O Governo Federal, em março deste ano, publicou diversas alterações legislativas, por meio da edição das Medidas Provisórias 1.105, 1.106, 1.108 e 1.109 e do decreto 10.999. O conjunto de alterações foi denominado “Programa Renda e Oportunidade”.
Na verdade, o Programa evidenciou o intuito eleitoral do governo, que tenta injetar dinheiro na economia às vésperas das eleições, sem qualquer planejamento e diálogo social, deixando de resolver os verdadeiros problemas da população mais vulnerável.
Em vias de perderem a validade, as MP 1.108 e 1.109, que continham as alterações mais significativas, foram aprovadas no dia 3 de agosto, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e seguiram para sanção presidencial.
A MP 1.108 altera disposições na legislação trabalhista sobre o auxílio-alimentação e o teletrabalho. Já a MP 1.109 estabelece medidas trabalhistas alternativas e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda em caso de calamidade reconhecida pelo Poder Executivo federal. Vejamos.
MP 1.109/22 – Medidas trabalhistas alternativas e Programa Emergencial de Manutenção do Empego e da Renda em caso de calamidade reconhecida pelo Poder Executivo federal
A MP autoriza o Poder Executivo federal a dispor sobre a adoção de medidas trabalhistas alternativas e sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública em âmbito nacional, ou em âmbito estadual, distrital ou municipal reconhecido pelo Poder Executivo federal e para os trabalhadores em grupo de risco.
Reeditando a MP 927 e a MP 936, de 2020, a MP 1.109 autoriza definitivamente a aplicação das regras trabalhistas excepcionais em quaisquer casos de calamidade e emergência reconhecida pelo Poder Executivo federal, no âmbito federal, distrital, estadual e municipal.
Medidas excepcionais tomadas durante o recrudescimento da pandemia em 2020 agora poderão ser corriqueiras, ao bel-prazer do governo e das empresas. As regras alternativas poderão tratar sobre teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas e suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS.
A expressão “O empregador poderá, a seu critério” está presente mais de uma vez no texto, por exemplo, quando da alteração do regime de trabalho presencial para teletrabalho, quando do pagamento do adicional de um terço de férias, que poderá ser pago após a concessão, assim como da concessão de férias coletivas, tudo a depender da vontade unilateral do empregador.
A MP também repete as medidas anteriores ao priorizar os acordos individuais para definição das condições especiais e excepcionais de trabalho, alijando os sindicatos e esvaziando a importância da negociação coletiva.
Há, ainda, outra novidade: a previsão de decreto presidencial que pode autorizar as empresas da área afetada a adotarem o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, com redução proporcional da jornada de trabalho e do salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho, mediante acordo entre empregador e empregado.
A medida provisória institui exceções às regras gerais trabalhistas para situação declarada de calamidade pública, assim reconhecidas por decreto presidencial. Ora, a situação, por si só, autoriza excluir a hipótese de urgência das medidas provisórias uma vez que não se aponta qual situação concreta está a exigir o tratamento excepcional. Há precedentes do STF no sentido de se examinar, ainda que de modo excepcional, os requisitos de relevância e urgência, quando estes são evidentes na própria normatização pretendida (ADI 4.717/DF). É o caso. Diferentemente das medidas provisórias que estabeleceram condições diante da prévia decretação de estado de emergência, no caso da Covid-19, aqui se legisla, por medida provisória e antecipadamente, sobre situações de calamidade pública que venham a ser reconhecidas.
MP 1.108/22 – Dispõe e altera o pagamento de auxílio-alimentação e o regime de teletrabalho
A MP estabelece que o auxílio-alimentação apenas deve ser gasto com refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais (ex: supermercados).
Na hipótese de utilização equivocada do auxílio-alimentação, é cabível aplicação de multa aos empregadores ou empresas emissoras dos tíquetes/cartões alimentação. Destaca-se a possibilidade de multa inclusive se houver credenciamento de estabelecimento que comercializa produtos não relacionados à alimentação do trabalhador. Além da previsão de multas, as empresas poderão ter cancelada a inscrição de pessoa jurídica beneficiária ou do registro das empresas vinculadas aos programas de alimentação do trabalhador no MTP e a perda do incentivo fiscal.
A MP também inclui dispositivo na lei 6.321/76, que trata da dedução, do imposto de renda das empresas, das despesas realizadas em programas de alimentação do trabalhador. A interpretação do novo parágrafo pode abrir brecha para a exclusão do benefício fiscal do PAT às empresas que produzem e fornecem refeições em seus próprios refeitórios.
Trouxe, ainda, mudanças como abertura dos arranjos nos negócios para uso do auxílio-alimentação e a portabilidade, também proíbe as empresas de receber descontos na contratação de empresas fornecedoras de tíquetes de alimentação. Hoje, alguns empregadores têm um abatimento no processo de contratação.
O dispositivo que previa a possibilidade de pagamento do auxílio-alimentação em dinheiro não foi incluído no texto do PLV pelo relator da MP na Câmara dos Deputados, Deputado Paulinho da Força (Solidariedade).
Quanto ao teletrabalho, há também modificações significativas.
A MP restringe a aplicação do art. 62 da CLT, que excepciona o registro da jornada de trabalho apenas para os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa. Antes, a previsão legal abarcava todos os trabalhadores em teletrabalho, independentemente de como eram desempenhadas e entregues as atividades.
Logo, há agora dois tipos de regime de jornada para o teletrabalho: um com jornada de trabalho, que é caracterizado por controle de ponto e pagamento das horas extras; outro sem jornada de trabalho, por produção ou tarefa. O salário por produção ou tarefa é regulamentado no art. 78 da CLT, calculado por empreitada, tarefa ou peça, com garantia do salário-mínimo.
Apesar de a MP restringir a aplicação de controle de horário no teletrabalho para os serviços por produção ou tarefa, considerando os recursos tecnológicos de fiscalização das atividades, é possível ao empregador controlar a jornada de trabalho e tal restrição pode estimular a adoção de produções ou tarefas em grande volume, acarretando jornadas de trabalho exaustivas.
Na conceituação do teletrabalho, a MP inova ao utilizar a expressão preponderante ou não:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.
A antiga redação, que continha apenas a palavra preponderante, possibilitava a negociação coletiva do regime de trabalho híbrido, o que agora torna-se desnecessário, distanciando o movimento sindical do trabalhador e possibilitando pactuação de forma individual.
A MP também dificulta eventual discussão de enquadramento do empregado em teletrabalho como operador de telemarketing ou de teleatendimento, que tem jornada reduzida.
Além disso, isenta o empregador de qualquer responsabilidade pela mudança de localidade do empregado na realização do teletrabalho, caso seja determinado o retorno para as atividades presenciais e não exige qualquer negociação coletiva, mantendo a pactuação por meio do contrato individual de trabalho. E não permite que o uso de tecnologia fora do horário normal de trabalho, como o uso de e-mail, mensagem de celular ou de WhatsApp, constitua tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. A MP, assim, garante segurança jurídica às empresas, mas não garante o direito de desconexão do empregado, permitindo jornadas exaustivas e abuso dos empregadores.
A previsão tida como benéfica aos trabalhadores, também não obriga as empresas: é essencial priorizar o teletrabalho aos empregados com deficiência ou com filhos até 4 anos, mas a palavra “prioridade” não traz obrigação ao empregador.
Por fim, o relator da MP na Câmara dos Deputados, deputado Paulinho da Força (Solidariedade), incluiu previsão para o Poder Executivo repassar saldo residual de contribuições sindicais devido às entidades sindicais.
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