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A (im)possibilidade de modulação dos efeitos da decisão que declara constitucional ato normativo impugnado em sede de controle abstrato de constitucionalidade

É possível concluir que, a depender do caso concreto, pode haver sim modulação temporal dos efeitos da decisão que declarara constitucional lei ou ato normativo questionado em sede de controle concentrado.

15/8/2022

1. Introdução

É possível haver modulação de efeitos, pelo Supremo Tribunal Federal, da decisão que declara constitucional norma impugnada por meio de um dos instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade? Isto é, no direito brasileiro, é facultado ao Supremo Tribunal Federal modular os efeitos de decisão que ratifica a presunção de constitucionalidade de determinada lei e declara a norma a ele submetida constitucional? É de se observar que não se está tratando das decisões em que se julga inconstitucional determinada lei ou ato normativo, oportunidade em que se expurga do ordenamento jurídico o ato normativo impugnado, pois em relação a esta última hipótese não há dúvidas ser possível a modulação. Está-se indagando acerca da modulação dos efeitos nas declarações de constitucionalidade das leis e não nas declarações de inconstitucionalidades.

Com efeito, em relação às decisões do Supremo Tribunal Federal que declaram inconstitucional determinada lei ou ato normativo, embora desde a criação do controle de constitucionalidade das leis no nosso ordenamento jurídico já fosse possível pensar na modulação dos efeitos, o legislador brasileiro positivou o tema quando editou a lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, ao dispor de forma expressa no seu art. 27 ser facultado ao Supremo Tribunal Federal “restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. A partir daí, o direito posto deixou expresso o que de há muito era admitido pela jurisprudência como decorrência do princípio da segurança jurídica: a modulação dos efeitos da decisão que declara inconstitucional lei ou ato normativo.

A norma extraída do citado dispositivo legal é expressa ao limitar sua aplicação às decisões que expurgam a lei ou ato normativo do ordenamento jurídico ao declará-lo inconstitucional. Todavia, é silente em relação à possibilidade de modulação das decisões que declaram constitucional determinada lei ou ato normativo. Talvez assim o seja por ser aparentemente óbvio inexistir a necessidade de se modular a decisão que confirma a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo. Ora, se está se confirmando uma constitucionalidade pré-existente, em princípio não é necessária qualquer modulação, já que, em tese, não haveria situação jurídica prejudicada diretamente pela decisão do Tribunal Supremo. Mas será que esta obviedade de confirma no mundo dos fatos?

É justamente a busca pela resposta a tais inquietações que impulsiona este trabalho. Buscar-se-á, assim, investigar se é possível haver modulação temporal dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal que confirmam a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo submetido a julgamento em sede de controle abstrato de constitucionalidade. 

Para tanto, iniciaremos o estudo traçando as principais características do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos com ênfase no controle abstrato. Em seguida, será apresentada a dicotomia existente entre a teoria da nulidade e a teoria da anulabilidade no que se refere à lei ou ato normativo editado em desacordo, material ou formalmente, com o Texto Constitucional. Após, o objeto de estudo será a modulação temporal dos efeitos da decisão que expurgar a lei ou ato normativo do ordenamento jurídico e, ao final, nos debruçaremos acerca da possibilidade ou não de a modulação temporal dos efeitos ocorrer também nas decisões em que se reafirma a presunção de constitucionalidade da norma impugnada, com foco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Somente o controle concentrado e abstrato será aqui objeto de análise no que se refere à modulação temporal dos efeitos da decisão. Isto é, para fins metodológicos, o controle difuso e concreto de constitucionalidade não será aqui objeto de apreciação no que se refere à possibilidade ou não de modulação dos efeitos da decisão proferida naquela seara.

2. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Generalidades

Em qualquer nação que seja adepta do estado democrático de direito, a observância da hierarquia normativa é condição de estabilidade do sistema jurídico. Nesse contexto, a Constituição escrita, própria do Estado Moderno, assume relevância ímpar por se encontrar no vértice da pirâmide normativa. É a chamada supremacia da Constituição, isto é, como garantia de sua estabilidade, todos os demais atos normativos encontram-se subordinados à Constituição, afigurando-se como complementares a ela. Sobre o tema nos deixou esse legado Ferdinand Lassale1:

Sendo a Constituição a lei fundamental de uma nação, será – e agora já começamos a sair das trevas – qualquer coisa que logo poderemos definir e esclarecer, ou, como já vimos, uma força ativa que faz, por uma exigência da necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são. Promulgada, a partir desse instante, não se pode decretar, naquele país, embora possam querer, outras leis contrárias à fundamental.

Já especificamente em relação ao direito brasileiro, ainda no que se refere à supremacia da Constituição, nos ensina José Afonso da Silva2:

Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos dela estabelecidos.

Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal.

Lecionam, assim, Lassale e José Afonso da Silva que os poderes constituídos devem total obediência à Constituição, sendo vedada a edição de leis ou atos normativos contrários a ela. Ocorre que, vez por outra, o resultado da atividade legiferante do legislador ordinário acaba por contrariar o Texto Constitucional. Nessas hipóteses, tem-se a chamada inconstitucionalidade do ato normativo.

Todavia, não é somente o ato normativo que é passível de ser considerado inconstitucional, como bem destaca Teori Albino Zavascki:

Comete-se inconstitucionalidade não apenas editando normas incompatíveis com a Constituição, mas também por atos individuais ou por omissões a ela contrários. [...] É equivocada, destarte, a ideia de que a inconstitucionalidade é apenas a incompatibilidade da norma da Constituição, ou, em outras palavras, que apenas o legislar comete ofensa à Carta Magna. Na verdade, as “inconstitucionalidades” podem derivar do comportamento de vários agentes e ser perpetradas por diversos modos. Inconstitucional será o ato ou a omissão do particular não-compatível com o catálogo dos deveres que a Constituição lhe impõe ou com os direitos que assegura a outrem. Inconstitucional será também o ato ou a omissão do administrador público, quando não observar os mandamentos e princípios da boa administração ou não atender aos direitos subjetivos públicos previstos na Carta Constitucional. Inconstitucional será o ato do juiz que desrespeitar, no comando do processo, as garantias e prerrogativas dos litigantes. E assim por diante.3

Com efeito, será inconstitucional o ato normativo (ou qualquer outra conduta comissiva ou omissiva, na linha de ensinamento de Zavascki) quando este contrariar a Constituição, a sua força normativa, seja esta contrariedade de índole formal ou material, em relação ao seu conteúdo.

Inconstitucionalidade formal ocorrerá quando houver a edição de lei ou ato normativo em desconformidade com as regras ditadas na Carta Constitucional para a sua produção. Se, por exemplo, determinada Constituição determina que os assuntos relativos ao servidor público sejam tratados por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, o resultado do processo legislativo deflagrado pelo parlamento nesse tema (lei) será formalmente inconstitucional.

