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A ampla defesa no julgamento de contas pelo legislativo municipal

Nulidade do julgamento de contas do Prefeito Municipal pela Câmara Municipal por cerceamento de defesa e infringência ao contraditório.

4/8/2022

Nos termos do art. 31, §§1º e 2º, da Constituição Federal, cabe à Câmara Municipal exercer o controle externo com o auxílio dos Tribunais de Contas, de modo que o Parecer Prévio emitido pelo Tribunal de Contas não prevalece apenas por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Pelo poder de controle e fiscalização, dá-se a convocação dos membros da Câmara Municipal para votação e discussão do Decreto Legislativo que, em seu texto, trata de aplicar efeitos de julgamento às contas apuradas pelo Tribunal de Contas Estadual.

Disso se retira que o Parecer Prévio (elaborado na Corte de Contas) auxilia na convicção meritória do julgamento pelo Poder Legislativo Municipal que, por fim, incorre na aprovação ou reprovação das contas do gestor municipal processado.

Para todos os fins, é processo, e por isso segue a previsão inviolável do devido processo legal nos termos do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, perfazendo o contraditório e ampla defesa requisitos inerentes à defesa do processado (gestor municipal).

Muito embora processo com evidente similitude dos procedimentos de defesa do Código Processo Civil, os quais englobam intimação, produção probatória, oitivas, alegações finais e decisão de mérito, não raro que a Câmara Municipal estirpe do julgamento de contas qualquer instrução processual, inviabilizando ou impedindo que o ex-gestor municipal produza as provas que entender necessárias.

Por ter caráter meramente opinativo (sem vinculação de mérito, tratando-se de orientação técnica), o Parecer Prévio do Tribunal de Contas em regra é utilizado por substituição à instrução processual no âmbito da Câmara Municipal, prática já rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA MUNICIPAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PRECEDENTES. 1. É pacífica a jurisprudência desta nossa Casa de Justiça no sentido de que é de ser assegurado a ex-prefeito o direito de defesa quando da deliberação da Câmara Municipal sobre suas contas. 2. Agravo regimental desprovido. (RE 414908 AgR, Relator(a): AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 16/8/11, publicado em 18/10/11.

Com atuação do escritório Filipe Liepkan Advocacia, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, sob a relatoria do e. Des. Divoncir Schreiner Maran, entendeu que a produção probatória pelo ex-Prefeito Municipal decorre do devido processo legal (art. 5º, inciso LV, da CF), inclusive no julgamento de contas, sob pena de nulidade dos atos de cerceamento de defesa.

EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA - PREFEITO MUNICIPAL - JULGAMENTO DAS CONTAS DO PREFEITO MUNICIPAL - PODER DE CONTROLE E DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31) - DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – PRECEDENTES STF – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO COM O PARECER. Com efeito, o artigo 5º, LV, da Constituição Federal é claro ao dispor que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”. Assim, constata-se que mesmo tendo ocorrido a produção probatória no âmbito do Tribunal de Contas do Estado, esta também deve ser realizada na seara da Câmara Municipal, permitindo-se ao ex-Prefeito que produza todas as provas que entender cabíveis no julgamento político-jurídico a ser efetivado pelo Poder Legislativo, mormente o julgamento de irregularidade das contas poder resultar em consequências perniciosas para o chefe do executivo municipal. (Apelação n. 0800299-86.2020.8.12.0048/TJMS, Relator: Des. Divoncir Schreiner Maran, 1ª Câmara Cível, julgado em de 25/04/22.

Muito embora julgado regional, a jurisprudência acima tem grande força de extensão de efeitos a dezenas, senão centenas de julgamentos de contas municipais no Estado de Mato Grosso do Sul, inclusive com notícia de que mesmo julgado foi utilizado em ato de anulação, pelo poder de cautela da Administração Municipal, de processo de julgamento de contas em Câmara Municipal do interior de São Paulo.

Por regra de julgamento “a toque de caixa”, sem qualquer critério mínimo de imposição de igualdade a processante e processado, tomou-se por comum, aceitável, o julgamento de contas através de simples designação de sessão extraordinária de leitura e votação do Decreto Legislativo, sequer oportunizando ao processado (gestor municipal) apresentar razões orais, ou mesmo cópia integral do processo administrativo.

Ainda que o cenário retratado se revele como estratégia conhecida de embaralhamento da defesa processual no âmbito da Câmara Municipal, necessário que o processado, através de assessoria jurídica atenta, reaja à arbitrariedade de condução processual anômala, sem amparo no contraditório e ampla defesa, e que tem por objetivo reforçar condução de julgamento de contas que beira o cometimento do abuso de autoridade conforme lei 13.869/19.

Filipe Liepkan Maranhão
Advogado especialista com atuação em Direito Administrativo e Eleitoral. Pós-graduado em Direito Público e Tributário pela PUC/MG. Sócio-administrador no escritório Filipe Liepkan Advocacia.

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