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Venda de ativos na falência: a evolução legislativa e o fim de um sofrimento

A arrecadação dos bens da massa, devidamente avaliados, deve ser seguida pela venda dos bens que a integram, de forma célere e segura.

2/8/2022

O processo de falência, no direito brasileiro, foi marcado historicamente pelo traço negativo da ineficiência, malgrados quase todos os esforços empreendidos por magistrados, integrantes do Ministério Público, síndicos de massa falida e advogados, no sentido de dar aos feitos falimentares maior celeridade e eficiência.

É que o decreto-lei 7.661, de 1945, sem embargo de sua reconhecida técnica e correta distribuição da matéria em seu texto, estabelecia regras rígidas no tocante à realização do ativo e consequente satisfação aos credores, pelo menos em parte, daquilo que lhes era devido.

Assim, poder-se-ia dizer que estaríamos diante de um carro potente, mas com as quatro rodas emborcadas em um lamaçal.

Um atoleiro que não permitia que o veículo se movimentasse livremente levando seus ocupantes ao destino desejado.

As seis décadas de vigência da lei de regência da matéria teriam que ser naturalmente revistadas com o objetivo de se produzir texto de lei que contemplasse e absorvesse, tanto quanto possível, as profundas transformações no cenário econômico e social do país.

Banida da legislação a concordata, por absoluto esgotamento do modelo então vigente, ocupou-se também o legislador em promover alterações na falência, de modo a torná-la distante do resultado desalentador que se conhecia.

De tal modo, a primeira grande mudança operada no âmbito da falência, trazida a lume pelo artigo 75 da lei 11.101, de 2005, foi a de buscar a preservação e otimização de bens, ativos e recursos produtivos da empresa, incluídos os intangíveis. Os princípios da celeridade e economia processual também foram estampados no artigo em comento, em seu parágrafo único.

Conferiu-se ao instituto da falência nova identidade, corpo e espírito que iriam ditar, a partir de então, a perspectiva de novos rumos e caminhos ao processo falimentar.

O artigo 139 da lei 11.101/05 estabeleceu que a realização do ativo terá início logo após a arrecadação dos bens, com a juntada do respectivo auto ao processo de falência, regra de capital importância aos propósitos de celeridade e eficiência almejados.

Convém assinalar que o sistema legal de vigência então revogada, o artigo 114 do decreto-lei 7.661/45, previa que o síndico da massa falida comunicaria aos interessados o início da realização do ativo condicionada, entretanto, à entrega, pelo mesmo síndico, do relatório apontado no artigo 63, XIX, do decreto-lei de 1945. Esse relatório, todavia, só seria entregue depois da publicação do quadro geral de credores.

A não vinculação do início da realização do ativo à consolidação do quadro geral de credores, conforme dispõe o artigo 139 da lei atual, em consonância com o artigo 75 da mesma lei, constitui dois vigorosos e imprescindíveis marcos no sentido da tão desejada modernização das regras concernentes à venda de Ativos na falência.

As duas rodas estavam então fora do atoleiro. Faltavam as outras duas.

Os modestos lindes que contornam essas observações não permitem aprofundamento da análise dos modos e formas da realização do ativo na falência (em suas variadas possibilidades), nem mesmo no exame acurado das regras próprias para a venda desses mesmos ativos, assim considerada como uma das hipóteses da realização do ativo, sem dúvida a mais destacada delas.

Importante, então, o registro das alterações que faltavam para, na metáfora proposta no início dessas considerações, livrar as outras duas rodas que permitissem o giro mais eficiente do processo.

Ambas vieram no bojo das alterações promovidas pela lei 14.112, de dezembro de 2020.

Uma delas, exatamente o artigo 75, que, em complementação ao que havia sido posto na redação originária do artigo, inclui, dentre os objetivos da falência, a liquidação célere das empresas inviáveis e da rápida realocação útil de ativos na economia (incisos II e III).

A outra pode ser identificada pela redação do artigo 142 da mencionada lei 11.101/05, também com redação introduzida pela lei 14.112/20.

A alienação de que trata o artigo, ocorrerá independentemente de a conjuntura de mercado ser favorável no momento da venda, considerado o caráter forçado dessa venda (par. 2º, I); independerá da consolidação do quadro-geral de credores (inciso II), devendo ocorrer em, no máximo, 180 dias contados da data da lavratura do auto de arrecadação (inciso IV), e não estará sujeita à aplicação de preço vil (inciso V).

Naturalmente, o conjunto de medidas preconizadas em lei estará sujeito a reparos, críticas da doutrina e modulações da jurisprudência.

Se voltarmos os olhos pelo retrovisor do carro afundado no barro, veremos que o cenário anterior não era inspirador.

Agora, as quatro rodas estão aptas a girar, livres de entraves que impediam a boa circulação do veículo chamado processo de falência.

Moacyr Lobato
Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Doutor em Direito Privado pela PUC Minas. Professor de Direito Empresarial da PUC Minas.

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