A seu turno, a inconstitucionalidade material terá lugar quando o ato violar o conteúdo normativo da Carta Magna. É o caso, verbi gratia, de determinada lei que preveja a pena de morte como sanção aplicável na hipótese de crime mesmo havendo vedação expressa na Constituição quanto ao ponto.

A inconstitucionalidade poderá, também, ser total, parcial ou apenas relativa a uma ou mais forma de interpretação do texto legal. Total, por óbvio, ocorrerá quando a inconstitucionalidade do ato atingir todo a sua extensão, a sua inteireza. Parcial, a seu turno, terá lugar quando apenas parte do texto for incompatível com a Constituição. Por fim, quando se está diante de ato normativo multívoco, ou seja, que comporte diversas interpretações, caso uma delas for incompatível com a Lei Maior, diz-se que aquela forma de interpretar é inconstitucional e, portanto, a declaração de inconstitucionalidade será sem a redução do texto.

Por fim, a inconstitucionalidade pode ser classificada também como “por ação” ou “por omissão”. A inconstitucionalidade por ação ocorrerá quando a o ato normativo incompatível for resultado de uma conduta comissiva do Legislativo ou do Executivo, ou seja, quando estes poderes constituídos atuam editando determinado ato normativo. Ao passo que será considerada inconstitucional a omissão quando, diante de um comando constitucional, os poderes constituídos e por ela obrigados quedarem-se inertes.

Acerca da inconstitucionalidade por omissão, nos ensina Canotilho4:

O conceito de omissão legislativa não é um conceito naturalístico, reconduzível a um simples não fazer, a um simples conceito de negação. Omissão, em sentido jurídico-constitucional, significa não fazer aquilo a que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa, para ganhar significado autônomo e relevante, deve conexionar-se com uma exigência constitucional de ação, não bastando o simples dever legal de legislar para dar fundamento a uma omissão constitucional.

Repise-se que a inconstitucionalidade por omissão não ocorre apenas quando a obrigação constitucional é imposta ao legislador, mas também quando o é em relação ao administrador. Ou seja, existindo uma inação do administrador em face de uma determinada imposição constitucional ter-se-á também inconstitucionalidade por omissão, mas na seara administrativa.

Uma vez fixadas as premissas acerca dos embasamentos teóricos e práticos da inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos, cumpre tecer breves comentários acerca dos instrumentos de controle de constitucionalidade daqueles atos.

No Brasil, o controle de constitucionalidade das omissões e das ações manifestadas por meio de leis ou atos normativos é prevalentemente exercido pelo Poder Judiciário, mas não exclusivamente por ele. Fora do âmbito judicial, há, por exemplo, o controle feito preventivamente pelas Comissões de Constituição e Justiça das Casas Legislativas, que examinam a compatibilidade do projeto de lei com a Constituição da República, repelindo-o, na hipótese de ser identificada flagrante inconstitucionalidade.

Considerando o escopo do presente estudo, o controle preventivo de constitucionalidade não será aqui objeto de exame. Limitar-nos-emos à investigação das peculiaridades relativas ao controle repressivo da constitucionalidade das leis e dos atos normativos feito pelo Poder Judiciário, mais especificamente pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim, nessa perspectiva, o controle de constitucionalidade dos atos normativos pode ser genericamente classificado em controle difuso e controle concentrado. Esta é primeira grande classificação do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos.

Difuso é o controle de constitucionalidade repressivo do ato normativo passível de ser exercido por todos os órgãos do Poder Judiciário em qualquer grau de jurisdição. É dizer, pode ser feito não somente pelos juízes de primeira instância, como também pelos tribunais, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal, mas sempre em um dado caso concreto e de forma incidental à demanda.

Diz-se que o controle difuso sempre será feito de forma incidental, pois não poderá o órgão do judiciário, nessa espécie de controle de constitucionalidade, julgar o pedido de declaração de inconstitucionalidade como pedido principal na demanda. Quando o juiz singular de primeira instância estiver diante de um ato normativo que ele repute inconstitucional, por exemplo, ele deve declarar a sua inconstitucionalidade de forma incidental, afastando a sua aplicabilidade naquele caso concreto, e entregar o bem da vida vindicado pela parte. Não poderá, todavia, expurgar do ordenamento jurídico o ato declarado inconstitucional de forma incidental, conferindo eficácia erga omnes à sua decisão. A eficácia do seu pronunciamento será sempre inter partes.

A seu turno, o controle concentrado é aquele exercido diretamente pelo Tribunal. Essa espécie de controle, no direito brasileiro, pode feita pelos Tribunais de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, a depender da origem do ato normativo impugnado. Uma lei federal, por exemplo, somente poderá ser impugnada, pela via do controle concentrado, perante o Supremo Tribunal Federal. Determinada lei estadual, por sua vez, poderá sê-lo tanto perante o Tribunal de Justiça, na hipótese de parâmetro normativo violado fazer parte da Constituição Estadual, quanto perante o Supremo Tribunal Federal, quando a norma tida por violada for da Constituição da República.

No controle de constitucionalidade feito em decorrência da ação dos poderes constituídos, ou seja, quando existir ato normativo contrário à Constituição, os instrumentos postos à disposição dos legitimados são: a ação direta de inconstitucionalidade genérica, ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental.

O objetivo da ação direta de inconstitucionalidade é expurgar do mundo jurídico a lei ou o ato normativo incompatível com a Constituição. A ação declaratória de constitucionalidade, a seu turno, tem por objetivo confirmar a presunção de constitucionalidade da norma infraconstitucional em relação à qual há controvérsia acerca da sua constitucionalidade nos demais órgãos do Poder Judiciário.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental, inovação do direito brasileiro5, é espécie de demanda submetida à jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal “vocacionada a proteger exclusivamente os preceitos constitucionais fundamentais, ante a ameaça ou lesão resultante de qualquer ato ou omissão do poder público”, conforme nos ensina Dirley da Cunha Júnior6. Trata-se de demanda subsidiária em relação às ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, além de ser possível por meio dela realizar também, conforme mais uma vez ensina Dirley da Cunha Jr7,:

O controle abstrato de constitucionalidade do direito ordinário pré-constitucional, do direito municipal contestado diretamente em face da Constituição Federal e dos atos normativos secundários (infralegais) e até dos atos administrativos materiais e concretos do poder público, além de ter possibilitado um controle incidental-concentrado de constitucionalidade [...]

Por sua vez, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ou representação interventiva, terá lugar quando houver violação dos chamados princípios constitucionais sensíveis. Destaca Gilmar Mendes que “no Estado Federal a Constituição impõe deveres aos Estados-membros, cuja inobservância pode acarretar providências de índole interventiva, visando a assegurar a integridade do ordenamento constitucional” e conclui que “a violação de um dever pelo Estado-membro é condição da intervenção federal8.

