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Medicamento importado, tenho direito?

Caso os requisitos excepcionais sejam comprovados, de forma cumulativa, o Poder Judiciário deverá, em razão do precedente vinculante do STF, conceder decisão favorável ao cidadão de modo que seu tratamento seja custeado pela União.

8/8/2022

A Constituição Federal estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas, sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos o acesso universal, igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Deste modo, como determinou a Constituição (art. 198), por meio da lei 8080/90, foi regulamentado o Sistema Único de Saúde (SUS), que é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos colhidos através de impostos e contribuições sociais pagos pela população e compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal.

Nesse passo, com a criação do SUS, surge, então, a universalidade de acesso aos serviços em todos os níveis de assistência, cujo objetivo é a preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral (art. 07º, III, da lei 8.8080/90).

Assim, cabe ao SUS a atribuição do planejamento e organização da distribuição de serviços de saúde à coletividade, e, o atendimento individual do necessitado (art. 18, III, letra “a”, da lei federal 8.080/90).

No entanto, a universalidade ainda é um desafio para o nosso sistema de saúde, haja vista que as pessoas que são portadoras de doenças raras e ultrarraras que necessitam de terapêuticas que, invariavelmente, são de alto custo e sem registro perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) somente encontram guarida perante o Poder Judiciário, ocasionando a chamada judicialização da saúde.

Imperioso ressaltar que até 2018, havia uma certa flexibilidade do Poder Judiciário para compelir tanto o serviço público como o privado a prestar cobertura aos pacientes que necessitavam de terapêutica com drogas sem registro na ANVISA.

Todavia, essa flexibilidade foi se afunilando aos poucos na jurisprudência, de modo que, atualmente, o fornecimento de medicamento importado pelo Sistema Público e Privado tem sido autorizado em casos excepcionais.

No que tange a cobertura pelo sistema privado de saúde, em 2018 o STJ – Superior Tribunal de Justiça, por meio do Tema Repetitivo 990 (REsp 1712163/SP e REsp 1726563/SP), elencou precedente de que “As operadoras de planos de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA”.

A Corte, ao entender que o plano de saúde não está obrigado a garantir a cobertura aos medicamentos sem registro na Agência reguladora, fez referência de que o texto constitucional prevê um sistema de saúde harmônico que, se por um lado consagra a saúde como um direito de todos, por outro impõe limites a esse direito, atribuindo ao Estado competência para regular, fiscalizar e controlar a área da saúde. Sendo assim, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a Constituição Federal não assegura o acesso irrestrito a qualquer medicamento, mas busca promover o uso racional e seguro desses produtos em termos de qualidade, quantidade e eficácia.

E, com relação à obrigação do Estado, em 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF), se debruçou sobre tema e lançou precedente (Tema 500) com o entendimento de que a ausência de registro de um medicamento na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento por decisão judicial.

Entretanto, excepcionou a concessão judicial para cobertura de medicamentos importados quando observados os seguintes requisitos: a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras; a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior e a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. Outrossim, o julgado decidiu que as demandas judiciais devem ser propostas contra a União. Diante disso, importante se faz a elucidação de cada requisito determinado pelo STF, a fim de que seja possível entender quando o Estado tem a obrigação de fornecer um medicamento importado ao cidadão.

O primeiro requisito é a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras). Nesta seara, é importante saber que no Brasil, o Órgão responsável pelo registro dos medicamentos é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Além do registro dos fármacos, a Agência também é responsável pelo controle sanitário dos cosméticos, alimentos, derivados do tabaco, produtos médicos, sangue, hemoderivados e serviços de saúde.

Interessante, também, é saber que a lei 5.991/73 define medicamento como todo produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Assim, qualquer produto para o qual sejam feitas alegações terapêuticas, independentemente da sua natureza (vegetal, animal, mineral ou sintética), deve ser considerado medicamento e requer registro na Anvisa para ser fabricado e comercializado.

Para se obter o registro de um medicamento na ANVISA é necessário que uma empresa devidamente autorizada tenha interesse em solicitar a concessão de registro, consoante determina a Lei 6.360/1976, para posterior avaliação da Agência Reguladora.

