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Intimação pessoal desnecessária nas hipóteses de multa diária

As experiências do antigo CPC e a necessidade de intimação pessoal não coadunam com os novos tempos de modernidade, onde a decisão judicial deve ser cumprida de maneira célere, sob pena de danos irreparáveis e ineficácia processual.

26/8/2022

Na vigência do CPC de 73, após amplo debate doutrinário e jurisprudencial, por intermédio da Súmula 410 do Egrégio STJ, consolidou-se o raciocínio de que “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.

Em razão desse entendimento, processos com cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, com a fixação de multa diária, levaram anos até sua conclusão, resultando, assim, na maioria das vezes, em sua ineficácia processual.

Em decorrência da necessidade de expedição de carta precatória ou de dificuldade para localização do executado, o processo não era nutrido com um dos seus principais princípios, ou seja, celeridade.

No afã de trazer maior celeridade ao rito processual, o Novo Código de Processo Civil adotou medidas mais claras e céleres, dando, assim, maior agilidade aos passos da execução processual.

Entre eles, convém destacar: a) o inciso I do parágrafo 2 do art. 513 do CPC que assevera que o devedor será intimado para cumprir a sentença pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos; b) o poder coercitivo do magistrado que, de acordo com o inciso IV do art. 139 do NCPC, adotará as medidas necessárias para o cumprimento da obrigação de fazer; e c) os artigos 536 e 537 do NCPC previram a pena de multa para descumprimento da obrigação, bem como descreveram a forma de sua aplicação.

A partir de então, pensou-se que a questão concernente a não necessidade de intimação pessoal do devedor para cumprimento da obrigação de fazer estaria pacificada.

A lógica e leitura dos dispositivos levaram vários doutrinadores a concluírem que se a intimação para cumprimento da execução de sentença poderia ser feita na pessoa do advogado, o mesmo raciocínio poderia ser utilizado para a hipótese da multa diária, isto é, “quem pode mais, pode menos”.

Entretanto, nadando contra diversos princípios constitucionais, como o da celeridade, da economia processual (art. 5, LXXXVIII, CRFB), bem como o direito da parte obter em prazo razoável a atividade satisfativa do mérito de sua demanda (art. 4, NCPC), por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em Resp 1.360.557, Rel. Ministro Humberto Martins, Rel. P/Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.12.2018, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de ser necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer e não fazer, reforçando, assim, a validade da Súmula 410 do E. STJ, mesmo após o advento do NCPC.

Não obstante o respeito pela Egrégia Corte, o entendimento nos fornece a exata noção de que o mundo nem sempre é justo e razoável, na medida em que rema contra os anseios do NCPC, da sociedade e do mundo moderno que, diga-se de passagem, clama por celeridade processual para o cumprimento das decisões.

Imagine-se que para a fixação de multa diária para questões concernentes ao direito digital, onde enormes danos são ocasionados em fração de minutos, tenha-se que intimar o devedor para cumprimento de obrigação de fazer e não fazer por intermédio de carta precatória? Onde ficaria a eficácia ou celeridade?

Sem sombra de dúvidas, dependendo da localidade onde transcorre o processo, o poder coercitivo do magistrado será resultado a nada, gerando desequilíbrio na balança social, pois aqueles que não vivem nos grandes centros de um país continental, certamente terão grandes dificuldades em fazer cumprir a determinação judicial, seja pela distância ou seja pelo tempo.

Com certeza, não foi esse o objetivo do legislador com a criação do NCPC, cujo escopo foi o de conferir celeridade aos atos processuais.

O parágrafo 4 do art. 537 do NCPC é taxativo ao dizer que a multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

Ao que parece, o legislador que previu a intimação pessoal do advogado para cumprimento da sentença, nem de longe pensou que fosse necessária a expedição de carta precatória (que, em algumas hipóteses, leva meses, para cumprimento) para o início da contagem do prazo para o cumprimento de multa de obrigação de fazer e não fazer, eis que iria contra a falta de unificação dos procedimentos de cumprimento de sentença de obrigação de pagar e obrigação de fazer ou não fazer e a obtenção da solução jurisdicional em prazo razoável (art. 4 do NCPC).

Atualmente, em virtude do processo eletrônico, as partes são cadastradas, tendo seus procuradores poderes para praticar todos os atos do processo, não sendo razoável que o advogado que possui poderes para defender os interesses de seu cliente, como executar ou evitar os danos da execução, não possa ser intimado para cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, sendo necessária a intimação pessoal.

Nessa linha de raciocínio, convém transcrever a lição de DANIEL ASSUMPÇÃO, em Manual de Processo Civil, ed. Neves, 2017, p. 1.202:

“O Superior Tribunal de Justiça vinha tratando de modo diferente a forma de intimação no cumprimento de sentença a depender da espécie de obrigação exequenda. Sendo de pagar quantia certa, a intimação se dava em regra na pessoa do advogado, mas no caso de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa, a intimação deveria ser necessariamente pessoal.

