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Créditos sujeitos à recuperação judicial ainda que não habilitados são novados pelo plano de recuperação judicial

Apesar de o STJ ter esclarecido a obrigatoriedade da sujeição de determinados créditos aos efeitos da recuperação judicial, independentemente da conduta processual do devedor e do respectivo credor, será necessário aguardar o pronunciamento da Corte a respeito de tais indagações.

1/8/2022

Em 25/5/22 foi publicado o acórdão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), nos autos do Recurso Especial 1.655.705/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (“REsp 1.655.705”), referente a julgamento realizado em 27.4.2022.

Em síntese, a 2ª Seção do STJ definiu que a novação derivada do plano de recuperação judicial deve alcançar os créditos sujeitos ao concurso de credores, mesmo que tais créditos não tenham sido listados pelo devedor ou habilitados pelos respectivos credores na recuperação judicial.

É importante rememorar que, em maio de 2021 – i.e., 1 (um) ano antes do julgamento do REsp 1.655.705 ora sob exame –, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.851.692/RS (“REsp 1.851.692”), a 4ª Turma do STJ havia decidido que o credor “voluntariamente excluído do plano recuperacional” deteria a “prerrogativa de decidir entre habilitar o seu crédito ou promover a execução individual”.

Tal decisão gerou críticas à época, pois dava margem ao entendimento de que o devedor poderia escolher quais credores teriam seus créditos reestruturados no âmbito de um processo de recuperação judicial, violando o princípio da par conditio creditorum1.

Foi somente no final do mês de abril de 2022, no entanto, que a questão ficou esclarecida pela 2ª Seção, composta pelos Ministros de ambas as Turmas de Direito Privado do STJ. No julgamento do REsp 1.655.705, concluiu-se que, a despeito de a habilitação de crédito ser uma faculdade do credor, porquanto constitui direito disponível, a sujeição do crédito aos efeitos da recuperação judicial é obrigatória.

No entendimento da aludida Corte, a sujeição de um crédito à recuperação judicial deriva de norma cogente, cujas exceções estão expressamente previstas na própria lei 11.101/05, em especial nos arts. 6º, §7º; e 49, §§3º e 4º. Desse modo, o STJ decidiu que ao credor não listado pelo devedor ou não habilitado no processo concursal cabe a cobrança por meio de ação autônoma tão somente após o encerramento da recuperação judicial, levando-se em consideração as novas premissas e condições de pagamento previstas no plano de recuperação.

Conforme o voto do relator do REsp 1.655.705, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, “apesar de o credor que não foi citado na relação inicial de que trata o art. 51, III e IX, da lei 11.101/05 não ser obrigado a se habilitar, pois o direito de crédito é disponível, não terá ele o direito de receber seu crédito pelo valor integral, devendo se submeter às condições estabelecidas no plano de recuperação aprovado”.

O entendimento do REsp 1.655.705 foi recepcionado pela 4ª Turma, em 24/5/22, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos em face do acórdão do REsp 1.851.692. Embora o acórdão dos declaratórios esteja pendente de publicação, extrai-se do julgamento que, uma vez aprovado o plano de recuperação, o credor não habilitado terá o seu crédito novado, pois “[e]m qualquer hipótese, terá o ônus de se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial”2.

No entanto, embora seja louvável que o STJ tenha esclarecido aspectos que não estavam claros no julgamento do REsp 1.851.692 afastando, assim, preocupações sobre o esvaziamento dos propósitos da recuperação judicial, ainda remanescem dúvidas sobre como se dará a cobrança do crédito não listado pelo devedor e não habilitado na recuperação judicial.

De acordo com o STJ, seria cabível o cumprimento de sentença após o encerramento da recuperação judicial, sendo que o título executivo seria a sentença concessiva da recuperação judicial.

Porém, a partir de tal conclusão, surgem alguns questionamentos de ordem prática: (i) o credor não listado pelo devedor e não habilitado estará dispensado de primeiramente habilitar o seu crédito pelo rito do Código de Processo Civil para, somente então, executar o seu título ou tal providência é apenas necessária nas falências? (ii) caso seja dispensada a ação autônoma prevista no art. 10, §6º, da LRF, como sugere a decisão do STJ, a comprovação da exigibilidade, certeza e liquidez do crédito, no cumprimento de sentença, dar-se-á pela apresentação dos títulos originais comprobatórios do crédito – a respeito do qual não houve pronunciamento jurisdicional – em conjunto com o plano de recuperação judicial homologado? Estas questões não foram expressamente enfrentadas pela Corte Superior.

Desse modo, apesar de o STJ ter esclarecido a obrigatoriedade da sujeição de determinados créditos aos efeitos da recuperação judicial, independentemente da conduta processual do devedor e do respectivo credor, será necessário aguardar o pronunciamento da Corte a respeito de tais indagações para que se tenha segurança jurídica sobre as questões procedimentais envolvendo a cobrança do crédito não listado pelo devedor e não habilitado no curso do processo de recuperação judicial.

_____________

1 Nesse sentido, vejam-se: OLIVEIRA, Renata; MASCARENHAS, Carolina; e VARGAS, Nathália. “Novação do plano de recuperação não atinge credores concursais que optaram por não apresentar habilitação retardatária?” Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/348159/novacao-do-plano-de-recuperacao-nao-atinge-credores-concursais. Acesso em 20.7.2022; TAVARES, Renato Fermiano. “As divergências do STJ quanto à cobrança de créditos retardatários em RJ”. Acesso em 20.7.2022; TMA Brasil. “Quart@ OnLine: Habilitar ou não o crédito? Efeitos da novação (repercussão do RESP 1.851.692-RS”. Disponível em: https://www.tmabrasil.org/blog-tma-brasil/conteudo-tma/quarta-online-habilitar-ou-nao-o-credito-efeitos-da-novacao. Acesso em 20.7.2022.

2 STJ. “Relator esclarece consequências da opção do credor por não se habilitar no plano de recuperação.” Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17122021-Relator-esclarece-consequencias-da-opcao-do-credor-por-nao-se-habilitar-no-plano-de-recuperacao.aspx. Acesso em: 20.7.2022.

No mesmo sentido, vejam-se os julgamentos, disponíveis no sítio eletrônico do Youtube: “Quarta Turma – STJ – 14/12/2021”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9ln9v1tZ6VQ&t=6055s. Acesso em: 20.7.2022; “Quarta Turma – STJ – 25/05/2022”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zaPuCMcaSF8&t=3999s. Acesso em: 20.7.2022.

Luciana Celidonio
Sócia das áreas de Reestruturação e Insolvência e Solução de Conflitos do BMA Advogados. Ela possui mais de 20 anos de experiência lidando com controvérsias complexas (arbitragem e contencioso), envolvendo falência e contencioso bancário, societário e comercial.

Natalia Yazbek
Advogada sênior e líder de equipe de Reestruturação e Insolvência no BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.

Bruno Henrique Rosa
Advogado do escritório BMA Advogados.

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