O Conselho Nacional de Justiça é um órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário. Não se trata de órgão de cúpula, pois está abaixo do Supremo Tribunal Federal (ADIn 3367/DF)1, mas fato é que nestas matérias tem competência tanto originária e autônoma, como competência concorrente com os demais tribunais locais.2 Isto significa que determinada infração pode ser apurada em processo administrativo disciplinar (PAD) no Tribunal a que o magistrado ou titular de serviço notarial faz parte, como também no CNJ.
Dentre as suas diversas e importantes atribuições, o art. 103-B, § 4º, V, da CF (incluído pela EC 45/04) estabelece que compete ao Conselho “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”, seja para absolver, condenar, modificar a penalidade aplicada, anular o processo ou mesmo determinar a instauração do PAD (art. 88, do Regimento Interno do CNJ).
Ao regulamentar a matéria, o regimento interno estabeleceu que esta revisão disciplinar pode ocorrer nas seguintes hipóteses: quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou à ato normativo do CNJ (art. 83, I, RICNJ); caso a decisão se funde em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos (art. 83, II, RICNJ); ou se, após a decisão, “surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem” (art. 83, III, RICNJ).
Trata-se de uma importantíssima garantia dos magistrados para que erros e vícios sejam corrigidos – afinal, é possível que sanções sejam aplicadas de forma desproporcional em certos casos. Pois bem, a Constituição Federal estabelece o prazo decadencial de 1 (um) ano para que o magistrado, interessados ou mesmo o próprio Conselho proceda à instauração de revisão disciplinar.
O problema é que a jurisprudência do CNJ não tem trazido previsibilidade e segurança jurídica quanto ao termo inicial deste prazo decadencial da revisão disciplinar, quando não se trata de revisão de ofício (nesta hipótese o termo inicial é a data da ciência inequívoca do Conselho a respeito da decisão proferida pelo Tribunal de origem)3. Destacam-se três posições divergentes:
1. Sessão de julgamento;4
2. Publicação do acórdão;5 e
3. Trânsito em julgado;6
Vale apontar que o trânsito em julgado não tem sido considerado a data da certidão em que a secretaria certifica, mas 5 (cinco) dias após a publicação do acórdão, prazo que corresponderia a recurso de embargos de declaração.
De fato, o termo inicial mais adequado é o trânsito em julgado, pois neste momento é que o processo administrativo termina, sem mais possibilidade de interposição de recursos. Contudo, como visto, a jurisprudência do referido Conselho tem oscilado de posicionamento, dando novas interpretações ao art. 82, do RICNJ e do art. 103-B, § 4º, V, da CF – as periódicas alterações dos membros do CNJ podem ser uma das possíveis causas.
Para aumentar a segurança jurídica, em homenagem ao art. 30 da LINDB, é importante expor este cenário, para que haja uma reflexão e definição a respeito deste marco temporal tão relevante.
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1 PANSIERI, Flávio. Conselho Nacional de Justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/52/edicao-1/conselho-nacional-de-justica. Acesso em: 1/8/22.
2 STF MS 34.685-AgR/RR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 23.3.2018.
3 STF MS 36144 AgR, Rel. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 04/05/2020, DJe 18-05-2020. Também, CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 000416-70.2015.2.00.0000 - Rel. Lelio Bentes Corrêa - 13ª Sessão Virtual - julgado em 24/05/2016. CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0004861-92.2019.2.00.0000 - Rel. Maria Thereza De Assis Moura - 346ª Sessão Ordinária - julgado em 8/3/22.
4 Neste caso, apesar da menção a “trânsito em julgado”, a efetiva data considerada foi a sessão de julgamento. Veja-se: “19. Como se extrai do acórdão e da respectiva certidão de julgamento anexos (DOC. 5), que julgou improcedentes os Embargos de Declaração opostos, referido julgamento foi realizado em 05 de março de 2020. [...] Nessa perspectiva, a revisão disciplinar proposta em 1º de julho de 2021 com o objetivo de desconstituir PAD cujo trânsito em julgado remonta a 5 de março de 2020 não pode ser conhecida pelo Conselho Nacional de Justiça, pois ultrapassado o prazo decadencial.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0005072-60.2021.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 107ª Sessão Virtual - julgado em 10/6/22).
5 “2. Revisão Disciplinar. Prazo decadencial de menos de um ano após o julgamento dos processos disciplinares para propositura. Termo a quo. Data da publicação da decisão do julgamento do processo disciplinar. Precedentes do STF. Inobservância do requisito temporal. Indeferimento do pedido revisional” (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0007748-20.2017.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 287ª Sessão Ordinária - julgado em 26/3/19). Neste sentido: “1. O prazo decadencial de um ano para apresentação de Revisão Disciplinar, pelo magistrado apenado em Processo Administrativo Disciplinar, é contado da data da intimação de sua defesa técnica do Diário de Justiça Eletrônico do tribunal, mesmo havendo posterior intimação pessoal do magistrado.” (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000214-54.2019.2.00.0000 - Rel. Rubens Canuto - 55ª Sessão Extraordinária - julgado em 29/7/20). Também, STF MS 26540, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, julgado em 24/6/14, DJe 31/7/14.
6 CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0010139-40.2020.2.00.0000 - Rel. Mário Guerreiro - 92ª Sessão Virtual - julgado em 10/09/2021; CNJ REVDIS 000080725.2015.2.00.0000, Rel. Luciano Frota, 50ª Sessão Extraordinária, julgado em 11/09/2018; CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000214-54.2019.2.00.0000 - Rel. Rubens Canuto - 55ª Sessão Extraordinária - julgado em 29/7/20.