Migalhas de Peso

Acompanhamento Terapêutico (AT) em regulamentação de visitas

Este campo de atuação do AT em acompanhamento de visitas determinadas judicialmente se torna um importante nicho de mercado, necessitando de mão de obra, qualificação dos profissionais, bem como regulamentação dos direitos e deveres.

8/8/2022

No dia 2/7/22 dei uma palestra para alunos do curso de um colega meu, psicólogo especialista em dependência química, de AT para essa área. Achei interessante a postura dele de incluir outras áreas de atuação dos AT para ampliação do mercado de trabalho e de conhecimentos daqueles que se interessam em se dedicar a esta área.

Da minha parte, foi importante para ampliar o entendimento da importância do AT, e mais especificamente nas ações de família (em ações de regulamentação de visitas). A necessidade surgiu a partir das demandas de clientes meus, em que as decisões judiciais regulamentaram visitas assistidas do(a) genitor(a) não-guardião(ã) em contexto de agressão (maus tratos) ou negligência ao filho “com pessoa de confiança do(a) genitor(a) guardião(ã)”. Surge, aí um problema: quem irá acompanhar essas visitas? Uma tia? A avó? Uma vizinha? Quais os limites? Vai poder viajar e acompanhar o genitor e filho em todas as situações, ou haverá restrições? Se aquela pessoa não poder acompanhar, cancela-se a visita? Ou se arruma outra pessoa? Mas, e se não der tempo? E se aquele genitor não concordar com o acompanhamento, ou mais especificamente, com a pessoa que irá acompanhar? Como se poderá dirimir essa divergência? E se não der tempo de um juiz decidir?

Convocar avós, tias ou outro familiar para acompanhar as visitas pode acirrar ainda mais o conflito com aquele(a) genitor(a) visitante, assim como intensificar o sofrimento por empatia com aquela criança/adolescente que está incomodada com a visita de um(a) genitor(a) violento(a), negligente ou manipulador(a).

Foi a partir desses problemas, tomei e iniciativa de requisitar a participação de AT para acompanhar as visitas nos processos dos meus clientes. E aí vai ser necessário compreender qual o alcance, direitos e deveres do AT em sua atuação para a regulamentação judicial de visitas. Será que podemos utilizar todas as premissas éticas e técnicas do trabalho do AT em outras áreas (pacientes com transtornos mentais, dependentes químicos, idosos, autistas)? Existem algumas situações peculiares do AT em visitas determinadas judicialmente que divergem do trabalho do AT em outras áreas. E ao longo deste artigo, vamos entender algumas circunstâncias.

Segundo CAETANO e TEIXEIRA (2021), a atuação AT iniciou a partir dos movimentos de reforma psiquiátrica nos EUA e Europa, logo após a 2ª. Guerra Mundial, no sentido da reabilitação psicossocial do paciente, reformulação institucional (com inclusão de atividades terapêuticas, como oficinas artísticas), e trabalhos mais voltados para a comunidade, objetivando a obsolescência das instituições psiquiátricas. No Brasil, a atuação do AT iniciou na Clínica Pinel em Porto Alegre nos anos 1960, e depois no Rio de Janeiro entre 1969 e 1976. Houve uma ampliação do trabalho do AT quando acompanha o paciente na rua estendendo o setting para além da instituição terapêutica, indo para a comunidade. Nesse sentido, segundo os referidos autores, o AT se insere na rede de cuidados, de modo comunitário, para além da dimensão clínica que o dispositivo evoca. Segundo ESTELLITA-LINS et al. (2006), existem distúrbios psiquiátricos específicos associados ao suicídio (ex.: transtornos depressivos e doença afetiva, drogadição (especialmente alcoolismo, entre outras D.Q.) e psicoses (esquizofrenia)), que podem ser potencialmente intensificados em caso de comorbidades (atuação conjunta de mais de dois ou mais fatores). O risco de suicídio situa-se frequentemente em um momento de ruptura, quando o paciente pede ajuda sem que seja afetivamente ouvido. Nesses casos, o AT deve avaliar com maior detalhe e precisão as circunstâncias de risco levaram ao desenvolvimento de instrumentos mais específicos para dimensionar e quantificar o risco de suicídio por meio de escalas, tabelas, questionários e índices. Do mesmo modo, a relação terapêutica deve construir um bom vínculo com o paciente e seus familiares, com uma atitude positiva, empática e comprometida com os objetivos do tratamento.

