O Brasil é um país com uma extensa gama de normas que incidem sobre diferentes setores da economia, muitas vezes de forma transversal. Nesse contexto, é certo que a estruturação de uma empresa deve observar uma infinidade de regras estabelecidas por autoridades regulatórias, exigências legais da área dos produtos ou serviços que serão ofertados, normas de estruturação societária e de captação e uso de recursos financeiros. É, ainda, necessário harmonizar todas essas exigências com um bom relacionamento entre sócios, investidores, outros players do mercado e autoridades setoriais.
Assim, é preciso mais do que uma boa ideia para manter de pé uma empresa. Por outro lado, estruturas muito complexas reclamam o envolvimento de múltiplos indivíduos e aportes de recursos que, muitas vezes, não estão à disposição dos empreendedores, especialmente numa fase inicial.
Com a disseminação do uso da Internet, que permitiu maior circulação de informações, propagandas e facilidades na clusterização1 e identificação de consumidores para um produto ou serviço específico, muitas boas ideias, especialmente na área da tecnologia, puderam se materializar.
Nesse contexto, houve um crescimento no surgimento de startups, empresas associadas a ideias inovadoras sem muitos recursos, nas quais os donos tendem a participar muito ativamente das atividades e as equipes trabalham com acesso limitado a recursos. Sem dúvidas, o acompanhamento de perto pelos sócios tem muito a contribuir em empresas que não dispõem de estruturas complexas de governança corporativa. Nas startups isso não é diferente. Apesar disso, muitas vezes esses sócios ou mesmo um único “dono” não terá à sua disposição todas as informações, os recursos e conhecimentos que seu negócio exige para alavancar e ampliar as operações da startup.
Ocorre que, diversas startups alçaram grandes voos no mercado nos últimos anos, demonstrando que algumas boas ideias poderiam apresentar um excelente retorno financeiro com os investimentos e diretrizes adequados. O envolvimento pessoal é certamente algo que faz toda a diferença nesses tipos de negócios, mas é preciso compreender que um programador com uma excelente ideia de aplicativo que poderá “viralizar”, por exemplo, não detém todos os conhecimentos necessários para manter de pé o seu empreendimento.
Antes de se lançar no mercado, um empreendedor deverá ter uma definição sobre qual é o core business desejável para a sua empresa, o que poderá demandar a atuação em outras frentes num primeiro momento, para que o objetivo seja alcançado. A partir disso, o empreendedor e, eventualmente, seus sócios deverão buscar auxílio específico, ao menos no que concerne a questões fulcrais do negócio.
Retomando o exemplo, um novo aplicativo de sucesso será encontrado e identificado por seus usuários a partir de um nome e marca. Para tanto, é necessário cuidar para que, antes de se tornar conhecido, seja desenvolvido um trabalho de registro de marca e, muitas vezes, do próprio software junto ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) para garantir que a ideia não seja rapidamente usurpada no mercado.
Se, por um lado, diversas startups alavancaram seu crescimento e se tornaram gigantes da tecnologia, por outro, muitas outras surgem diariamente com produtos e serviços inovadores e cobiçados, mas encerram seu ciclo de vida ainda em seus primeiros anos no mercado, em razão da falta de experiência de gestão dos sócios ou mesmo por conflitos entre eles e falta de um plano de negócios que evolua gradativamente com a empresa, considerando as necessidades próprias de cada fase ou obstáculo eventualmente encontrado.
A legislação brasileira permite a estruturação de empresas em diferentes formatos societários, inclusive sendo plenamente possível a alteração destes de acordo com o estágio e o capital envolvido nessas atividades. É importante, contudo, que haja um plano de negócios minimamente traçado previamente. Definições por escrito a respeito das aspirações dos sócios e previsibilidade sobre como se realizará o retorno dos investidores auxiliam a guiar essas empresas, especialmente diante de situações não previstas ou ofertas que impliquem mudanças de rumo, especialmente no que concerne ao controle societário, à forma de administração e ao capital social.