Por outro lado, quando se estiver diante de uma omissão estatal constitucionalmente qualificada, o instrumento posto à disposição dos legitimados é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Busca-se por meio dela sanar a inação do legislador ou do administrador que até então havia deixado de atender os comandos constitucionais relativos à obrigação submetida a exame em sede de controle de constitucionalidade.

As ações de controle concentrado de constitucionalidade instauram processos abstratos. Ou seja, são demandas que existem sem que haja um caso concreto subjacente. Também por essa razão, trata-se de ações objetivas, já que inexistem partes, existindo apenas “entes legitimados a atuar institucionalmente, sem outro interesse que não o da preservação do sistema de direito9. Não há também lide, nos estritos termos do conceito carneluttiano, pois não há pretensão qualificada pela resistência da outra parte (lembra-se que sequer há partes).

Outra característica própria das ações de controle concentrado é sua eficácia erga omnes. Ou seja, as decisões proferidas em sede dessas ações possuem força cogente em relação a todos os indivíduos e é vinculante em relação aos demais Poderes.

Existem diversas outras características que poderiam ser referenciadas em relação às ações de controle concentrado de constitucionalidade, mas expô-las neste momento escaparia aos limites do presente trabalho.

Todavia, uma importante peculiaridade ainda deve ser destacada: as ações de controle concentrado de constitucionalidade são consideradas como ações dúplices. Isto é, quando se julga improcedente o pedido formulado no bojo de determinada ação direta de inconstitucionalidade, está-se confirmando a constitucionalidade da norma impugnada. Ao passo que, quando se julga improcedente o pedido formulado em sede de ação declaratória de constitucionalidade, está-se declarando inconstitucional a norma em exame.

Esta concepção, inclusive, foi consagrada pelo legislador no art. 24 da lei 9.868/99:

Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

Tal peculiaridade é de fundamental importância para o presente trabalho, consoante será explorado mais adiante.

Outrossim, quando uma decisão do Supremo declara inconstitucional determinada lei ou ato normativo, uma relevante indagação pode ser levantada pelos indivíduos que tenham contato inicial com a matéria: esta decisão opera efeitos (ex tunc) ou para o futuro somente (ex nunc)? Considerando a relevância do tema para este estudo, responderemos ao questionamento em capítulo específico, conforme a seguir. 

3. Princípio da nulidade vs princípio da anulabilidade

A análise de qualquer ato jurídico, seja ele normativo ou não, sempre deve passar pelo exame dos três planos distintos: plano da existência, plano da validade e plano da eficácia. Sobre o tema, versando especificamente sobre os três planos distintos relativos aos atos normativos, esclarece Carlos Alberto Navarro Perez:

Do que se infere da doutrina, em apertada síntese, existência é questão afeta ao mundo dos fatos, evidenciada pela incorporação da norma a um sistema de direito positivo; validade é a relação de conformidade da norma jurídica com as normas que lhe são superiores; vigência é a condição mínima para a norma estar apta a produzir efeitos; e eficácia é a produção dos efeitos previstos na norma, em face da efetiva ocorrência do suporte fático10.

Tomando por base essa linha de raciocínio, a inconstitucionalidade de determinado ato normativo atua no campo da validade, uma vez que foi editado em desconformidade com a norma que lhe é superior, a Constituição no caso. Em complemento, “o problema da inconstitucionalidade situa-se no plano da validade dos atos legiferantes, pressupondo a existência do ato e afetando-o ou podendo afetá-lo no plano da eficácia11.

Em outras palavras, em que pese o ato normativo produzido em desconformidade com o Texto Constitucional seja evidentemente inválido, ele existe, por possuir os seus elementos estruturantes, e pode ou não produzir efeitos, podendo, assim, atuar no plano da eficácia.

Embora seja óbvio considerar o ato normativo incompatível com a Constituição inválido, esta obviedade não costuma estar expressa nos textos constitucionais, quer no direito comparado, quer nas constituições que já vigoraram no Brasil e na que atualmente vige, a de 1988.

Na realidade, a decretação de inconstitucionalidade dos atos incompatíveis com a Constituição trata-se de uma das formas de assegurar a sua força normativa, como bem salientam Gilmar Mendes e Paulo Gonet:

Não se afirma, hoje, o dogma da nulidade com a mesma convicção de outrora. A disciplina emprestada aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo constituinte austríaco (1920-1929) e os desenvolvimentos posteriores do tema no direito constitucional de diversos países parecem recomendar a relativização dessa concepção unitária de inconstitucionalidade.

É inegável, todavia, que a ausência de sanção retira o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica.

Nessa linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória. E não se afigura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de órgão incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição.12

Ante a lacuna nos mais diversos textos constitucionais acerca dos efeitos da decisão que decreta a inconstitucionalidade, coube à doutrina e à jurisprudência indicar qual o rigor da sanção atribuível ao ato normativo que for produzido em desconformidade com a Carta Magna, como bem destaca Teoria Albino Zavascki:

A sentença que afirma a constitucionalidade da norma tem natureza declaratória: ela declara que a norma é compatível com a Constituição e, consequentemente, é válida. Da mesma forma, é declaratória a sentença que afirma a inconstitucionalidade. É que o vício da inconstitucionalidade acarreta a nulidade da norma, conforme orientação assentada há muito tempo no Supremo Tribunal Federal e abonada pela doutrina dominante entre nós13.

Observa-se, assim, que a teoria dominante no sistema jurídico brasileiro é a da nulidade, segundo a qual a lei ou ato normativo editado em desconformidade com a Constituição deve ser considerado nulo desde a sua origem. A decisão judicial que reconhece a sua inconstitucionalidade, como regra, opera, assim, efeitos retroativos, possuindo eficácia ex tunc.

Todavia, em contrapartida, embora a teoria ou princípio da nulidade seja o aplicável no sistema jurídico brasileiro, não se pode negar a existência da doutrina que prega que o ato normativo inconstitucional é anulável e que a decisão que decreta a sua inconstitucionalidade não a declara, mas desconstitui a norma até então vigente. É verdade que não se trata de doutrina dominante no direito brasileiro, como bem destacado por Teori Zavascki no excerto acima, mas não é possível relegar a sua existência.

O entendimento segundo o qual o ato normativo editado em desconformidade com a Constituição é anulável decorre precipuamente do fato de que as leis gozam de presunção relativa de constitucionalidade, presunção esta que somente poderá ser afastada mediante decisão judicial nesse sentido.