Esse tratamento diferenciado parece não se sustentar mais diante do art. 513, parágrafo 2, do Novo CPC, que ao prever as diferentes formas de intimação do devedor não discrimina a espécie de obrigação exequenda, permitindo a conclusão de que em qualquer delas deve ser aplicado o dispositivo legal comentado”.                             

A mesma linha de entendimento também é compartilhada por FREDIE DIDIER em seu curso de Direito Processual Civil, ed. 2017, página 465:

“O CPC-2015 resolveu as polêmicas que surgiram ao tempo do CPC-1973 em torno do modo como essa intimação vai realizar-se. Além disso, o CPC-2015 esclareceu que essa intimação deverá ocorrer no cumprimento da sentença para efetivar qualquer prestação (fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia). O parágrafo 2 do art. 513 do CPC regula o assunto: o devedor será intimado para cumprir a sentença. No inciso 1 do parágrafo 2º do art. 513, estabelece-se a regra geral de intimação do devedor: pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos. Assim, até mesmo na execução de multa (art. 537, CPC), o devedor terá de ser intimado e poderá sê-lo na pessoa de seu advogado, sem necessidade de intimação pessoal. Com isso, fica superado, nessa parte, o enunciado 410 do STJ, que, embora impusesse a intimação do devedor, o que está de acordo com o CPC-2015, determinava que ela fosse necessariamente pessoal, o que contraria o novo Código”.

Tenha-se em mente a hipótese do magistrado deferir o pedido de tutela de urgência, com fixação de multa diária, no decorrer do processo de conhecimento, já tendo o réu apresentado a contestação. Seria necessário nova intimação pessoal?  

Ao que parece, não, na medida em que o magistrado atua calcado na cláusula geral de execução prevista no art. 297 do NCPC.

O parágrafo único do referido dispositivo legal é taxativo no sentido de que a efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

Seguindo a estrutura lógico normativa do NCPC é fácil de se compreender que o objetivo de tornar o processo civil ágil, fechando os gargalos que impedem a efetividade processual.

Portanto, não é preciso se estender muito para se inferir que voltar ao tempo da Súmula 410 do Egrégio STJ, com a necessidade de intimação pessoal para cumprimento de decisão judicial e multa diária, nada mais é do que retroceder e não acompanhar a evolução prevista claramente em vários artigos do NCPC.

Como se sabe, um dos pilares do devido processo legal é a duração razoável do processo e esse tom foi devidamente estruturado pelo NCPC, trazendo a possibilidade da intimação através dos meios eletrônicos, na pessoa do procurador, velando, assim, pela duração razoável do processo (iniciso II, do art. 139 do NCPC).

Além disso, no dever do cumprimento da ordem judicial o magistrado deve agir com eficiência e interpretar a legislação nessa direção, sendo essa regra explícita no parágrafo 1º do art. 536 do NCPC que assevera que o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa para que a prática indevida seja rapidamente estancada.

Sem sombra de dúvidas, ao criar as novas determinações processuais condizentes com o mundo eletrônico, o legislador não tinha em seu âmago a volta ao passado, ao tempo da necessidade de intimação pessoal.

Parafraseando Aristóteles, a natureza humana abriga um potencial tanto para o bem quanto para o mal, e que, desta forma, somos feitos, por natureza, para adquirir hábitos, para melhor ou pior. 

O aperfeiçoamento do NCPC nos leva a concluir que necessidade de intimação pessoal prevista na Súmula 410 do STJ, amparada no antigo CPC, não é plausível, uma vez que é contra a nova sistemática das normas processuais que foram geradas para garantir alto grau de eficiência e celeridade.

As experiências do antigo CPC e a necessidade de intimação pessoal não coadunam com os novos tempos de modernidade, onde a decisão judicial deve ser cumprida de maneira célere, sob pena de danos irreparáveis e ineficácia processual.

Assim, é perfeitamente razoável que a intimação para o cumprimento de ordem judicial, sob pena de multa diária, possa ser feita na pessoa do procurador, sendo que não há para tanto, qualquer restrição prevista no art. 105 do NCPC.

Observe-se que o legislador previu a impossibilidade do procurador receber citação, não traçando uma linha sequer no sentido de que não receba intimações.

Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a questão, conclui-se que é perfeitamente plausível a intimação do cumprimento da ordem judicial, sob pena de multa diária, na pessoa de seu procurador, não sendo mais necessário a intimação pessoal da parte.

Márcio Vinícius Costa Pereira
Advogado com 30 anos de experiência. Procurador da ANP durante a gestão de David Zilberstein. Advogado Sênior do Escritório Tozzinifreire durante 7 anos. Sócio do Escritório Villemor Amaral por 11 anos. Durante os últimos 20 anos, foi responsável pela conta de grandes clientes, com destaque no setor aéreo, consumidor e energia. Atualmente, é sócio do escritório PFA - Pereira França Arantes Advogados.

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