Depois disso, para que a droga seja aprovada, ela passa por uma análise criteriosa para atestar a sua qualidade, eficácia e segurança. Se por algum motivo não for comprovado que o fármaco possui qualidade, segurança e eficácia necessária, o pedido de registro será interrompido e o medicamento não será disponibilizado à população. Diante disso, para se obter o direito de receber do Estado um medicamento importado, é necessário, primeiro, que haja o pedido de seu registro perante a ANVISA.

No entanto, o STF trouxe uma exceção, que é a ressalva de pedido de registro para os medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras. Desse modo, é importante entender o conceito de medicamentos órfãos e doenças raras e ultrarraras.

Medicamentos órfãos são aqueles destinados para o tratamento de doenças raras e ultrarraras que indústrias farmacêuticas possuem pouco interesse em desenvolver e fabricar em condições normais de comercialização, já que o mercado não irá permitir a recuperação do capital investido na investigação e desenvolvimento do produto1.

No que diz respeito a doença rara, à luz dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, é aquela que afeta 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos, ou 1,3 a cada 2.000. Quanto à doença ultrarrara, a resolução 563 do Conselho Nacional de Saúde define como sendo doenças crônicas, com incidência de caso menor ou igual a um para cada 50 mil habitantes.

É relevante ressaltar que, no Brasil, não há política pública destinada ao tratamento de doenças raras e ultrarraras, o que dificulta sobremaneira o acesso à saúde das pessoas nestas condições, seja pela falta de medicamento registrado na Agência Reguladora, seja pela falta de inserção de medicamentos órfãos na lista do SUS, ainda que registrados.

Em 2015, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o projeto de lei PLS 31/15 que tinha o objetivo de facilitar a importação dos medicamentos órfãos, no entanto, esse projeto não saiu do papel e, infelizmente, os pacientes portadores de doenças raras que necessitam de tratamento ficam à mercê do Poder Judiciário para que seu acesso à saúde seja efetivado.

O segundo requisito consiste na existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior. Renomadas Agências de regulação, como citado pelo STJ, são aquelas que fazem o papel análogo da ANVISA aqui no Brasil, como o FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos, ou AIFA (Agência Italiana del Farmaco) na Itália, entre outras Agências no mundo.

O registro prévio de uma droga importada em renomadas agências sanitárias é de grande importância, pois, o objetivo das Agências Reguladoras no mundo é análogo, já que visam garantir a segurança e a qualidade dos medicamentos dispensados ao público-alvo.

Por fim, no que diz respeito ao último requisito, que é a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil, é importante compreender que a substituição se dê pela finalidade do tratamento destinado à doença. 

Isso porque, nem todo protocolo clínico prescrito para o tratamento de uma determinada doença pode ser considerado similar. Isso porque, a título de exemplo, para alguns tipos de doenças é necessário o tratamento com quimioterapia, radioterapia ou imunoterapia.

A quimioterapia2 consiste em um tratamento que utiliza medicamentos para destruir as células doentes que formam o tumor, ou seja, o medicamento ataca diretamente a massa maligna. Por sua vez, a imunoterapia é um tipo de terapêutica biológica que tem o objetivo de potencializar o sistema imunológico de maneira a que este possa combater infecções como o câncer.

Desta feita, ainda que ambos os tipos de tratamentos sejam prescritos para a mesma doença, não podem ser considerados terapêuticas similares se não têm a mesma finalidade terapêutica. Assim, caso exista no território nacional um medicamento quimioterápico disponível para o tratamento de uma determinada doença, mas não exista o fármaco imunoterápico, por exemplo, pode-se dizer que não há substituto terapêutico com registro no Brasil em razão da finalidade diversa das terapias.

Portanto, caso os requisitos excepcionais sejam comprovados, de forma cumulativa, o Poder Judiciário deverá, em razão do precedente vinculante do STF (Tema 500), conceder decisão favorável ao cidadão de modo que seu tratamento seja custeado pela União.

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1 https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/Education_AboutOrphanDrugs.php?lng=PT

2 https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/o-que-e-quimioterapia

Adriana Ventura Maia
Advogada no escritório Vilhena Silva Advogados.

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