POLETTO [s.d.] acrescenta que o trabalho do AT ocorre em conjunto com a equipe multidisciplinar, nos diversos espaços do paciente, para ajudá-lo a todo o momento a planejar, (re)organizar o pensamento, (re)estruturar hábitos e condutas de forma mais adaptativa, estimular capacidades, (re)inseri-lo na sociedade, além de auxiliá-lo em decisões. A demanda da indicação do AT para pacientes dependentes químicos tem aumentado, visto que o comportamento do adito tem sido cada dia mais visto como patologia. O AT circula com o paciente por locais que todos frequentam e realiza com ele situações rotineiras. O AT atua como um “ego auxiliar” para o paciente e, no caso do adito, o A.T. junto com ele deve organizar uma ideologia de vida, um quadro de atividades que excluam a droga como eixo de funcionamento e que comisso, possam ocupar seu tempo. O A.T. deve estar preparado para uma síndrome de abstinência do adito, contendo-se para conseguir realizar o manejo adequado. Do mesmo modo, nas intervenções com a família, podem surgir encaminhamentos para as questões além da demanda do paciente.

Obviamente existem muitas outras áreas de atuação do AT que, embora utilizem premissas, princípios éticos e técnicos básicos da atuação, podem exigir necessidades e demandas específicas: AT pata idosos, deficientes, portadores de TEA (Transtorno do Espectro Autista), crianças ou adolescentes com dificuldades no processo de escolarização, etc. Neste artigo, quero abordar a atuação do AT na regulamentação de visitas determinadas judicialmente, quais os aspectos comuns e quais os diferentes em relação à atuação em outras áreas.

Vamos começar pelo contexto: temos uma situação de visitas parentais regulamentadas pelo juiz, nas quais, em que pese a inovação da lei 14.340/22 que acrescentou aspectos importantíssimos à lei 12.318/10 (da Alienação Parental) quanto à garantia de visitação mínima de pais e filhos em dependências no fórum onde tramita o processo ou em entidades conveniadas, na prática não seria possível sua utilização em decorrência da superlotação e longas filas de espera. Daí, a visitação é transferida para locais públicos ou residência do(a) genitor(a) (não-guardião(ã)), porém se determina que “(...) serão assistidas por pessoa de confiança do(a) genitor(a) (guardião(ã)) (...)”. Ora, quem irá acompanhar essas visitas? A avó, que já tem atritos com o genro (pai da criança)? Uma tia? Uma vizinha, que tem sua vida particular e não pode ficar se deslocando todas as vezes para acompanhar as visitas, mesmo com determinação judicial e mediante remuneração? E se, naquele dia, a pessoa não puder acompanhar a visita? E depois, se precisar de relatórios para o processo, a avó ou a vizinha terão condições de redigir? São questões de ordem prática que surgem com a necessidade, exigindo-se a regulamentação do profissional de AT para acompanhar as visitas determinadas judicialmente.

Importante considerar que, diferentemente do que ocorre nas duas atuações acima mencionadas, em que o AT estabelece um vínculo provisório, que não pode substituir o vínculo familiar e não pode persistir por muito tempo, no caso de visitas determinadas judicialmente em que aquele(a) genitor(a) é violento(a), agressivo(a), negligente, manipulador(a), chantagista emocional, ou com algum transtorno (acompanhado ou não de utilização de alguma substância como álcool) etc., a criança estabelecerá um vínculo mais forte e contínuo com o AT do que com aquele(a) genitor(a). O AT se torna um fator de proteção da criança contra as agressões ou violências daquele(a) genitor(a). Isso poderá causar uma situação de rivalidade entre aquele(a) genitor(a) e o AT, provocando brigas, situações humilhantes e constrangedoras, obstrução ao trabalho do AT, podendo chegar a situações extremas como agressão ou impedir a presença ou permanência do AT naquela situação.

Além disso, podemos pensar que o profissional de AT pode ter diferentes formações, inclusive a de psicólogo(a). Nesse caso, pode interpretar e fazer intervenções terapêuticas necessárias para melhorar a qualidade da comunicação e interação entre aquele(a) genitor(a) e a criança/adolescente. Ou, caso não seja psicólogo, é importante que tenha serenidade, bom senso, ética e responsabilidade para saber qual o seu papel e quais os seus limites, entender o que pode estar por trás da relação, de uma frase, de um gesto, de uma expressão facial, de uma manifestação emocional.