O modelo de controle de constitucionalidade austríaco, ainda com base nos ensinamentos de Hans Kelsen, segue esse entendimento, conforme destacam Eduardo Arruda Alvim Rennan Kruger Thamay e Daniel Willian Granado:

O sistema austríaco, anunciado por Hans Kelsen, com maior cautela, afasta a teoria da nulidade, adotando a teoria da anulabilidade com variantes, podendo a decisão ter efeitos prospectivos, inclusive, diferentemente do que vinha sendo observado pelo sistema estadunidense14.

Também se debruçando sobre o modelo austríaco, nos ensinam Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes:

O modelo austríaco não reconhece caráter meramente declaratório à pronúncia de inconstitucionalidade. Já em 1932 deixava assente o Verfassungsgerichtshof que “uma lei contrária à Constituição não pe inválida, ou melhor, não é absolutamente nula, mas sim um ato inconstitucional, que preserva força jurídica até a cassação” [...]

A pronúncia de nulidade tem eficácia ex nunc (a contar da data da publicação do julgado), salvo se o Tribunal estabelecer prazo para entrada em vigor da cassação (Constiuição, art. 140, §5º, 2º período). De qualquer forma, esse prazo não exceder dezoito meses (art. 140, §5º, 3º período)15.

São ainda mais lapidares os ensinamentos de Carlos Alberto Navarro Perez sobre o tema:

Como restou demonstrado em momento anterior, Hans Kelsen organizou um modelo de fiscalização que, dentre outras notas, privilegiava a segurança jurídica e outros valores constitucionais, por preservar efeitos da norma inconstitucional e evitar mudanças repentinas no plano normativo. Ainda, o modelo proposto evidenciava o respeito ao produto das opções políticas formuladas pelos representantes do povo com assento no Parlamento, enaltecendo as instituições da democracia. Mediante o manejo de recursos previstos no próprio ordenamento, era possível preservar a validade da norma, até o advento do ato invalidatório16.

O que observa, desse modo, é que a teoria ou princípio da anulabilidade, cujo maior expoente foi Hans Kelsen, privilegia a segurança jurídica, vez que assegura a mantença das relações formadas sob a égide da lei ou do ato normativo que teve posteriormente a sua constitucionalidade desconstituída. Tal opção privilegia também a democracia, uma vez que assegura a produção de efeitos, ainda que contrários à Constituição, dos atos normativos que emanaram dos representantes do povo na Casa Legislativa.

Nessa ordem de ideias, considerando o direito comparado, convivem, de um lado, a teoria da nulidade, que prega que ato normativo inconstitucional o é desde a sua origem, possuindo, a decisão que reconhece tal inconstitucionalidade, natureza jurídica declaratória e, portanto, opera efeitos ex tunc, retroativos; e, do outro, o modelo austríaco, que prega que o ato inconstitucional é anulável e a decisão que reconhece a sua inconstitucionalidade tem natureza constitutiva ou mais especificamente constitutiva negativa, ou seja, os efeitos temporais da decisão são ex nunc.

No direito brasileiro, como visto, a despeito da lacuna constitucional a respeito do tema, a doutrina e a jurisprudência já se posicionaram de há muito no sentido de ser nulo o ato normativo editado em desconformidade com a Constituição. Mas, não obstante, o legislador infraconstitucional tratou de consagrar o entendimento já reinante no seio doutrinário e jurisprudencial.

Com efeito, a lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, reconheceu expressamente que a natureza jurídica da decisão, em sede de controle concentrado, que reconhece a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo é declaratória, conforme consta da primeira parte do art. 27: “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo...”, dentre outros exemplos espalhados naquele diploma normativo.

Ao assim proceder, o legislador positivou o entendimento firmado de há muito no seio jurisprudencial e doutrinário no sentido de que o direito brasileiro se curvou à teoria ou princípio da nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional.

Todavia, em que pese a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo operando efeitos retroativos (ex tunc) seja a regra no ordenamento jurídico brasileiro, em decorrência de razões de segurança jurídica, relevante interesse social ou qualquer outro bem também tutelado pelo Texto Constitucional, sempre se admitiu a modulação dos efeitos temporais daquela decisão, antes mesmo da expressa previsão legislativa, sob o argumento de que

[...] A modulação temporal das decisões em controle judicial de constitucionalidade decorre diretamente da Carta de 1988 ao consubstanciar instrumento voltado à acomodação otimizada entre o princípio da nulidade das leis inconstitucionais e outros valores constitucionais relevantes, notadamente a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima [...] (ADI-QO 4425, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, julgado em 25/3/15, publicado em 4/8/15, Tribunal Pleno).

Considerando a especificidade do tema e a sua relevância para o presente estudo, trataremos em tópico destacado a seguir.

4. Modulação dos efeitos da decisão que julgada inconstitucional lei ou ato normativo

Como visto, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal tem o condão de expurgar do ordenamento jurídico a regra legal impugnada. Adotando-se o princípio da nulidade, tal como o é pelo direito brasileiro, todas as relações jurídicas perfectibilizadas sob a égide daquela lei ou ato normativo declarado inconstitucional pela Corte Suprema seriam atingidos pela decisão judicial.

Ocorre que a aplicação pura e simples do princípio da nulidade a todos os casos de declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo acabaria por violar a segurança jurídica, já que, em última instância, poderia atingir, em tese, até mesmo o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada - direitos fundamentais cristalizados no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil – aperfeiçoadas sob a batuta da lei ou ato normativo posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Foi justamente para evitar estas incongruências do sistema de controle de constitucionalidade das leis que a doutrina e a jurisprudência de há muito admitiram a modulação dos efeitos da decisão. É dizer, restringe-se a eficácia da decisão judicial declaratória de inconstitucionalidade para salvaguardar a segurança jurídica. De há muito o Supremo Tribunal Federal adotara este posicionamento17.

A modulação dos efeitos é, assim, nos dizeres de Carlos Alberto Navarro Perez, “espécie de provimento intermediário da jurisdição constitucional, tendente a ajustar, no tempo, o alcance da sanção, de modo a evitar lesão ao princípio da segurança jurídica ou a outro interesse tutelado pela Constituição18.

Em que pese a extirpação, desde a sua origem, do ato normativo editado em desconformidade com a Constituição seja a melhor opção do ponto de vista sistêmico, nem sempre esta regra poderá ser observada em razão do princípio da segurança jurídica, razão pela qual por vezes é necessário lançar mão da modulação temporal dos efeitos da decisão judicial.

4.1. Modulação como decorrência do princípio da segurança jurídica

Como visto, o princípio da segurança jurídica foi, é e sempre será um dos nortes principais para fins de se estabelecer a necessidade ou não de haver modulação temporal dos efeitos da decisão judicial que declara, no sistema brasileiro, a nulidade de determinada lei ou ato normativo.

