fim, a quarta jurisprudência colacionada foi no sentido de que “as Despedidas tidas, em dissídio coletivo, por abusivas, porém válidas porque já efetivadas com o fechamento do estabelecimento, mas declaradas ineficazes temporariamente”, por ter rompido abruptamente os contratos de trabalho.

Por fim, o leading case chegou ao STF e, em junho de 2022 foi fixada tese no sentido de que “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.

Temos, por regra, a necessidade de negociação antes da efetivação das dispensas, ressaltando que o resultado infrutífero não é impedimento para realização das rescisões contratuais.

Por outro lado, a principal discussão do presente ensaio se dá em relação a construção civil, especialmente porque as obras possuem inúmeras etapas pré-determinadas a exemplo de (i) Terraplanagem; (ii) Montagem do canteiro; (iii) Fundações; (iv) Superestrutura; (v) paredes e vedações e demais fases sequentes.

Cada passo, normalmente, é tomado por uma equipe especializada diferente, o que enseja a contratação de pessoal e respectiva dispensa após a conclusão de cada ato. Considerando a magnitude do empreendimento, as empresas prestadoras de serviços, precisam mobilizar pessoal e, na sequência, seguir com a dispensa. Daí se questiona: esse tipo de dispensa é coletiva e se faz necessário a negociação sindical antes do encerramento dos contratos de trabalho?

Maurício Godinho Delgado1 traz duas possibilidades de dispensa, ao conceituá-las como Individuais e Coletivas, que são classificadas conforme sua amplitude ou abrangência no contexto da empresa. Logo, “a despedida coletiva atinge um grupo significativo de trabalhadores vinculados ao respectivo estabelecimento ou empresa, configurando uma prática maciça (ou massiva) de rupturas contratuais (lay-off).”

Na situação em análise, o debate jurídico carece de respaldo doutrinário e jurisprudencial. Assim trata Godinho Delgado2:

“Apesar de tudo isso, as dispensas coletivas não têm contado, na tradição infraconstitucional brasileira, com dispositivos legais regulamentadores.”

No mesmo sentido o entendimento consolidado na SDC do TST, no julgamento do processo 0000147-67.2012.5.15.0000 :

Situada a questão, o primeiro aspecto que desponta é a efetiva falta de regulamentação da matéria no âmbito da legislação brasileira. Não há norma, portanto, que defina o conceito de uma demissão coletiva e os critérios que balizem esse fenômeno, sob o aspecto causal, temporal e quantitativo das dispensas.

Em que pese a falta de legislação direta sobre o assunto, bem como jurisprudências, a avaliação se dá, então, quanto a realidade fática do empreendimento e sua intenção em relação às dispensas realizadas.

Dois são os pontos nevrálgicos que caracterizam a dispensa em massa: (i) a peculiaridade da causa; (ii) a redução definitiva do quadro do pessoal.

A dispensa coletiva, tem, então, a redução definitiva do quadro de empregados, sem objetivar a sua substituição, conforme ocorreu no leading case Embraer. Situações diversas caracterizam somente a dispensa plúrima, que não traz a necessidade de negociação sindical.

A Ministra Maria de Assis Calsing, ao fundamentar o acórdão do processo 0000147-67.2012.5.15.0000, reafirmou a decisão proferida pelo TRT15, no sentido de que a aplicação do entendimento trazido no leading case Embraer se dá quando há dispensas que transcendem a normalidade vivida pelo empreendimento:

Todavia, essa prévia negociação somente pode ser exigida na hipótese de efetivamente estar configurada uma demissão em massa de trabalhadores que, a priori, pode ser verificada quando o número de empregados despedidos de uma só vez extrapola aquilo que pode ser considerado como uma rotatividade normal de mão de obra dentro de uma empresa que se encontra inserida na realidade de economia de mercado.

Dessa forma, temos que os contratos de prestação de serviços, ordinariamente, possuem escopo pré-definido para cada etapa da obra, estipulando, além dos requisitos básicos, os prazos, as áreas, forma de pagamentos dentre outros itens característicos.

