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Usucapião familiar: requisitos necessários

A usucapião familiar realizada extrajudicialmente é mais célere e visa por um meio menos burocrático conferir o direito de propriedade aquele que permanece no imóvel e se viu arcando com todos os custos para manutenção do imóvel e da família.

16/8/2022

O artigo 1.240-A do Código Civil não deixou claro como se configura o abandono de lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, entenda o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema. 

O Código Civil em seu artigo 1.240- A prevê a usucapião familiar, também, conhecida como usucapião por abandono de lar:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 

Da leitura do artigo, extrai-se como requisitos: i) posse direta, com exclusividade; ii) ininterrupta e sem oposição; iii) pelo lapso temporal de 2 (dois) anos; sobre imóvel urbano de até 250m²; iv) propriedade em comum com cônjuge/companheiro que abandonou o lar; v) deve utilizar para sua moradia ou de sua família e;  vi) não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Nesse sentido, inclusive, é o posicionamento da jurista Maria Berenice Dias: 

“O Código Civil admite a aquisição da propriedade decorrente do rompimento de uma relação de convívio (CC 1.240-A): a usucapião familiar. Também chamada de usucapião conjugal ou usucapião pró-família. Finda a união por ter um do par abandoado o lar, quem permanece na posse do imóvel comum, por mais de dois anos, passa a ser o dono exclusivo. Mas há restrições:  o imóvel não pode ter mais de 250m²; tem que pertencer ao casal e não ser de propriedade exclusiva de quem abandonou o lar. O possuidor tem que permanecer lá residindo e não pode ter outro imóvel urbano ou rural. “ (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 14ª edição, Editora Jus Podivm, pág. 749). 

No entanto, o dispositivo legal não esclareceu o que seria considerado como abandono de lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro. Tal conceituação ficou a cargo da doutrina e jurisprudência.  

Conforme veremos, o abandono do lar não pode ser considerado como o mero afastamento físico do ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar. Ou seja, o ex-cônjuge ou ex-companheiro além de se afastar do lar, ainda, deve deixar de prestar qualquer tutela material ou moral para a família.

Sobre o tema, oportuno destacar o trecho do voto do Excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Marco Buzzi: 

"O requisito do abandono do lar, essencial à caracterização da usucapião familiar, vem sendo interpretado pela doutrina e pela jurisprudência não apenas como o afastamento meramente físico do consorte, que passa a residir em outro local após a separação, mas como a ausência de assistência moral e material à família."(Agravo em Recurso Especial 1.599.061, rel. Min. Marco Buzzi, publ.27/11/19) 

Ainda, nesse sentido, tem-se o enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil: 

O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499” (Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil).

Dito isto, para cumprir o requisito legal, o ex-cônjuge ou ex-companheiro deve de forma voluntária se afastar totalmente, tanto da prestação material quanto da prestação moral e, não só, da residência como, também, do convívio familiar.

Nesse cenário, o requisito abandono de lar deve ser cabalmente comprovado para configurar a prescrição aquisitiva especial, requisito obrigatório do art. 1.240-A do Código Civil. Assim, se faz necessário a demonstração inequívoca do abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, que se configura, então, mediante a ausência completa de tutela material e moral para a família e, também, para o imóvel.

Importante pontuar, que caso o imóvel seja exclusivo do ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, é inaplicável esta modalidade de usucapião familiar. E, ainda, que esta modalidade compreende todas as formas de família ou entidade familiares (Enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil).

Por outro lado, eventual tolerância do ex-cônjuge ou ex-companheiro para uso do bem pela família, em razão da existência de filhos em comum, não configura como abandono de lar. A mera separação de lares pela impossibilidade de convívio conjugal, também, não comprova o requisito do abandono de lar.

Assim, o dispositivo legal reforça que quem quiser sair da residência deve fazer com responsabilidade, sob pena de perder sua propriedade. Essa modalidade de usucapião não visa discutir a culpa, mas explicita que quem deseja sair, ainda que de forma informal, deixe claro seu desejo pelo fim do relacionamento.

Em suma, para que se configure o abandono de lar, o ex- cônjuge ou ex-companheiro deve sair voluntariamente imóvel, sem um justo motivo e com intenção de não retornar mais ao lar. Deve, ainda, não prestar qualquer tutela material: i) para o lar-como não auxiliar no pagamento de IPTU, taxa condominial ou prestação do financiamento do bem, se houver; e, ii) para a família-como não pagar pensão ou não auxiliar ainda que minimamente com eventuais despesas familiares.

Por fim, cumpre lembrar, que toda espécie de usucapião, inclusive esta, pode ser feita extrajudicialmente, para tanto, é imprescindível que seja lavrada por tabelião de notas, a ata notarial que deverá certificar, através de testemunhas e documentos, todos os requisitos legais já mencionados.

A usucapião familiar realizada extrajudicialmente é mais célere e visa por um meio menos burocrático conferir o direito de propriedade aquele que permanece no imóvel e se viu arcando com todos os custos para manutenção do imóvel e da família.

Camila Cordeiro dos Santos
Advogada especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Positivo.

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