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Incômodo em condomínios provocado por animais de estimação

Só tenha um animal de estimação se puder cuidar do mesmo com toda atenção, carinho e respeito; não tenha um animal de estimação se tiver de deixá-lo abandonado durante o dia inteiro pois, além de certamente incomodar os vizinhos, seu animal estará em sofrimento, com o que não podemos coadunar.

9/8/2022

Não raras vezes moradores se queixam do incômodo provocado por animais de estimação pertencentes a proprietário ou possuidor de imóvel vizinho. Esta questão é tutelada pelo direito de vizinhança, o ramo do direito civil que se ocupa em regrar e solucionar os conflitos e interesse causados pelas recíprocas interferências entre propriedades imóveis próximas.

Preconiza o caput do artigo 1.277 do Código Civil que o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

A manutenção de animais em condomínio só pode ser vedada ou restringida, em caso de comprovação de importunação ao sossego, à saúde ou à segurança.

Importa salientar, a convenção condominial não pode proibir a permanência dos animais domésticos, uma vez que o direito de propriedade é garantido pela Constituição Federal, assegurando-se seu livre exercício.

A convenção condominial, embora conserve caráter normativo, é documento formulado por particulares, para regrar a convivência social em propriedades em comum; logo, só pode determinar regras gerais que visem garantir a paz social e a boa convivência e que vigoram entre e para os condôminos –  no tocante aos animais tem o poder de regrar os limites à utilização das áreas exclusivas e a utilização das áreas comuns – sendo certo não poder, entretanto, proibir tenha o condômino um animal de estimação.

Certo é, a convenção pode estabelecer regras que limitam a utilização da área comum como, por exemplo, determinar que os donos e seus animais apenas possam circular em determinadas áreas, determinar que os animais sejam conduzidos por coleiras e não soltos ou determinar que os animais de estimação sejam transportados pelo elevador de serviços.

Ressalte-se, há quem compreenda que a proibição de cão em elevador e a obrigação quando ao uso de focinheira podem ensejar a caracterização de maus-tratos aos animais capitulado pelo artigo 32 da lei 9.605/98 e artigo 3º, inciso I, do decreto 24.645/34 – este pensamento não é predominante.

Outrossim, há quem também compreenda que a insistência de que o tutor deve carregar seu animal no colo nas áreas comuns do condomínio, enseja a possibilidade de se pleitear indenização por danos morais por constrangimento ilegal consoante a regra do artigo 146 do Código Penal – o que também não nos parece plenamente razoável.

Assim, com a devida vênia, discordamos deste posicionamento, pois não nos parecer que tais ações caracterizem maus-tratos ou constrangimento legal, sobretudo porque tutelam o interesse maior da coletividade, com maior razão a segurança das pessoas.

Em que pese nosso posicionamento, de destacar-se a compreensão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual compreende por desarrazoada a determinação de que os animais sejam transportados no colo ou até mesmo em carrinhos:

APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – AUTORES QUE PLEITEIAM O DIREITO DE CONDUZIREM SEUS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO SOLO, E NÃO NO COLO, COMO EXIGE O REGIMENTO INTERNO – CÃES QUE CONTAM COM 25 KG CADA UM - NORMA QUE SE MOSTRA DESARRAZOADA PORQUANTO NÃO DEMONSTRADO QUE OS ANIMAIS OFERECEM RISCO À SEGURANÇA DOS DEMAIS CONDÔMINOS OU MESMO À HIGIENE E SALUBRIDADE DO EDÍFICIO – MEDIDA QUE SE RESUME SOMENTE AO TRÂNSITO DE ENTRADA E SAÍDA DOS ANIMAIS DO CONDOMÍNIO – CABÍVEL A MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA EM GRAU RECURSAL A TEOR DO ARTIGO 85, § 11 DO CPC - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP - AC: 1013325-6420208260506 SP 1013325-64.2020.8.26.0506, RELATOR: CESAR LUIZ DE ALMEIDA, DATA DE JULGAMENTO: 11/1/21, 28ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 11/1/21)

AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA C.C. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CONDOMÍNIO. MULTAR POR CIRCULAR COM ANIMAL DE GRANDE PORTE NO CHÃO. CONVENÇÃO CONDOMINIAL QUE DETERMINA O TRANSPORTE DE ANIMAIS NO COLO OU EM CARRINHOS DE SUPERMERCADO. IMPOSIÇÃO DESARRAZOADA. CACHORRO DÓCIL CONDUZIDO POR COLEIRA E COM FOCINHEIRA NAS ÁREAS COMUNS. MITIGAÇÃO DA CLÁUSULA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PONDERADAMENTE ARBITRADOS. REMUNERAÇÃO CONDIGNA E PROPORCIONAL AO TRABALHO DESENVOLVIDO. SENTENÇA MANTIDA. APELO IMPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10210183620198260506 SP 1021018-36.2019.8.26.0506, RELATOR: SOARES LEVADA, DATA DE JULGAMENTO: 26/05/2020, 34ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 26/05/2020)

Muito embora se possa estabelecer regras a respeito da utilização das áreas comuns, não se pode proibir que condôminos possuam animais de estimação, pois se trata de direito correlato ao direito de propriedade constitucionalmente garantido.