Muito investidores deixam de estruturar esses cenários de forma objetiva mantendo contratos sociais superficiais e “pro forma”. A decisão pode se transmutar em problemas futuros em razão de interesses divergentes entre os sócios, levando a empresa ao fracasso.
É importante notar que, em que pese a possibilidade de indicação minuciosa sobre controle e ocorrências que gradativamente poderão reclamar a realização de ajustes societários e estruturais na empresa no próprio contrato social, é possível que os planos sejam descritos num memorando de entendimentos, redigido antes mesmo da confecção do contrato social. Esse documento conta com mais flexibilidades do ponto de vista de forma e linguagem, devendo ser redigido de maneira clara e que possa ser plenamente compreendida pelos sócios e demais envolvidos na fase inicial do projeto.
No que concerne à captação de investimentos, é possível mencionar algumas das tantas possibilidades disponíveis no Brasil para injetar recursos financeiros em startups. Muitos empreendedores buscam, num primeiro momento, investimentos de familiares, amigos e conhecidos. Esse tipo de investimento é marcado pela informalidade. Sobre o tema, Erick Frederico Oioli, José Alves Ribeiro Jr. e Henrique Lisboa2 afirmam que:
O empreendedor deve assegurar que um nível mínimo de formalização seja alcançado, mediante a celebração de acordos de investimentos, acordos de cotistas/acionistas ou outros documentos que deixem expressos os termos e condições do aporte e dos direitos conferidos ao investidor, evitando problemas em captações subsequentes e conflitos societários.
Para auxiliar essas empresas em estágio inicial, surgiram as incubadoras de startups, que compreendem fonte de investimento externo com oferta de ambientes físicos propícios a auxiliar no desenho de negócio das startups, provendo suporte multidisciplinar e treinamentos em diversas frentes para garantir que elas terão as condições necessárias para enfrentar as intempéries que muitas vezes não foram previamente consideradas.
Segundo informações do portal “Startup.SC”, voltado ao desenvolvimento de startups no estado de Santa Catarina, local que tem sido berço de diversas empresas do segmento, entre as maneiras com as quais as incubadoras podem auxiliar as startups, destacam-se, aperfeiçoamento do marketing, modificações na gestão empresarial e atualização das atividades tecnológicas3. Ademais, “além do suporte e acompanhamento nas atividades gerenciais, administrativas e mercadológicas, muitas instituições acabam passando por uma reformulação nos processos. O intuito é chegar ao resultado capaz de satisfazer quem mais importa: O consumidor”4.
Num segundo momento, quando as startups já se encontram em funcionamento pleno e buscam crescimento, podem se valer do suporte das aceleradoras, que, tal qual as incubadoras, também fornecem espaço físico, mas normalmente contam com programas de mentoria mais direcionados e restritos. Além disso, Oioli, Ribeiro Jr. e Lisboa5 referenciando Cohen afirmam que “programas de aceleradoras possuem caráter competitivo na seleção de startups que os integrarão” e “a formação de matilhas de empreendedores cujas empresas se encontram em um estágio semelhante de seu ciclo de vida”.
Segundo Oioli, Ribeiro Jr. e Lisboa6, as aceleradoras e as incubadoras fornecem recursos “de pequena monta se comparados àqueles obtidos em rodadas de investimentos junto a investidores de venture capital e private equity. A contrapartida do investimento é, via de regra, participação societária na startup”.
Outra fonte de investimento para startups que tenham destaque no mercado são os investidores-anjos, os quais, segundo os autores supracitados, “em linhas gerais, são pessoas físicas detentoras de patrimônio elevado, que investem recursos próprios em negócios nascentes sem possuir qualquer prévia relação pessoal, social ou familiar com o fundador”7.
O investidor-anjo é comumente uma pessoa de boas referências no mercado que pode, além de seus recursos financeiros, ofertar uma chancela que trará visibilidade para a startup, propiciando a ampliação das suas relações com outras empresas e indivíduos com os quais o investidor-anjo mantém relações de negócios. Ainda que não seja uma regra, o investidor-anjo poderá, em alguns casos, assumir determinados papéis de relevância na administração da startup, fornecendo, assim, os seus conhecimentos e a sua experiência. Contudo, não se deve perder de vista que, ao menos nesse momento inicial, o investidor-anjo não integra os quadros societários da startup.