Outro aspecto relevante é que o AT, independente da sua formação, não deve ficar em posição de “subordinação” ao psicólogo clínico ou à equipe multidisciplinar, como chamam a atenção BELTRAMELLO e KIENEN (2017) pois tal “subordinação” indica apenas o tipo de relação a ser estabelecida entre o AT e o psicólogo, sendo que tal posicionamento restringe o trabalho do AT. A abordagem da análise do comportamento pode identificar as classes de comportamentos constituintes do Acompanhamento Terapêutico, identificar e derivar componentes de comportamentos (classes de estímulos antecedentes e consequentes e classes de respostas) e/ou comportamentos com base nesses recursos teórico-conceituais e tecnológicos provenientes da Análise do Comportamento (BELTRAMELLO e KIENEN, 2017, cit.).

Do mesmo modo, o AT faz intervenções nas relações familiares, visando fortalecer os vínculos familiares, orienta aquele(a) genitor(a) para deixar de agir de forma inapropriada, assim como auxilia a criança a se fortalecer para estabelecer uma relação mais saudável com o(a) genitor(a). Porém, o(a) genitor(a) pode se recusar a admitir que age inapropriadamente, nega que tenha praticado o ato que motivou a necessidade de se ter acompanhamento terapêutico e ainda ‘culpa’ o AT por ‘atrapalhar’ a relação com a criança/adolescente. Do mesmo modo, a criança/adolescente pode sentir mais ‘cômodo’ se vincular ao AT, assim não precisa voltar a ter a relação com aquele(a) genitor(a). Nesses casos, o AT precisa buscar sua própria supervisão e orientação pessoal para ter consciência de seu papel e objetivos no acompanhamento terapêutico daquela família, assim como reavaliar as estratégias para atingir aqueles objetivos mencionados.

Pode ser que o próprio AT perceba que aquelas visitas não estão atingindo os objetivos necessários, de psicoeducação da conduta do(a) genitor(a) visitante e de fortalecimento e reestruturação dos vínculos da criança/adolescente com ele(a). Nesse caso, ao redigir os relatórios, deve apontar sua interpretação dos aspectos que estejam obstruindo o restabelecimento da relação parental saudável. Se o AT tiver formação em Psicologia e conhecimentos de Avaliação Psicológica, poderá propor uma bateria de testes e instrumentos validados pelo SATEPSI-CFP para identificar aspectos da personalidade da criança/adolescente e do(a) genitor(a), bem como estilo parental, capacidades e habilidades parentais, porque pode estar aí a base dos fatores de obstrução da evolução relacional. Poderá realizar entrevistas com demais familiares, que podem não ter interesse nas mudanças do(a) genitor(a).

Segundo LERNER (2006), frequentemente o AT pode estabelecer com os pais ou familiares do paciente uma relação contratransferencial culpógena, de intensa rivalidade, resultando em obstáculo ao acolhimento e ao estabelecimento de alianças terapêuticas necessárias para o trabalho. No caso do AT para visitas judiciais, é possível que essa relação contratransferencial ocorra quando surgem as brigas, impedimentos ou constrangimentos causados pelo(a) genitor(a) visitante para que o AT possa realizar seu trabalho de proteção à criança/adolescente. Quando isso acontecer, o LERNER (2006, cit.) sugere que o profissional se pergunte em nome de quê orienta seu trabalho, e que supervisões contemplem tanto os aspectos psíquicos do profissional quanto os discursivos aqui apontados, quando se trata de impasses para o andamento do trabalho terapêutico.

Conforme fui expondo as circunstâncias na palestra aos alunos de AT em Dependência Química (mas que está expandindo para outras áreas de atuação), foram surgindo muitas dúvidas, que reforçam ainda mais a necessidade de ampliação desse trabalho, normatização ética e técnica, garantias e prerrogativas da atuação do AT nesta área:

