Desde o direito romano, a figura legal da locatio conductio rei imperava nas relações privadas. Seu escopo era regular os contratos inter partes, ou seja, o locator permitia o uso e o gozo de uma coisa ou propriedade por um período determinado ao conductor. Este, por sua vez, obrigava-se a pagar periodicamente o valor acertado pela sua utilização.
No Brasil, o Código Comercial de 1850 já esmiuçava sobre o assunto em seus arts. 226 e 227, informando que a locação mercantil era o contrato pelo qual uma das partes (locador) se obrigava a dar à outra (locatário), por determinado tempo e preço certo, o uso de alguma coisa, ou do seu trabalho.
Por seu turno, previa ainda, que o locador era obrigado a entregar ao locatário a coisa alugada no tempo e na forma do contrato, sob pena de responder pelos danos provenientes da não entrega.
Anos mais tarde, apesar do Código Civil de 1916 regular de forma generalista as locações imobiliárias, com o absolutismo do direito de propriedade e a da plena liberdade contratual (ANDRADE, 1973), por outro lado, os empresários ficavam à mercê dos locadores, quando se tratava de renovação da locação empresarial.
Apenas com o advento do decreto 24.150/34, conhecido como “Lei de Luvas”, o Estado passou a intervir e regulamentar os processos renovatórios de contratos de locação comercial e/ou industrial, com a finalidade de coibir “que os locadores condicionassem a renovação dos contratos de locação ao pagamento de quantias exorbitantes” (NETTO; FERRARI; GOEDERT, 2020, p.148).
Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a proteção comercial, instituída pela livre iniciativa (art. 170, “caput”) e pela livre concorrência (art. 170, IV), obteve uma proteção maior em relação às locações não residenciais, tendo em vista que “o princípio constitucional da função social da propriedade (CR/88, art. 170, II) pode ser relacionado à proteção conferida ao ponto comercial, na locação comercial de imóveis” (ROCHA, 2020, p.63).
Cumpre ressaltar que, com a globalização no Brasil e no mundo, houve um aumento demasiado da economia produtiva, bem como, um crescimento populacional e o desenvolvimento de uma sociedade consumista. Tal fato histórico contribuiu para o aparecimento de novos estabelecimentos comerciais urbanos, que, a princípio, eram concentrados apenas nos centros das grandes cidades (FREIRE, 2010, p.28).
O art. 1.142, do Código Civil de 2002, define que o estabelecimento empresarial compreende como um complexo de bens organizados que são destinados para o desempenho e exercício da empresa, do empresário ou da sociedade empresária.
Relembra Ricardo Negrão (2019, p.85) que desde 1942, o Código Civil Italiano em seu art. 2.5551, já explanava que a azienda (estabelecimento empresarial) era o complexo de bens organizados pelo empresário para o exercício da empresa.
Em outras palavras, o empresário irá destinar determinada parcela de bens (móveis, imóveis, corpóreos ou incorpóreos), recursos ou valores como um “instrumento hábil para o exercício da atividade empresarial” (TOMAZETTE, 2013, p.95). Logo, podemos dizer que o estabelecimento empresarial se constitui como uma universalidade de fato (art. 90, CC).
Ainda, de acordo com Pedro Henrique Laranjeira Barbosa (2015, p.116), o contrato de locação empresarial é um dos instrumentos mais importantes para a exploração das atividades econômicas no território brasileiro. Diante disso, a localização geográfica das instalações físicas das empresas é fundamental para alcançar tal finalidade.
Neste contexto, existe a necessidade de preservar o ponto empresarial, pois o seu valor se consubstancia no próprio contrato de locação empresarial, destacando-se como um bem incorpóreo do estabelecimento (PEREIRA; ALMEIDA, 2011, p.112).
Assim, de forma infraconstitucional, o legislador regulamentou e previu, por meio da lei 8.245/91, uma série de direitos aos empresários-locatários que independem de previsão contratual, visto se tratar de uma norma cogente. Dentre eles, podemos citar a proteção da atividade empresária, do “ponto” comercial (PERES, 2018, p.02), o prazo decadencial para ajuizamento de ação renovatória, as revisões de aluguéis, o direito de preferência na aquisição do imóvel, a sublocação etc.
A ação renovatória, por exemplo, é um instrumento muito importante para que o locatário possa buscar a renovação forçada do seu ponto comercial, evitando, assim, imposições desproporcionais do locador para a renovação contratual, tais como um aumento substancial no valor do aluguel pago.
Tratando exclusivamente sobre a locação comercial, o art. 51, da lei 8.245/91, traz premissas básicas que devem ser verificadas para a renovação forçada da locação: (a) contrato por escrito (art. 51, I, da lei 8.245/91), visto que a lei do inquilinato afasta os contratos verbais e os que estejam vigente por prazo indeterminado (SOUZA, 2019); (b) prazo de vigência determinada (art. 51, I, da lei 8.245/91); (c) prazo mínimo de vigência de cinco anos ou contratos ininterruptos que somados sejam de cinco anos ou mais (art. 51, II, da lei 8.245/91); (d) desempenhar atividade no mesmo ramo por no mínimo três anos (art. 51, III, da lei 8.245/91); (e) ajuizar ação renovatória no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data de término do contrato (art. 51, §5º, da lei 8.245/91).
Como é recomendável na prática e assim é bem destacado por André Santa Cruz (2019, p. 223), o empresário deve realizar reuniões com o proprietário/locador a fim que seja discutido sobre a possibilidade de renovação do contrato de locação por meio consensual. Tal preocupação é necessária para resguardar o estabelecimento empresarial e suas atividades antes do término do prazo elencado no artigo supracitado. Em caso de qualquer negativa por parte do locador, a única ferramenta disponível ao locatário será a ação renovatória.