A observância do princípio da segurança jurídica no dimensionamento (ou modulação) dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade da lei faz-se necessária a fim de evitar o atingimento de situações jurídicas já consolidadas. Tais situações jurídicas, assim como a higidez constitucional, são igualmente tuteladas pela Constituição, a teor do que dispõe o art. 5º, XXXVI, do Texto Constitucional, por exemplo.

O objetivo da declaração de inconstitucionalidade é restaurar o estado de constitucionalidade por ela violado: declara-se nulo o ato normativo, expurgando-o do ordenamento jurídico, a fim de que a constitucionalidade sistêmica seja restabelecida. Mas nem sempre a declaração de nulidade, ao operar efeitos retroativos, restabelecerá o estado de constitucionalidade já que, em determinadas situações, o princípio da segurança jurídica poderá ser violado, que acabará por acarretar outra situação de inconstitucionalidade, mas desta feita no caso concreto. Daí a necessidade de fazer a modulação temporal dos efeitos da decisão.

Com efeito, tem-se, assim, uma ambiguidade na aplicação do princípio da segurança jurídica nas decisões que declaram a inconstitucionalidade da norma: de um lado, os indivíduos que confiaram na sua presunção de constitucionalidade e, com base nela, consolidaram situações jurídicas e, do outro, os indivíduos que confiaram na aplicação de sanção para o ato normativo editado em desconformidade com a Constituição.

São lapidares as lições de Humberto Ávila quanto ao ponto:

[...] a decisão de manter os efeitos de atos inválidos com base no princípio da segurança jurídica deve analisar todos os efeitos decorrentes da inversão da consequência normal pelo descumprimento das normas: a mesma segurança jurídica que pode ser usada para manter as leis contrárias à Constituição com a finalidade de proteger a confiança de alguns que confiaram na validade de leis cuja constitucionalidade era presumida também pode ser utilizada com o fim de proteger a confiança de outros que confiaram na aplicação da consequência prevista para o descumprimento das leis contrárias à Constituição19.

É justamente por haver este conflito segurança jurídica versus segurança jurídica que a modulação dos efeitos deve ser encarada de foram excepcionais, como mais uma ressalta Humberto Ávila:

O caso objeto de modulação eficacial deve ser realmente excepcional. Essa excepcionalidade deve estar vinculada à dificuldade de repetitividade no caso no futuro. Toda manutenção de efeitos passados de leis inconstitucionais envolve um “contrassentido”: como a norma constitucional, que deveria ter sido respeitada, foi violada, mas os efeitos da violação não foram desencadeados, a transgressão constitucional é, ainda que indiretamente, incentivada, pela ausência de consequências decorrentes da violação. Sendo assim – e utilizando uma linguagem mais afeita ao tema da segurança jurídica -, toda manutenção de efeitos de leis inconstitucionais envolve um conflito interno entre as dimensões temporais da própria segurança jurídica: mantém-se a segurança jurídica no passado, pela preservação da intangibilidade dos atos praticados ou dos efeitos produzidos, mas, ao mesmo tempo, restringe-se a segurança no futuro, pelo incentivo à prática de novo ato inconstitucional20. 

Assim, em que pese a segurança jurídica seja o vetor para se efetuar a modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, ela também o será para negar a sua efetivação, quando se leva em consideração a justa expectativa dos indivíduos de ver a correta sanção aplicada às leis editadas em desconformidade com a Constituição: declaração de nulidade com efeitos retroativos. É essa ponderação que deve ser feita pelo Supremo Tribunal Federal enquanto guardião da Constituição República Federativa do Brasil.

4.2. Os contornos dados pelo legislador brasileiro

A despeito da excepcionalidade da medida, o legislador ordinário trouxe requisitos que devem ser observados pelo Supremo Tribunal Federal quando pretender conferir eficácia prospectiva às suas decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Com efeito, como já indicado anteriormente, desde o ano de 1999 vigora no ordenamento jurídico brasileiro regra expressa acerca da possibilidade de se fazer a modulação temporal dos efeitos da decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade. Está-se falando da lei 9.868/99, mais precisamente acerca do seu art. 27:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

A roupagem legal brasileira plasmada neste art. 27 “foi inspirada na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha21, conforme destaca Humberto Ávila. Indica, ainda, o professor da Universidade de São Paulo (USP) que, embora o Tribunal Alemão possua várias formas de atribuir efeitos a decisões,

Normalmente, quando entende que a lei é incompatível com a Constituição, o Tribunal profere uma declaração de inconstitucionalidade, cujo efeito é a declaração de inconstitucionalidade desde o início da vigência da lei incompatível com a Constituição, com a sua consequente cassação. Ao lado desse tipo de decisão há também a declaração de incompatibilidade22. 

Em relação à declaração de incompatibilidade do Tribunal Alemão, complementa o autor:

Na declaração de incompatibilidade, o Tribunal, apesar de considerar que a lei viola a Constituição, decide manter os efeitos da lei para o passado ou para algum momento no futuro, por entender que a só declaração de nulidade da lei não restauraria, ou, pelo menos, não automaticamente, o estado de constitucionalidade23.

A declaração de incompatibilidade no direito alemão corresponde à modulação temporal dos efeitos positivada pelo legislador brasileiro no art. 27 da lei 9.868/99.

Pelo teor do dispositivo, percebem-se os seguintes condicionantes legais para que o Supremo Tribunal Federal possa modular os efeitos das decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de ADC e ADI: i) segurança jurídica ou excepcional interesse público (requisito material ou subjetivo); ii) maioria de dois terços de seus membros (requisito formal ou objetivo). A consequência, ainda segundo o dispositivo, é a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal “restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

Quanto ao requisito objetivo, qual seja, a maioria de dois terços dos seus membros, é de fácil constatação. Considerando que o Supremo Tribunal Federal é composto por 11 (onze) Ministros, a maioria de dois terços será formada pelo voto de 8 (oito) deles.

O que merece destaque quanto a este requisito é uma aparente incongruência do sistema. É que para que determinada lei ou ato normativo sofra a sanção da nulidade por meio da declaração de inconstitucionalidade, basta o voto favorável da maioria absoluta dos membros do Tribunal, ou seja, 6 (seis) votos, considerando que a Corte esteja com a sua composição completa. Enquanto para se modular os efeitos temporais de uma decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade é necessário um quórum mais qualificado: 8 (oito) dos 11 (onze) julgadores.

O sistema considera, assim, mais grave e, portanto, exige maior rigorismo, a modulação temporal dos efeitos da decisão do que a pronúncia de inconstitucionalidade propriamente dita. Parece haver, assim, uma contradição: como pode a medida mais extrema, que é a extirpação do ato normativo do mundo jurídico, possuir requisito objetivo mais simplório do que a medida mais simples, o dimensionamento temporal dos efeitos da decisão? Em que pese a aparente incongruência, este é o regramento que vigora atualmente no direito brasileiro.