  1. Importância de se ter um contrato amplo e abrangente com aquele(a) genitor(a) contratante: horário, valor da hora, se vai ter pernoite, se vai acompanhar em viagens e passeios, se vai tomar as refeições junto com a família do(a) genitor(a) visitante, o que fazer em caso de brigas com aquele(a) genitor(a) visitante ou algum familiar;
  2. Considerando-se que a criança/adolescente frequentemente estabelece um vínculo mais consistente com o AT do que com o(a) próprio(a) genitor(a) visitante, o acompanhamento terapêutico das visitas deve perdurar até a maioridade daquela criança/adolescente?
  3. O que fazer quando se trata de uma criança pequena, do sexo oposto ao do AT (mas, do mesmo sexo do(a) genitor(a) visitante, que tem histórico de agressão, negligência, etc.), e a criança precisa ir ao banheiro? Ou quando é o próprio AT que precisa ir a banheiro e vai deixar a criança sozinha com aquele(a) genitor(a) visitante?
  4. O que fazer quando o(a) genitor(a) visitante proíbe o AT de estar presente na mesa de jantar, ou em eventos públicos (ex.: cinema)? Ou, quando o(a) genitor(a) adota uma postura ‘sedutora’ para manipular o AT e induzi-lo ao entendimento pela desnecessidade de prosseguir com o acompanhamento (ex.: em falas como “a agressão à criança é mentira”, ou “escreva aí [no relatório] que você está vendo que não precisa mais de acompanhamento”?
  5. Por que somente o(a) genitor(a) contratante quem deve pagar os honorários do AT, se a contratação é justamente para acompanhar as visitas do(a) outro(a) genitor(a), o que não ocorreria se fosse em instituição judiciária (ex.: CEVAT, dependências dos foruns) ou conveniadas? Não deveriam ser rateadas?
  6. Se o AT tiver um compromisso pessoal, doença, acidente, urgência familiar ou algum impedimento para acompanhar aquela visita, como proceder?

Como muitas áreas da Psicologia Jurídica, este campo de atuação do AT em acompanhamento de visitas determinadas judicialmente se torna um importante nicho de mercado, necessitando de mão de obra, qualificação dos profissionais, bem como regulamentação dos direitos e deveres, para o pleno exercício, assim como par o atendimento dos objetivos que vão além do mero ‘acompanhamento das visitas’, requer todo um trabalho de psicoeducação, orientação familiar, empatia e compreensão do desenvolvimento infantil, respeito ao sentimentos das crianças.

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BELTRAMELLO, O.; KIENEN, N. Acompanhamento Terapêutico e Análise do Comportamento: Avanços e problemáticas nas definições deste fazer. Revista Perspectivas. Londrina, v. 08, n° 01, p. 061-078, 2017. Disponível em:  .

CAETANO, J.R.O.C.; TEIXEIRA, A.M.R. Acompanhamento terapêutico: considerações sobre uma clínica a céu aberto. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia. Belo Horizonte, v. 14, n. 2, p.01-23, 2021. Disponível em: . Acesso em: 19 maio 2022.

ESTELLITA-LINS, C.; MIRANDA DE OLIVEIRA, V.; CRUZ COUTINHO, M.F. Acompanhamento terapêutico: intervenção sobre a depressão e o suicídio. Psychê, São Paulo, ano X, n. 18, p. 151-166, set. 2006. Disponível em:  . Acesso em 19 maio 2022.

HOLANDA, A.F.; FERRO, L.F.; BENATTO, M.C. Acompanhamento Terapêutico - Clínica, Desenvolvimento e Aprimoramento. Curitiba: Juruá, 2020.

LERNER, R. Matriz discursiva da contra-transferência: discussão ética acerca do acompanhamento terapêutico e de instituições de saúde mental. Psychê. São Paulo, ano X, n. 18, p. 21-28, set. 2006. Disponível em:  . Disponível em 15 jan. 2015.

POLETTO, C.A. O papel do Acompanhante Terapêutico no processo de reabilitação de dependentes químicos. siteat.net, [s.d.]. Disponível em: .

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os Litígios em Varas de Família - De Acordo com as Alterações da Avaliação Psicológica em Decorrência dos Atendimentos On-Line da Resolução CFP 11/2018 e da Pandemia de COVID-19. 5.ed. Curitiba: Juruá, 2021.

SILVA, D.M.P. Desafios da Pós-Graduação Lato Sensu em Psicologia Jurídica - Estrutura, Coordenação e Pesquisa Acadêmica. Curitiba: Juruá, 2020.

SILVA, D.M.P. Mediação e Guarda Compartilhada - Conquistas para a Família. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2018.

 

Denise Maria Perissini da Silva
Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora PG Psicologia Jurídica UNISA. Prof.SEWELL/SECRIM. Colaboradora Comissões OAB/SP. Autora livros Psicologia Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C.

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