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Execução fiscal de IPTU: alguns pontos importantes

A execução fscal é uma das ações mais ajuizadas no processo judicial tributário e é por meio dela que a Fazenda Pública Municipal cobra, por exemplo, a dívida tributária decorrente da inadimplência do IPTU. O presente artigo irá abordar, de forma sucinta, alguns pontos importantes que merecem atenção.

23/8/2022

Em primeiro lugar, é importante analisar primeiro se a cobrança realizada pelo Fisco está de acordo com o que prevê a legislação (Código Tributário Nacional, lei de Execuções Fiscais, Código de Processo Civil e Código Tributário Municipal), bem como se a forma em que ela está sendo feita também não apresenta erros na esfera processual, pois ainda que o título executivo goze de presunção de certeza e liquidez, conforme previsão dada pelo art. 3 da LEF, isso não significa que o Fisco também não erre ao fazer o lançamento da dívida tributária.

Logo, a primeira observação a ser feita é conferir se houve nos autos a devida citação do executado. No caso de pessoa física, se a citação ocorreu por carta com AR, somente a pessoa executada pode recebê-la (REsp 1.840.466 de 16/6/20). Desse modo, se o AR foi assinado por um terceiro e o executado, dentro do prazo, não realizou a garantia do juízo, a Fazenda Pública não pode, por exemplo, requerer o bloqueio de valores no sistema SISBAJUD para futura penhora online.

A segunda observação pode parecer óbvia para muitos, porém nada impede que a situação venha a ocorrer. Após analisar a citação e conferir que a mesma não apresenta nenhum erro, verifique, na documentação anexa à inicial, se a exequente juntou devidamente todas as CDA’s, concernentes à dívida tributária da qual ela vem cobrando (art. 6°, §1° da LEF). A título de exemplo, no julgamento dos Embargos à Execução Fiscal, autos 0010849-22.2016.5.18.0009, da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia, ao propor uma Ação de Execução Fiscal, a União deixou de instruir nos autos todas as CDA’s referentes ao débito tributário. Em vez disso, foram juntados somente alguns demonstrativos da dívida, o que levou consequentemente à anulação do processo.

Feito essas duas observações, o próximo passo é conferir se os imóveis objeto do débito ainda estão sob a titularidade do executado. Nesse ponto, lembre-se que bem imóvel só se transfere com o título translativo, ou seja, com a escritura pública de compra e venda, emitida pelo cartório competente. Portanto, minuta de contrato de compra e venda, compromisso de contrato de compra e venda, assim como o próprio contrato de compra e venda, em si, não comprovam a mudança na titularidade da propriedade do imóvel, nem mesmo sentença de usucapião, pois nos embargos o ônus da prova cabe ao executado, de modo que é ele quem deve correr atrás de regularizar a situação no Cartório de Registro de Imóveis e não a Fazenda Pública. Caso contrário, bastaria a simples alegação de alienação do imóvel para que o executado se visse livre da obrigação.

Outro ponto trazido neste artigo trata-se da prescrição quinquenal, prevista no art. 146, inciso III, b, da Constituição Federal de 1988 e art. 174 do CTN, e que não pode ser confundida com a decadência, que somente acontece quando, após o não pagamento do IPTU, a Fazenda Pública deixa de fazer, no prazo de 05 anos, a inscrição da dívida no Livro de Registros de Dívida Ativa. Assim, se na decadência decai o direito de lançar a dívida, na prescrição a Fazenda Pública perde o direito de cobrar, ou seja, decadência - lançar; prescrição - cobrar.

Nessa linha, o art. 174 do CTN elucida que o prazo prescricional também é de 05 anos, começando a contar a partir da “constituição definitiva do crédito tributário”. Nesse ponto, gera-se uma controvérsia a respeito do que seria essa “constituição definitiva do crédito tributário”, ou melhor dizendo, em que momento se configuraria essa “constituição definitiva do crédito tributário”. Seria quando o contribuinte é notificado do lançamento, recebendo, assim, a guia para pagamento do IPTU? A partir da data de vencimento da prestação ou da decisão final do processo administrativo? Ou a partir da data de emissão da CDA?