Quantos aos requisitos de ordem material, por sua vez, quais sejam, “razões de segurança jurídica” ou de “excepcional interesse social”, a sua identificação é muito mais subjetiva. E, além disso, por tratar-se de conceitos abertos e indeterminados, as razões de segurança jurídica e o excepcional interesse social não pode ser identificado de forma apriorística, mas sim à luz do caso concreto.

É dizer, não há uma fórmula pré-determinada que indique se essa ou aquela situação jurídica formada sob a égide do ato normativo declarado inconstitucional se enquadra no conceito de “razões de segurança jurídica” ou “excepcional interesse social”, o exercício de subsunção dos casos concretos (situação jurídica) à hipótese legal (segurança jurídica e relevante interesse social) deve ser feito caso a caso, julgamento a julgamento.

Com o intuito de ao menos trazer balizas para o preenchimento destes requisitos, Humberto Ávila propõe que adote, no mínimo, as seguintes condutas:

(a) Fundamentar (expressamente) qual é a norma constitucional cuja utilização está servindo de justificativa para a manutenção dos efeitos pretéritos do ato inconstitucional; justificar (expressamente) o afastamento da regra da nulidade ex tunc do ato inconstitucional.

(b) Justificar (expressamente) a necessidade imperiosa do afastamento da regra de nulidade ex tunc do ato inconstitucional para a manutenção do estado de constitucionalidade.

(c) Comprovar (documental ou presumidamente, quando possível) os efeitos negativos decorrentes da decretação de nulidade ex tunc do ato inconstitucional para o estado de constitucionalidade24.

Assim, para se concretizar a modulação temporal dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade é de todo recomendável que o Tribunal demonstre qual seria o impacto negativo em relação às situações jurídicas consolidas à luz do ato inconstitucional. Somente assim, poder-se-ia conferir concretude aos conceitos indeterminados previstos no art. 27 da lei 9.868/99.

Para concluir o tema, duas outras observações fazem-se necessárias: a) o art. 11 da lei 9.882/99 faculta ao Supremo Tribunal Federal a modulação temporal dos efeitos da decisão também em sede de arguição de descumprimento fundamental nos mesmos moldes do art. 27 acima mencionado; e b) o novo Código de Processo Civil de 2015 traz regras pormenorizadas em relação à impugnação de título executivo judicial firmado à luz de ato normativo que foi posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal:

Art. 525.  Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

[...]

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

§ 12.  Para efeito do disposto no inciso III do § 1o deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

§ 13.  No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.

§ 14.  A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 15.  Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

5. Declaração de constitucionalidade e modulação dos efeitos da decisão

Pelo que fora exposto até aqui, em sede de declaração judicial de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não remanesce a menor dúvida acerca da possibilidade de haver modulação temporal dos efeitos da decisão. Mas e quanto à possibilidade de se modular os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que reafirmar a presunção de constitucionalidade do ato normativo submetido a exame? É justamente a resposta a esta indagação que buscaremos identificar nesse momento.

Como parâmetro inicial de discussão, tomaremos por base a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos embargos de declaração opostos em face do acórdão proferido no julgamento do mérito da ADI 3.756/DF.

A Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade, ADI 3.756/DF, com o objetivo de questionar o inciso II do §3º do art. 1º, bem como os incisos II e III do art. 20 da lei complementar 101/00, Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo a autora,

Se o Distrito Federal tem seus poderes organizados à semelhança do modelo previsto para os Municípios, não é razoável atribuir-lhe, no que diz respeito à repartição de despesas entre Poderes, o mesmo tratamento dispensado aos Estados, cuja organização é bastante distinta daquela reservada pelo texto constitucional ao Distrito Federal. [...] a interpretação de que toda e qualquer referência da LRF aos Estados abarca o Distrito Federal, haveria uma dupla violação ao princípio da isonomia, pois, ao impor ao Distrito Federal a repartição observada pelos Estados, a LRF estaria, ao mesmo tempo, afastando a possibilidade de ser observada a repartição prevista para os Municípios.25

Ao final, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal pugnou:

Redução sistemática do alcance literal dos artigos 1º, §3º, inciso II, e 20, II, da LRF, de modo a prevalecer que: a) a referência da LRF aos Estados somente alcança o Distrito Federal quando isso se revelar cabível; b) a fórmula de repartição, entre os órgãos dos Estados, do limite global de despesas com pessoal não é aplicável ao Distrito Federal; c) deve o Distrito Federal observar a fórmula de repartição do limite global prevista para os Municípios, uma vez que com eles guarda identidade quanto à organização político-administrativa26.

Pelo que se percebe do pedido, a Mesa Diretora questionava por meio da ação direta a aplicabilidade do limite de 3% (três por cento) em relação aos gastos do Poder Legislativo com pessoal, entendendo que a interpretação correta seria o índice de 6% (seis por cento), ao argumento de que, na espécie, o Distrito Federal se aproximaria muito mais da natureza jurídica de município do que da de Estado.

Ao final do trâmite processual, os pedidos formulados na ação foram julgados integralmente improcedentes à unanimidade. Isto é, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal indicados, concluindo que ao Poder Legislativo do Distrito Federal deve ser aplicado o índice máximo de 3% (três por cento) no que se refere ao limite global para gastos com pessoal.

Em face do acórdão, a Mesa Diretora autora opôs embargos de declaração aduzindo, em síntese, que, pautada na decisão 9.475/00 do Tribunal de Contas local, a Câmara Legislativa do Distrito Federal havia interpretado desde então no sentido de que, no que se refere ao limite de gastos com o pessoal, deveria ser observado o percentual de 6% (seis por cento) e não 3% (três por cento), diversamente do que entendeu o Supremo, razão pela qual a embargante requereu que o Tribunal modulasse no tempo os efeitos da decisão.

Em que pese a estranheza inicial do pedido, já que, ao julgar improcedentes os pedidos formulados na ação direta de inconstitucionalidade, o Tribunal reconhecera a presunção de constitucionalidade da norma impugnada, os declaratórios foram acolhidos para esclarecer que o cumprimento da decisão deveria ocorrer a partir da publicação da ata de julgamento do mérito da ADI 3.756, conforme se observa da sua ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ILEGITIMIDADE RECURSAL DO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL. ACOLHIMENTO PARCIAL DOS EMBARGOS MANEJADOS PELA MESA DA CÂMARA DO DISTRITO FEDERAL. [...] 2. No julgamento da ADI 3.756, o Supremo Tribunal Federal deu pela improcedência do pedido. Decisão que, no campo teórico, somente comporta eficácia ex tunc ou retroativa. No plano dos fatos, porém, não há como se exigir que o Poder Legislativo do Distrito Federal se amolde, de modo retroativo, ao julgado da ADI 3.756, porquanto as despesas com pessoal já foram efetivamente realizadas, tudo com base na decisão 9.475/00, do TCDF, e em sucessivas leis de diretrizes orçamentárias. 3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos para esclarecer que o fiel cumprimento da decisão plenária na ADI 3.756 se dará na forma do art. 23 da LC 101/2000, a partir da data de publicação da ata de julgamento de mérito da ADI 3.756, e com estrita observância das demais diretrizes da própria Lei de Responsabilidade Fiscal.

