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Bioética e Direito: Algumas ponderações sobre reprodução assistida e o "bebê medicamento"

É imprescindível que os genitores, antes de optarem pela reprodução assistida que trará ao mundo um bebê compatível com o filho doente, já nascido, devem ter integral certeza de que este novo filho será amado em razão dele mesmo.

10/8/2022

A biotecnologia proporciona significantes conhecimentos, práticas e métodos com o intuito de prolongar a vida, melhorar a qualidade de vida e também de adiar o processo de morte. A bioética, por sua vez, indica um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares, objetivando refletir acerca das soluções para questões éticas provocadas (VIEIRA, 2000) principalmente pela evolução das tecnociências biomédicas.

A nosso ver, a reprodução assistida (RA) em humanos continua sendo um dos temas mais intrigantes, uma vez que proporciona diversas implicações éticas, sociais e morais. O interesse pela análise deste tema se ampliou ainda mais, quando se decifrou o código genético humano, revelando novos recursos de manipulação científica.

Justamente em decorrência das consequências relacionadas aos conflitos morais, ainda não há no Brasil uma lei que regulamente as técnicas de reprodução assistida, ficando a sua regulamentação  a cargo do Conselho Federal de Medicina, por meio de resoluções.

Atualmente, a Resolução CFM 2.294/21 é quem regula por meio de normas éticas a utilização das técnicas de reprodução assistida, observando os princípios éticos e bioéticos que contribuem na segurança e eficácia dos tratamentos e procedimentos realizados pelos médicos. Segundo referida Resolução, as técnicas de Reprodução Assistida podem ser empregadas desde que exista possibilidade de sucesso e pouca probabilidade de risco grave à saúde do(a) paciente ou do possível descendente.

Já é possível, há algumas décadas, a seleção de características genéticas do embrião, produzindo assim uma espécie de triagem. O diagnóstico pré-implantatório  comporta selecionar um embrião em função de seu perfil genético. Assim, é possível a realização da seleção de embriões para afastar a probabilidade do nascimento de uma criança com doença hereditária ou genética graves. Também é possível, por exemplo, selecionar um embrião que seja totalmente compatível com um irmão já nascido, chamado por muitos como “bebê medicamento”. Destarte, com o diagnóstico genético pré-implantacional, a reprodução assistida pode contribuir para o nascimento de pessoas geneticamente compatíveis com aquelas que possuem determinada doença terminal, livrando-as com a cura ou com o abrandamento do sofrimento.

A Fertilização in Vitro é um tratamento de reprodução humana assistida que versa sobre a realização da fecundação do óvulo com o espermatozoide em ambiente laboratorial, desenvolvendo embriões que serão selecionados e transferidos para o útero. Alguns consideram esta seleção uma prática eugênica, enquanto que outros a entendem como uma forma de assegurar a saúde da futura criança.

Sobre o assunto, dispõe expressamente a Resolução 2294/21:

As técnicas de RA também podem ser utilizadas para tipagem do Antígeno Leucocitário Humano (HLA) do embrião, no intuito de selecionar embriões HLA-compatíveis com algum irmão já afetado pela doença e cujo tratamento efetivo seja o transplante de células-tronco, de acordo com a legislação vigente. (2021)

As células-tronco são encontradas na medula óssea, no sangue periférico do doador ou no cordão umbilical e na placenta. O transplante de células do sangue do cordão umbilical não é tido como invasão à integridade da criança (VIEIRA, 2020), portanto ela pode doar. O que não é permitido é a doação de outros órgãos de criança viva, como, por exemplo, um rim ou parte do fígado, para salvar familiar doente.

No mais, segundo o a Portaria 685, de 16 de junho de 2021, para se tornar um doador de medula óssea é necessário: Ter entre 18 e 35 anos de idade; Ter bom estado de saúde; Não possuir doença infecciosa transmissível pelo sangue (como infecção pelo HIV ou hepatite); Não apresentar história de doença neoplásica (câncer), hematológica ou autoimune (como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide). 

Contudo, a lei dos Transplantes, lei 9434/97, em seu art. 9º, prescreve em relação ao juridicamente incapaz:

§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.

No caso do uso da técnica para selecionar embrião compatível com um irmão doente, a temática nos conduz a inúmeros questionamentos, tais como: São os pais/as mães egoístas quando planejam um bebê medicamento, ou seja, um repositor para seu filho doente? Será que os pais/as mães vão longe demais quando optam por uma fertilização in vitro escolhendo as características genéticas do futuro filho? Qual a solução: deixar o outro filho doente morrer? É antiético dar a luz um filho para salvar outro? O que será da criança se a técnica não funcionar como esperado?

Consoante Cardin e Guerra (2019), o direito ao planejamento familiar, previsto na Constituição Federal de 1988, art. 226, §7º, pode ser exercido de forma livre, desde que sejam sopesados pelo seu titular, os princípios da dignidade da pessoa humana e o da parentalidade responsável, ou seja, há que se analisar a referida técnica sob a perspectiva do “bebê-medicamento” nascido, e observar se os seus direitos da personalidade foram respeitados.

Concluindo, é imprescindível que os genitores, antes de optarem pela reprodução assistida que trará ao mundo um bebê compatível com o filho doente, já nascido, devem ter integral certeza de que este novo filho será amado em razão dele mesmo. Os pais, as mães ou os médicos deverão ter sempre em mente que não poderão dispor do corpo do menor como se fosse um organismo biológico à disposição da ciência, mesmo que para a cura ou melhora da qualidade de vida de um irmão gravemente doente.

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CARDIN, Valéria Silva Galdino; GUERRA,  Marcela Gorete Rosa Maia. Do diagnóstico genético pré-implantacional para a seleção de embriões com fins terapêuticos: uma análise do bebê-medicamento. RFD - Revista da Faculdade de Direito da Uerj - Rio De Janeiro, N. 35, Jun. 2019, p.  60.

Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. DOU de 5.2.1997.

Resolução CFM nº 2.294/2021. Publicada no Diário Oficial da União de junho de 2021, Seção I, p. 60.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília ano 37 n. 145 jan./mar. 2000, p. 197-199.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. “Uma prova de amor”, bebê medicamento e autonomia do menor sobre o próprio corpo. Cinema, Saúde e Direito. Brasília: Editora Zakarewicz, 2020.

Tereza Rodrigues Vieira
Pós-Doutora em Direito Université de Montreal. Mestre/Doutora em Direito PUC-SP. Especialista em Bioética Fac. Medicina da USP. Docente Mestrado Direito Processual e nagraduação em Medicina e Direito

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