O prazo de seis meses se destina justamente a oportunizar esse hiato de tempo, hábil às negociações.
Observa-se que o prazo elencado no art. 51, §5º, da lei 8.245/91 é decadencial e, portanto, fatal (RTJ 58/312). A decadência pode ser conceituada como a perda do direito potestativo pelo interessado, por não ter exercido seu direito dentro de um prazo razoável e/ou legal.
Sobre o tema, entende a Professora Dra. Maria Helena Diniz (2009, p. 428) que, caso o titular deste direito potestativo deixe de “exercê-lo dentro do lapso de tempo estabelecido, legal ou convencionalmente, tem-se a decadência, e, por conseguinte, o perecimento ou perda do direito, de modo que não mais será lícito ao titular pô-lo em atividade.”
Recorda-se ainda, que o prazo decadencial é material, ou seja, a sua contagem se dá de forma anterior à existência de um processo. Como consequência lógica, o prazo decadencial não deve ser considerado como um prazo processual, visto que, o seu prazo não interrompe, suspende ou prorroga, nos termos do art. 207, do Código Civil de 2002.
De acordo com o entendimento do Ministro José Arnaldo da Fonseca, no REsp 187.842/GO, julgado em 14 de setembro de 1999, para afastar a decadência, basta que a parte interessada protocole no foro competente, a inicial da ação renovatória. Logo, “proposta a ação renovatória no prazo legal, a demora na efetivação da citação não acarreta a decadência do direito” (NEGRÃO, 2009, p.1239), em consonância com a Súmula 106, do STJ2.
Quando o locatário-empresário possui o animus domini comercial e os requisitos do art. 51 e seguintes, da lei 8.245/91, este possui interesse e legitimidade (art. 17, do CPC) para postular em juízo e obter uma tutela para a permanência no imóvel (NETTO; FERRARI; GOEDERT, 2020, p.146).
Neste sentido, não devemos esquecer que a lei 8.245/91 também elenca o sublocatário como legitimado apto para exigir a renovação da locação não empresarial quanto à sublocação (ZARIF; FERNANDES; MELO, 2020, p.184), nos termos do art. 71, parágrafo único, da respectiva lei.
Por outro lado, caso o imóvel esteja sublocado integralmente para o sublocatário, apenas este terá legitimidade para propor ação renovatória, em consonância com o art. 51, §1º, da lei 8.245/91 e julgamento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça no AgRg no AREsp 540.563/PR em 02 de outubro de 2010, de Relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira. A justificativa, para tanto, é que somente o sublocatário possui estabelecimento empresarial no local e o estabelecimento é o objeto a ser tutelado pela ação renovatória, como visto.
Sobre este ponto, entendemos que o sublocatário poderá ajuizar a renovatória contra o locador, de acordo com o art. 51, §1º, da lei 8.245/91, bem como em face do sublocador, o qual, por sua vez, terá legitimidade para estar no polo passivo, ante a existência de um contrato sublocação integral com o sublocatário.
Caso a ação movida pelo sublocatário seja julgada procedente, o sublocador será excluído da relação locatícia e a locação passará a ser celebrada diretamente entre proprietário do imóvel e o sublocatário, que se tornará o novo locatário.
Tratando-se de locação parcial do imóvel, há uma nuance interessante a ser ponderada. Fundamenta o Desembargador Lino Machado, da 30ª Câmara de Direito Privado do e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no acordão 1026750-66.2017.8.26.0506, julgado em 27 outubro de 2021, que somente a sublocação integral do imóvel atrai a incidência da regra do art. 51, §1º, da Lei de Locações, atribuindo ao sublocatário a exclusividade do direito à renovação.
De tal forma, se houver sublocação parcial não haverá que se falar em ilegitimidade do locatário/sublocador, podendo ambos pedir a renovação quanto à locação e a sublocação ante a legitimidade concorrente. Isso porque, sendo parcial a sublocação, o locatário/sublocador também pode manter estabelecimento empresarial no local.
Conforme julgamento do REsp 1.790.074/SP, em 25 de junho de 2019, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que os efeitos da ação renovatória não ficam adstritas somente ao imóvel onde converge a clientela, mas se alastra para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, visto que, estes contribuem para a manutenção ou crescimento da clientela.
Além disso, de acordo com o julgamento em 26 de maio de 2022 no REsp 1.990.552/RS, com a relatoria do Ministro Raul Araújo, houve o posicionamento de que, em sede de ação renovatória de locação comercial, o prazo máximo de prorrogação contratual será de cinco anos, ainda que o prazo da última avença supere o lapso temporal de cinco anos.
Desta forma, se o empresário não propuser ação renovatória no prazo elencado pelo art. 51, §5º, da lei 8.245/1991, decairá o direito de renovação, correndo o risco de a locação não residencial, após o decurso do contrato escrito, tornar-se rescindida por tempo indeterminado, ensejando a denúncia vazia/retomada imotivada (PEREIRA; ALMEIDA, 2011, p.117).
Atualmente, o setor imobiliário de locações comerciais possui uma alta demanda, visto que, segundo uma projeção realizada pelo Ministério da Economia no painel “mapa de empresas”, o Brasil registrou 19.117.439 empresas ativas, em março de 2022.
Por sua relevância econômica e social para o desenvolvimento da atividade empresarial, bem como para a ascensão do mercado interno, os mecanismos legais asseguram ao locatário e ao sublocatário o direito de manutenção do ponto comercial, desde que presentes os requisitos previstos em lei, os quais devem ser observados pelos empresários.
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1 Texto original em italiano: “Art. 2555 Nozione: L’azienda è il complesso dei beni organizati dall’imprenditore per I’essercizio dell’impresa.”
2 Súmula 106, do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.”