O Superior Tribunal de Justiça mantém compreensão no sentido de que: a) se a convenção não regular a matéria, o condômino pode possuir animais de estimação; b) se a convenção proíbe a permanência de animais causadores de incômodo, não se vislumbra ilegalidade qualquer e c) se a convenção proíbe a permanência de quaisquer animais, compreende-se pela ausência de razoabilidade:

RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS. CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 (ENUNCIADOS ADMINISTRATIVOS 2 E 3/STJ). 2. CINGE-SE A CONTROVÉRSIA A DEFINIR SE A CONVENÇÃO CONDOMINIAL PODE IMPEDIR A CRIAÇÃO DE ANIMAIS DE QUALQUER ESPÉCIE EM UNIDADES AUTÔNOMAS DO CONDOMÍNIO. 3. SE A CONVENÇÃO NÃO REGULAR A MATÉRIA, O CONDÔMINO PODE CRIAR ANIMAIS EM SUA UNIDADE AUTÔNOMA, DESDE QUE NÃO VIOLE OS DEVERES PREVISTOS NOS ARTS. 1.336, IV, DO CC/2002 E 19 DA LEI 4.591/64. 4. SE A CONVENÇÃO VEDA APENAS A PERMANÊNCIA DE ANIMAIS CAUSADORES DE INCÔMODOS AOS DEMAIS MORADORES, A NORMA CONDOMINIAL NÃO APRESENTA, DE PLANO, NENHUMA ILEGALIDADE. 5. SE A CONVENÇÃO PROÍBE A CRIAÇÃO E A GUARDA DE ANIMAIS DE QUAISQUER ESPÉCIES, A RESTRIÇÃO PODE SE REVELAR DESARRAZOADA, HAJA VISTA DETERMINADOS ANIMAIS NÃO APRESENTAREM RISCO À INCOLUMIDADE E À TRANQUILIDADE DOS DEMAIS MORADORES E DOS FREQUENTADORES OCASIONAIS DO CONDOMÍNIO. 6. NA HIPÓTESE, A RESTRIÇÃO IMPOSTA AO CONDÔMINO NÃO SE MOSTRA LEGÍTIMA, VISTO QUE CONDOMÍNIO NÃO DEMONSTROU NENHUM FATO CONCRETO APTO A COMPROVAR QUE O ANIMAL (GATO) PROVOQUE PREJUÍZOS À SEGURANÇA, À HIGIENE, À SAÚDE E AO SOSSEGO DOS DEMAIS MORADORES. 7. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ - RESP: 1783076 DF 18/0229935-9, RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DATA DE JULGAMENTO: 14/5/19, T3 - TERCEIRA TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO: REPDJE 19/8/19 DJE 24/5/19)

Todavia, este direito não é absoluto e comporta sim restrição, qual seja, o desacato ao direito à saúde, à segurança e ao sossego dos condôminos e vizinhos.

Inclusive, tem-se compreendido que pode sim o condomínio proibir a prática comercial por parte de condôminos que recebem animais de estimação para hospedá-los temporariamente, como ocorre com “anfitriões” de empresas com DogHero.

Se por um lado não se pode (nem se deve!) impedir a presença de animais de estimação em condomínios, de outro lado há de ser observado o regramento razoável quanto aos cuidados a serem observados pelos tutores, não podendo se permitir prejuízo aos demais condôminos.

Um exemplo de medida razoável é a exigência de apresentação da carteira de vacinação para que os animais de estimação possam frequentar as áreas destinadas ao recreio dos mesmos, cada vez mais presentes nos condomínios. Ressalte-se, entretanto, apenas poderão ser exigidas as vacinas obrigatórias.

Outra medida acertada é a exigência de que o tutor permaneça junto ao seu animal de estimação quando frequentar tais áreas, não podendo deixá-lo sem ser sob seus cuidados diretos e sendo obrigado a recolher os dejetos – inclusive sob pena de multa.

Como proceder, então, na hipótese de animal de estimação provocar danos à segurança, saúde ou sossego de condôminos ou vizinhos?

Recomendamos os seguintes passos:

  1. reúna provas – gravações de áudio e vídeo e prova testemunhal, convocando vizinhos ou até mesmo empregados do condomínio para que presenciem o incômodo;
  2. converse com seu vizinho e busque compor-se de forma amigável;
  3. se não houver acordo, registre formalmente reclamação ao síndico, encaminhando-lhe as provas colhidas e esclarecendo que já superou as tratativas diretas;
  4. não sendo solucionada a questão, registre Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia mais próxima à sua residência em razão da perturbação da paz;
  5. não sendo solucionada a questão, notifique extrajudicialmente seu vizinho e condomínio, colacionando cópia do Boletim de Ocorrência e as demais provas; e
  6. não havendo solução, ajuíze ação judicial com pedido de cominação de multa diária por dia de continuação da perturbação.

Chamamos atenção ao fato de que estas medidas só terão cabimento se a violação à saúde, segurança, ou sossego for real e tão grave que as justifique, lembrando-se que a “culpa” não é o animal e sim de seus tutores que, muitas vezes, os deixam abandonados.

Trazemos breve síntese de recomendações aos proprietários de animais em condomínios:

Por fim, nossa última e mais importante recomendação: só tenha um animal de estimação se puder cuidar do mesmo com toda atenção, carinho e respeito; não tenha um animal de estimação se tiver de deixá-lo abandonado durante o dia inteiro pois, além de certamente incomodar os vizinhos, seu animal estará em sofrimento, com o que não podemos coadunar.

Fernando Borges Vieira
Advogado desde 1997 - OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 - Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados, Mestre em Direito (Mackenzie).

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