Verifica-se que “no Brasil, como forma de proteção do investidor-anjo em relação ao risco de responsabilização, como sócio, por dívidas fiscais e trabalhistas, é comum a realização do aporte de recursos na startup por meio de mútuos conversíveis em capital da empresa investida ou opções de compra de participação societária”8.
A validação por um investidor com boa fama e referências pode alavancar a startup e torná-la atrativa para tantos outros investidores, em razão de sua mera associação àquele nome. Especialmente fundos de venture capital poderão ser atraídos pelo interesse do investidor-anjo na startup até mesmo num momento futuro. Ou seja, a validação conferida pelo investidor-anjo num primeiro momento pode ter repercussões futuras para a startup quando esta alcançar um outro estágio de desenvolvimento e consolidação no mercado, que demande aportes mais robustos de capital, sendo que a “bênção” do investidor-anjo no histórico da startup poderá converter-se em um diferencial e poderá priorizá-la na captação de outros investimentos.
Fato é que as pessoas físicas envolvidas em uma startup desde a sua fundação até aqueles que voltam o seu olhar para ela ofertando recursos marcam a trajetória da empresa de forma importante para a sua manutenção no mercado, especialmente diante de todo o cenário normativo a que as empresas devem se submeter no Brasil. Isso repercute na obtenção de linhas de crédito e, a depender do histórico dos envolvidos, poderá atrair negativamente a atenção de autoridades regulatórias ou órgãos fiscalizadores.
Por tais razões, os investimentos externos de incubadoras, aceleradoras e investidores-anjo demandam a demonstração prévia de condições propícias para o sucesso da startup, nos quais se encontram inseridas due diligences específicas do setor de atuação e cuidados como, por exemplo, o registro do software, da marca ou patente no INPI, o que poderá influenciar fortemente no sucesso da startup. Além da adoção dessas medidas, a estruturação de um plano desde o começo, demonstrando organização e sintonia entre os sócios, pode ser determinante para a recepção de investimentos externos, os quais poderão revelar-se o grande diferencial no sucesso de um negócio.
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1 “‘Cluster’, em inglês, significa “grupo”. Portanto, clusterizar nada mais é do que agrupar. Esse agrupamento, por sua vez, pode ser de um conjunto de dados, de clientes, de computadores ou o que mais for necessário. Assim, o termo é utilizado com mais frequência por desenvolvedores, profissionais de marketing, TI ou cientistas de dados, os quais recorrem à clusterização como forma de organizar dados ou segmentá-los”. Disponível em https://www.fiveacts.com.br/clusterizacao/#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20clusteriza%C3%A7%C3%A3o%3F,o%20que%20mais%20for%20necess%C3%A1rio. Acesso em 19 jul. 2022.
2 OIOLI, Erik Frederico; Ribeiro Jr., José Alves; Lisboa, Henrique. Financiamento da Startup. In Manual de Direito para Startups. OIOLI, Erik Frederico (Coord.), 2ª tiragem, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2020. p. 109.
3 https://www.startupsc.com.br/o-que-sao-incubadoras-de-empresas/
4 Idem anterior.
5 OIOLI, Erik Frederico; Ribeiro Jr., José Alves; Lisboa, Henrique. Financiamento da Startup. In Manual de Direito para Startups. OIOLI, Erik Frederico (Coord.), 2ª tiragem, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2020. p. 109.
6 Idem anterior, pp. 109 e 110.
7 Idem anterior, p. 111.
8 COELHO, Giulliano Tozzi; GARRIDO, Luiz Gustavo. Dissecando o Contrato entre Startups e Investidores Anjo. In JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erick Fontenele (Coord.). Direito das Startups. Curitiba: Juruá, 2016. p. 115-130. In OIOLI, Erik Frederico; Ribeiro Jr., José Alves; Lisboa, Henrique. Financiamento da Startup. In Manual de Direito para Startups. OIOLI, Erik Frederico (Coord.), 2ª tiragem, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2020. p. 112.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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