(ADI 3756 ED, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/07, DJe-147 DIVULG 22-11-2007 PUBLIC 23-11-2007 DJ 23-11-2007 PP-00029 EMENT VOL-02300-02 PP-00260 RTJ VOL-00205-01 PP-00124)

Não há dúvida de que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a norma impugnada, já que, como visto, as ações de controle concentrado são espécies de ações dúplices: a improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade representa a declaração de constitucionalidade e vice-versa.

Desse modo, é inegável que a improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade dos art. 1º, §3º, II e art. 20, II e III, ambos da Lei de Responsabilidade Fiscal, acabou por reafirmar a presunção de constitucionalidade que milita em favor destes dispositivos. Quanto a isso não há dúvida.

E a declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo opera sempre efeitos retroativos, até mesmo porque

A modulação de efeitos é própria da declaração de inconstitucionalidade, já que, tendo a lei presunção de constitucionalidade, a sua confirmação não altera o estado de coisas anteriormente existente, não havendo razão para qualquer tipo de restrição aos efeitos da decisão27.

Ocorre que em situações excepcionais em que a situação jurídica se consolidou de forma imodificável com fundamento em interpretação inconstitucional na norma infraconstitucional, é possível pensar na modulação temporal dos efeitos da declaração de constitucionalidade.

Este é precisamente o caso tratado na ADI 3.756/DF: o Poder Legislativo do Distrito Federal adotou condutas reiteradas consistente em limitar os seus gastos com pessoal em 6% (seis por cento), quando deveria ser 3% (três por cento), condutas estas que se pautaram na decisão 9.475/00 do Tribunal de Contas do Distrito Federal. É dizer, a partir da decisão do TCDF, o Legislativo Distrital adotou condutas – ilegais - contrárias à regra da Lei de Responsabilidade Fiscal que, 7 (sete) anos depois, teve a sua constitucionalidade reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, a regra legal impugnada por meio da ação direta era ao tempo do seu julgamento, e sempre foi, constitucional. As condutas do Legislativo Distrital é que foram desenvolvidas durante sete anos de forma incompatível com o que determinava a norma infraconstitucional que teve a sua presunção de constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, tais condutas ilegais não se deram de forma deliberada, mas sim de manifesta boa-fé, já que calcada na decisão 9.475/00 do Tribunal de Contas do Distrito Federal, como bem destacado pelo Min. Ayres Britto, relator da ADI:

[não há] como fazer o moinho orçamentário retroceder; ou seja, não há como fazer refluir essa água orçamentária, porque a verdade é que durante os sete anos de existência da lei esse percentual extrapolante foi praticado. Agora, foi praticado – eu entendo – de boa-fé, devido a que lastreado numa autorização formal do Tribunal de Contas do Distrito Federal, assim como em leis de diretrizes orçamentárias28.

A situação fática vivenciada no caso concreto se amolda ao fenômeno identificado por Eduardo Talamini:

É possível, ainda, o emprego da técnica da modulação para preservar efeitos de atos praticados à época em que se supunha, por força de firme orientação jurisprudencial, ser inconstitucional o ato normativo só depois declarado constitucional.

Nessa hipótese, obviamente a modulação não consiste em tratar como inconstitucional a norma que é constitucional. A técnica da modulação expressa-se, isso sim, pelo reconhecimento de que houve uma mudança na interpretação constitucional (que conduz a agora se ter por constitucionalmente legítimo) – devendo-se preservar os efeitos dos atos praticados sob a égide da interpretação anterior29.

No caso da ADI 3.756/DF não se tratava de alteração da jurisprudência consolidada do Tribunal, mas sim de caso análogo: condutas praticadas com fulcro em decisão da Corte de Contas local.

De qualquer sorte, o que houve, de fato, foi a modulação temporal dos efeitos da decisão que declarou constitucional dispositivo legal questionado em sede de controle concentrado, superando inclusive a jurisprudência consolidada do Supremo retratada nas palavras do Min. Eros Grau no seu voto no julgamento do RE 353.657/PR:

O preceito respeita à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, quando se manifestem razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Cuida dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade. Repito: inconstitucionalidade. O preceito visa a minimizar eventuais efeitos perniciosos decorrentes da retroatividade dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade. Declarações de constitucionalidade não geram efeitos perniciosos ao operarem retroativamente. Para tanto devem existir. Declarações judiciais de constitucionalidade de qualquer porção do ordenamento apenas o confirmam, positivamente. Não se modulam declarações de constitucionalidade de leis ou atos normativos – toda a gente sabe disso30.

Em que pese as palavras do Min. Eros Grau sejam em regra irretocáveis, é possível imaginar sim situações em que não é possível conferir eficácia retroativa à declaração de constitucionalidade da norma impugnada em juízo. E o julgamento da ADI 3.756 evidência justamente isso: caso se admitisse a retroação dos efeitos da decisão, o Poder Legislativo Distrital seria obrigado a refazer o seu orçamento dos últimos sete anos e a partir dele remodelar a estrutura de pessoal retroativamente, sendo necessário inclusive extirpar as pessoas que estivessem em excesso retroativamente (!!!). Vê-se que se trata de situação impossível faticamente de ser concebida, já que, como bem destacou o Min. Relator Ayres Britto “não há como fazer refluir essa água orçamentária”, as despesas já foram realizadas.

Nessa perspectiva, é de se concluir que, por mais absurdo que possa parecer em uma primeira análise, é possível existir situações em que a declaração de constitucionalidade necessite ser modulada temporalmente para salvaguardar os fatos pretéritos já consumados e impossíveis de serem revistos, desde que a interpretação inconstitucional dada à norma tenha sido feita de boa-fé.

6. Conclusão

As Constituições escritas em geral não possuem apenas diretrizes, orientações, mas sim conformam regras e princípios que devem ser observados, sob pena de os atos, normativos ou não, praticados ou editados em incompatibilidade com a sua norma serem considerados inconstitucionais.

A (in)constitucionalidade das leis ou atos normativos é fiscalizada, no direito brasileiro, dentre outras formas, tanto pelo controle concentrado e abstrato, como pelo controle difuso e concreto.