Considerando o tamanho da obra, é normal a Empresa Prestadora de Serviço – EPS mobilizar contingente extra para cumprimento daquele contrato que, ao término (nesse ponto nos referimos à cada etapa da obra ou conclusão do contrato) demanda a respectiva desmobilização, sem que isso se caracterize dispensa coletiva, especialmente porque, os trabalhadores ao serem contratados têm conhecimento do que precisará ser feito, bem como sabem que há um prazo para conclusão dos serviços e, ainda que seus contratos sejam por prazo indeterminado, já há uma expectativa de quanto tempo durará a obra.

Assim, se trata de uma rotatividade normal de pessoas daquele empreendimento e a sua dispensa não é caracterizada como dispensa em massa, posto que não há uma redução definitiva do quadro, especialmente por conta da natureza dos serviços, permitindo a EPS alcançar novos contratos com nova demanda de contratação de pessoal, havendo, naturalmente o turnover por conta da natureza da operação. 

Tal afirmação poderá ser assegurada com a análise da rotatividade de empregados da Empresa através de suas RAIS – Relação Anual de Informações Sociais, que demonstra a quantidade de empregados demitidos e contratados em determinado ano e permite a análise quanto a rotatividade ordinária de pessoal daquela Empresa.

Nesse caminhar, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, entende que não há caracterização da dispensa em massa (ou dispensa coletiva) que determine a necessidade de negociação sindical:

Portanto, verifica-se pelo exame dos dados estatísticos acima indicados que o quadro de empregados da suscitada vem sofrendo tanto redução, quanto recuperação, ao longo do período de 2008 a 2011. Referidos números demonstram que essa flutuação entre demissões e admissões nos últimos anos, em percentuais que se situam dentro dos padrões normais, além de não caracterizar uma redução definitiva do quadro de empregados da suscitada, refletem uma variação própria de uma economia regida pelas leis de mercado e da livre concorrência, sem configurar a ocorrência de uma demissão em massa ou coletiva, como argumentou o Sindicato suscitante em sua peça de ingresso.

[...]

Corrobora tal ilação a argumentação apresentada pela Empresa, segundo a qual as demissões dos 180 empregados, num interregno de 3 a 4 meses, “estão dentro dos parâmetros da mais absoluta normalidade de fluxo de mão de obra da empresa”. Destaca-se dos autos, ainda, que elas se sucederam em período de incremento de produção e recuperação de postos de trabalho, num quadro de flutuação normal de mão de obra. Não se verifica, aqui, portanto, fato único, seja ele de ordem econômica, tecnológica ou estrutural que pudesse moldar o caso à hipótese de demissão em massa. Trata-se, na espécie, de dispensa plúrima.

[...]

A dispensa de 138 empregados num mês, 80 deles em apenas um dia, reflete apenas o fluxo normal de mão de obra da empresa, que goza de plena saúde financeira, como reconhecido pela própria Recorrida e avaliado pelo Órgão de origem.

Pelo exposto, considerando (i) a natureza dos serviços da construção civil; (ii) as peculiaridades dos contratos celebrados, bem como (iii) a característica de rotatividade inerente à mão-de-obra prestada, não se caracteriza a dispensa em massa que determinada a negociação coletiva, mas tão somente a dispensa plúrima que prescinde a discussão com o ente sindical.

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1 Delgado, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho — 18. ed.— São Paulo: LTr, 2019. Pág. 1382

2 DELGADO. Op. Cit. Pág. 1383: “Apesar de tudo isso, as dispensas coletivas não têm  contado, na tradição infraconstitucional brasileira, com dispositivos legais regulamentadores[...]”

Tairo Ribeiro Moura
Sócio do MoselloLima Advocacia. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC Minas. Prof. de Processo do Trabalho na FASB em Teixeira de Freitas/BA

Marcelo Sena Santos
Sócio Fundador da MoselloLima Advocacia.

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