A priori, a “constituição definitiva do crédito tributário” para fins de prescrição não deveria ser presumida quando o contribuinte recebe o carnê de IPTU, pois nesse momento a Fazenda Pública ainda não tem nenhuma pretensão executória, já que ao enviar o carnê de IPTU para o contribuinte, ela presume que ele irá cumprir com sua obrigação. Nesse sentido, sobram dois posicionamentos: primeiro, que a “constituição definitiva do crédito tributário” acontece quando o contribuinte deixa de cumprir com essa obrigação, de modo que o prazo começa a correr a partir do 1° dia subsequente ao vencimento da prestação, ou se houve alguma defesa na esfera administrativa, a partir do 1° dia subsequente da decisão final do processo. 

Segundo, que a “constituição definitiva do crédito tributário” se daria com a emissão da CDA. Esse segundo posicionamento poderia se encaixar, pois, uma vez que houve a expedição da CDA foi porque o débito já foi registrado no Livro de Registros de Dívida Ativa. Sabemos que esse registro só pode ser feito quando cessados todos os trâmites na esfera administrativa, ao passo que, em regra, a CDA é gerada no sistema assim que o Fisco finaliza esse procedimento. Isso explicaria, por um lado, tal entendimento, pois, nesses casos, estaríamos falando de uma situação “definitiva”, já que foram cessadas na esfera administrativa todas as ações por parte do Fisco.

No entanto, o posicionamento anterior também possui uma lógica plausível, no sentido de que a CDA serve somente para fins burocráticos, sendo ela de natureza administrativa, ou seja, a emissão desse título é puramente um ato administrativo para que, assim, a Fazenda Pública possa ter em mãos um título executivo extrajudicial para ajuizar uma Ação de Execução Fiscal, pois sem esse título ela não pode propor a ação executória. Nessa linha, a CDA seria então uma mera formalização, que se dá na esfera administrativa e para fins processuais, ao passo que a "constituição definitiva do crédito tributário" já se deu há muito tempo, qual seja, na data de vencimento da obrigação.

Superada tal questão, no art. 203 do CTN e 2°, §5° da LEF estão elencados todos os elementos que a Certidão de Dívida Ativa deve conter como o nome do devedor, a forma de cálculo dos juros, origem, natureza, registro, data de inscrição, número do processo administrativo, legislação, dentre outras. Nesse contexto, “(...) a omissão/descumprimento de qualquer deles é causa de nulidade do título, conforme art. 203 do CTN. 2. A ausência de indicação da data e número de inscrição no registro da dívida ativa, bem como a especificação dos créditos cobrados além de implicar em prejuízo à defesa da parte Executada compromete a presunção de certeza e liquidez do título, acarretando a nulidade da CDA” (TJMG -  Apelação Cível  1.0471.11.010656-7/001, Relator(a): Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto , 8ª C MARA CÍVEL, julgamento em 5/3/20, publicação da súmula em 17/3/20).

Observe que nesse entendimento do e. TJMG, a nulidade da CDA restou-se demonstrada devido à ausência da indicação da data, do número de inscrição e da especificação dos créditos cobrados no título executivo, porém, na prática, o fator decisivo que implicará na nulidade da CDA não é a ausência de um dos elementos em si, mas caso essa ausência seja capaz de, porventura, gerar um prejuízo à defesa da parte executada ou comprometer a presunção de certeza e liquidez do título. Nesse sentido, no julgamento dos Embargos de Declaração do Resp 213.903, na hipótese de ausência da data do lançamento do débito tributário na CDA, o STJ firmou-se no seguinte entendimento: “a nulidade da CDA não deve ser declarada por eventuais falhas que não geram prejuízos para o executado promover a sua defesa, informado que é o sistema processual brasileiro pela regra da instrumentalidade das formas” (EDcl no AREsp 213.903/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 17.9.2013).

Diante desses casos, a CDA pode ser emendada ou substituída, desde que esta alteração se dê até a decisão de primeiro grau, como já previsto no art. 203 do CTN e 2°, §8° da LEF, mas, lembre-se, a substituição é expressamente vedada para fins de alteração do polo passivo (Súmula 392/STJ), como também no que diz respeito ao valor do débito lançado e os fundamentos de fato e de direito que deram origem ao lançamento, pois tal possibilidade se restringe tão somente para erros formais e materiais, ou seja, erros “não tão graves”, conforme apresentado no parágrafo anterior. Sendo assim, “(...) a autorização de emenda ou substituição não se estende ao lançamento, sendo possível à Fazenda Pública apenas ajustar a inscrição ou a CDA ao lançamento, corrigindo erros materiais ou formais acaso cometidos na inscrição do débito ou na extração da respectiva certidão. Não lhe é permitido, porém, alterar o valor do débito lançado (quantum debeatur) e os fundamentos de fato e de direito que deram origem ao lançamento (fls. 20/21) (AgInt no REsp 1646084/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/2/20, DJe 3/3/20)”.