No Brasil, por serem considerados inválidos, os atos normativos e as leis editados em desconformidade, material ou formal, com a Constituição da República Federativa do Brasil seguem a regra do princípio da nulidade. Isto é, a incompatibilidade constitucional verificada existe desde a sua origem e, em razão disso, a decisão judicial que julga inconstitucional lei ou ato normativo tem natureza jurídica declaratória e opera efeitos retroativos, ex tunc.

Vigora no direito comparado, todavia, sobretudo no direito austríaco, em contraposição ao sistema jurídico brasileiro, o princípio da anulabilidade dos atos normativos inconstitucionais. Segundo tal entendimento, por gozarem de presunção de constitucionalidade, os atos normativos somente tornar-se-iam inconstitucionais a partir da prolação de decisão judicial que assim os constituíssem. Ao revés, no direito brasileiro, por vigorar o princípio da nulidade, as leis e os atos normativos inconstitucionais o são desde a sua origem.

Ocorre que, de há muito, a doutrina e a jurisprudência brasileiros admitiram, com o objetivo de preservar a segurança jurídica, a modulação temporal dos efeitos da decisão. É dizer, o Tribunal poderia restringir os efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, podendo ser afastado o princípio da nulidade para que a decisão passe a possuir eficácia prospectiva, ex nunc.

Em 1999, o legislador, reconhecendo a doutrina e a jurisprudência já consolidadas sobre o tema, editou a lei 9.868/99, passando a permitir expressamente a chamada “modulação dos efeitos da decisão” em sede de controle concentrado de constitucionalidade (art. 27). A partir de então, considerando a segurança jurídica ou relevante interesse social, o Supremo Tribunal Federal poderia afastar o princípio da nulidade de conferir eficácia à decisão em perspectiva fundado, agora, em expressa previsão legislativa.

Celeuma pouco discutida nessa seara é a possibilidade de se modular os efeitos da decisão que reafirma a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado, declarando-os constitucional. Isto porque, quando o Supremo Tribunal Federal declara constitucional determinada lei ou ato normativo, tal decisão, por óbvio, opera, como regra, efeitos retroativos, já que, no caso, apenas reafirma a presunção de constitucionalidade que milita em favor das leis. Certifica-se apenas hipótese normativa já existente.

Ocorre que, em situações excepcionais, em que é faticamente impossível retroagir os efeitos da declaração de constitucionalidade da lei ou ato normativo, a exemplo do que apurado no julgamento da ADI 3756/DF, é possível haver a modulação dos efeitos da declaração de constitucionalidade, em que pese o Supremo Tribunal Federal já tenha se posicionado em sentido contrário.

Busca-se tutelar, assim, as situações consolidadas de boa-fé e, como regra, formadas a partir de jurisprudência ou decisões aparentemente legítimas. Foi justamente o que aconteceu no julgamento da ADI 3.756/DF: o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da declaração de constitucionalidade da regra constante da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) que impõe ao Poder Legislativo do Distrito Federal o limite máximo de 3% (três por cento) em relação aos gastos com pessoal. E assim o fez em razão do fato de que, no caso concreto, o Poder Legislativo Distrital, desde a edição da LRF (2000) vinha considerando que o limite máximo para despesas com pessoal era de 6% (seis por cento), conduta esta pautada em decisão proferida pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal.

Desse modo, é possível concluir que, a depender do caso concreto, pode haver sim modulação temporal dos efeitos da decisão que declarara constitucional lei ou ato normativo questionado em sede de controle concentrado.

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1 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Tradução de Walter Stönner. 6ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, pág. 10. 

2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 38ª ed. rev., atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, pág. 48. 

3 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, págs. 13/14.

4 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ª ed. rev. Coimbra: Almedina, 1998, pág. 917.

5 Nesse sentido destaca Dirley da Cunha Júnior: “A arguição de descumprimento fundamental é uma criação brasileira, sem paralelo no direito comparado.” CUNHA JR., Dirley da. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. In: DIDIER JR, Fredie (organizador). Ações Constitucionais. Salvador: Edições Jus Podivm, 2006, pág. 432. 

6 Idem.

7 Ibidem.

8 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6ª ed. rev. e atual., 2ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, pág. 1336. 

9 ZAVASCKI, Teori Albino. op. cit., pág. 43.

10 PEREZ, Carlos Alberto Navarro. Declaração de inconstitucionalidade: a modulação dos efeitos temporais. Teoria constitucional e aplicação. Curitiba: Editora Juruá, 2014, pág. 48.

11 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis no Brasil: perspectivas de evolução. São Paulo: Saraiva, 2010, págs. 62/63.

12 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6ª ed. rev. e atual., 2ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, pág. 1057.

13 ZAVASCKI, Teori Albino. op. cit., pág. 48.

14 ALVIM, Eduardo Arruda; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pág. 116.

15 MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade. Comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pág. 499.

16 PEREZ, Carlos Alberto Navarro. Declaração de inconstitucionalidade: a modulação dos efeitos temporais. Teoria constitucional e aplicação. Ob. cit.., pág. 115.

17 O entendimento de que a modulação dos efeitos da decisão, como decorrência do princípio da segurança jurídica, sempre foi possível pode ser exemplificado nos seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal: ADI nº 2.240; ADI nº 2.501; ADI nº 2.904; ADI nº 2.907; ADI nº 3.022; ADI nº 3.315; ADI nº 3.316; ADI nº 3.430; ADI nº 3.458; ADI nº 3.489; ADI nº 3.660; ADI nº 3.682; ADI nº 3.689; ADI nº 3.819; ADI nº 4.001; ADI nº 4.009; ADI nº 4.029.

18 PEREZ, Carlos Alberto Navarro. Declaração de inconstitucionalidade: a modulação dos efeitos temporais. Teoria constitucional e aplicação. Ob. cit.., pág. 123.

19 ÁVILA, Humberto.Teoria da segurança jurídica. 3ª ed., rev., atual., e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, pág. 555

20 Idem, pág. 580.

21 Ibidem, pág. 518.

22 Ibidem, pág. 518.

23 Ibidem, págs. 518/519. 

24 Ibidem, pág. 594.

25 O excerto foi extraído da petição inicial da ADI 3.756/DF às fls. 17 e 21.

26 Idem, fl. 26.

27 ÁVILA, Humberto.Teoria da segurança jurídica. Ob. Cit., pág. 551.

28 ED na ADI n.º 3.756, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 23.11.2007.

29 TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional brasileira: repercussão geral, força vinculante, modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade e alargamento do objeto do controle direto. São Paulo: tese apresentada para o concurso à livre-docência do Departamento de Direito Processual – Área de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, pág. 219.

30 STF, RE 353.657, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07.03.2008.

Edvaldo Barreto Jr.
Advogado. Sócio fundador do escritório Barreto Dolabella Advogados. Head da Área de Direito Publicitário e Contratações Públicas. Procurador do Distrito Federal. Mestre em direito. MBA em Marketing

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