Se tratando agora da base de cálculo do IPTU, sabemos que a mesma é o valor venal do imóvel, ou seja, o valor “real” dele, podendo ser alterada simplesmente por meio de um decreto, tendo em vista que essa alteração não é considerada por si só uma majoração do tributo (art. 97, §2° do CTN, Súmula 160/STJ e RE 648.425/STF). Por sua vez, essa base de cálculo é gerada, primeiro, através de uma avaliação feita do imóvel pela própria municipalidade, assim que é dada a “baixa” na construção. Depois, ao longo dos anos, o município atualiza esse valor em razão da inflação, por meio de um decreto e com base nas plantas genéricas de valores, que levam em consideração à localização do imóvel, a área construída, a idade da construção, dentre outras características.

Logo, dois pontos merecem atenção: o primeiro diz respeito ao que é uma “zona urbana”. O art. 32 do CTN prevê cinco requisitos para que determinada região seja considerada “zona urbana”, sendo necessário a presença de pelo menos dois desses elementos, construídos ou mantidos pelo Poder Público. Caso contrário, a situação não é difícil de entender, se o imóvel não está localizado no que é considerado uma “zona urbana”, então não cabe a incidência de IPTU, mas do ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.

O segundo ponto é quanto ao valor venal do imóvel. Na prática, determinadas regiões sofrem fenômenos que acabam desvalorizando os imóveis, soma-se a isso o fato do ente público não conseguir, anualmente, atualizar essa base de cálculo a partir de detalhamentos técnicos que leve em consideração dados empíricos, gerando-se, assim, uma avaliação mais intrínseca da área, bem como do imóvel. Abrindo-se aqui um parêntese, nesses casos, pode o proprietário, vendo que esse valor não mais atende a realidade presente, solicitar a reavaliação do seu imóvel apresentando uma simples petição de Impugnação e Revisão, perante a administração pública, ou propondo uma Ação de Revisão, no judiciário.

Lembre-se de que a base de cálculo do IPTU se submete ao princípio da anterioridade. Princípio esse que abrange dois tipos: do exercício e da nonagesimal. No caso da base de cálculo do IPTU, a mesma se submete somente ao primeiro tipo, ou seja, do exercício. Logo, após a publicação do decreto, a nova base produzirá efeitos já no 1° dia do exercício financeiro seguinte, sem a necessidade, portanto, de aguardar os 90 dias do ano seguinte. Assim, existindo alguma alteração na base de cálculo, verifique se a mesma surtiu seus efeitos no momento certo.

Quanto à alíquota, sabe-se que a mesma pode ser fixada através da legislação municipal, podendo ser progressiva devido ao valor do imóvel, sua localidade ou até mesmo conforme ele vem sendo usado. Logo, se o contribuinte entender que seu valor se encontra em exagero, cabe a ele, assim como na base de cálculo, reclamar na administração municipal ou no judiciário, nesse último, a depender do valor (art. 148 do CTN). Além disso, esse exagero pode configurar no uso do IPTU com o efeito de confisco, efeito esse expressamente vedado pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 150, inciso IV.

Quanto aos juros e a multa, sabemos que os juros se dão devido ao atraso do pagamento e sofrem atualizações na medida em que o executado não paga a dívida, já a multa, por sua vez, se dá em razão simplesmente do não pagamento. Além disso, a multa não sofre atualização e seu valor será sempre o mesmo. Nesse âmbito, em que pese à jurisprudência, o STJ firmou-se no sentido de que a taxa SELIC seria um índice legítimo para a correção monetária na atualização dos tributos, tendo em vista que ela já é dotada da capacidade de abarcar juros de mora e correção monetária, necessárias para que a dívida permaneça devidamente atualizada (REsp 1.492.221). Nesses casos, não caberia, portanto, a cumulatividade da taxa SELIC com outro índice de correção. Nesse sentido: “a incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem (…)” (REsp 1102552).

É certo que os municípios têm total competência para determinarem, por meio de legislação municipal específica, como se dará a atualização monetária de seus tributos, com isso muitos vêm usando como base, não a taxa SELIC, mas o IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado) ou o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), uma vez que depois da extinção da UFIR (Unidade Fiscal de Referência), tiveram que adotar outros índices e o IPCA, à época, se mostrava o mais adequado

Jéssica Pereira
Acadêmica de Direito no Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH.

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