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Embargos de declaração e seu cabimento: Variáveis e cuidados necessários, de acordo com a interpretação do STJ

Estas são algumas reflexões acerca das variáveis situações tratadas pela jurisprudência do STJ nos últimos anos.

28/7/2022

Um dos problemas mais enfrentados pelos nossos Tribunais, em matéria de recurso, é a verificação da correta oposição de Embargos de Declaração, especialmente no que respeita às múltiplas variáveis que vêm sendo interpretadas pelo Superior Tribunal de Justiça1 nestes últimos anos.

Com efeito, em que pese o disposto no art. 1.022, do CPC (cabimento contra qualquer decisão nas hipóteses de omissão, obscuridade, contradição e erro material), a Corte da Cidadania vem enfrentando algumas situações importantíssimas na prática forense, e que chamam a atenção de todos os operadores do direito – que passam a ser tratados neste breve ensaio.

A primeira hipótese que merece destaque, que é de todos sabida e já foi objeto de texto anterior2, diz respeito ao recurso cabível em face da decisão da Presidência ou Vice-Presidência do Tribunal Local no exercício do Juízo de Admissibilidade de REsp e/ou RE (art. 1.030, do CPC).

O ponto de partida para a compreensão do recurso a ser interposto em face da negativa de seguimento ou inadmissão do REsp é a análise dos motivos determinantes deste pronunciamento judicial. Em resumo, estas condutas podem ser adotadas (art. 1.030, do CPC) pelo Tribunal Local:

  1. negativa de seguimento: i. RE sem repercussão geral já declarada pelo STF ou quando a decisão local está em conformidade com o entendimento exarado pelo Pretório Excelso no regime da Repercussão Geral; ii. RE ou RESp interposto contra acórdão decidido em conformidade com o entendimento do Tribunal Superior advindo de julgamento de recurso repetitivo;
  2. remessa dos autos ao Órgão Julgador para o Juízo de Retratação, nos casos em que o acórdão local divergir do entendimento do Tribunal Superior advindo de recurso repetitivo ou Repercussão Geral;
  3. sobrestamento recursal, nos casos em que a controvérsia submetida a regime repetitivo ainda não foi apreciada pelo Tribunal Superior;
  4. seleção do recurso como representativo de controvérsia;
  5. realização do juízo de admissibilidade regular, com a remessa, em caso positivo, do feito ao STJ e/ou STF, desde que atendidos os pressupostos do art. 1030, V, a a c, do CPC; ou a inadmissão recursal.

Partindo destas múltiplas possibilidades, duas perguntas devem ser formuladas: qual o recurso cabível para impugnar a decisão que obstou a subida do RE ou o RESp? A decisão de negativa de seguimento ou de inadmissão podm provocar a oposição de EDs? O CPC procurou resolver estes questionamentos, com o regramento contido no art. 1.030, §§1º e 2º, a saber: ARESp ou ARE é cabível apenas quando a decisão de inadmissibilidade for pautada no inciso V, deste mesmo artigo, ficando as demais hipóteses sendo impugnadas por AgInt (art. 1.021 c.c art. 1.030, §2º). Logo, negar seguimento e inadmitir são situações absolutamente diferentes, inclusive para fins recursais.

Contudo, é fato que em alguns casos de negativa de seguimento ou inadmissão, o pronunciamento judicial é duvidoso, confuso, omisso ou contraditório, inclusive no que respeita ao enquadramento legal. Seria cabível a oposição de EDs para a correta integralização deste pronunciamento judicial, com posterior manejo de Agravo Interno ou AREsp/ARE? Particularmente entendo que sim, tendo em vista que, como já foi mencionado, o art. 1022, do CPC consagra a possibilidade de manejo dos aclaratórios contra qualquer decisão3.

O STJ tem afirmado que os EDs não são cabíveis contra as decisões de inadmissibilidade e que, se acaso manejados, não interrompem o prazo para o recurso correto.

Um alento a esta interpretação, abrindo espaço para o diálogo quanto ao cabimento dos EDs, ocorre quando a decisão é tão genérica que impossibilita ao recorrente analisar os motivos pelos quais seu recurso de fundo teve o processamento negado, o que inviabiliza até mesmo o manejo do Agint ou o AREsp (AgInt nos EDcl no AREsp 1950180/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, J. em 13/12/21, DJe 15/12/21 e  AgInt nos EDcl no AREsp 1799956/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, J. em 20/9/21, DJe 15/10/21).

Neste ponto, estamos diante de uma interpretação subjetiva (impossibilidade de análise das razões de decidir e que inviabiliza o manejo do AgInt ou AREsp) e excepcional; sendo regra, portanto, o incabimento dos EDs nestes casos e a não suspensão do prazo para o recurso efetivamente cabível.

Outro aspecto relevante na prática forense refere-se à análise do seguinte binômio: sucessivos EDs X preclusão do conteúdo decidido no primeiro pronunciamento judicial. Vejamos uma hipótese em que o interessado tenha oposto EDs e, após o pronunciamento que o apreciou, entenda cabível novo recurso de integralização. A questão refere-se à análise do que pode ser objeto destes novos aclaratórios, estando correta a interpretação do STJ no sentido de que há preclusão dos eventuais vícios contidos na decisão primeiramente embargada.

Dito de outra forma: nos novos EDs o recorrente apenas pode aduzir fundamentos ligados à existência de supostos vícios do pronunciamento proferido nos primeiros aclaratórios, tendo em vista a ocorrência de preclusão consumativa em relação aos supostos vícios do pronunciamento anterior e que não foram aduzidos nos primeiros EDs (EDcl nos EDcl nos EAg 884.487/SP,Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, J. em 19/12/2017, DJe 20/2/18; AgInt no AgInt no AREsp 1030707/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma – J. em 21/02/2022, DJe 25/02/2022 e EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1864363/MG, Rel. Min. Regina Helena Costa, 1ª Turma, J. em 14/02/2022, DJe 17/2/22).

Neste momento, torna-se importante analisar duas situações interligadas referentes ao atendimento do requisito para interposição de RE e REsp: exaurimento da instância ordinária.

A primeira delas é a seguinte: após o julgamento proferido monocraticamente pelo Relator na apelação, o interessado opõe EDs que, como previsto na própria legislação processual (art. 1024, §2º, do CPC), deveriam ser analisados em nova decisão monocrática integrativa, com o posterior manejo de AgInt para o órgão colegiado visando o exaurimento de instância. Contudo, em caso de apreciação colegiada dos aclaratórios opostos contra decisão unipessoal, apesar de estarmos diante de Acórdão, não está exaurida a instância ordinária para fins de recursos aos Tribunais Superiores, devendo ser objeto de anterior Agravo Interno (Súmula 281/STF).

Ou seja, no caso em questão, como a decisão embargada é unipessoal, mesmo com a apreciação colegiada dos EDs, deve o interessado interpor AgInt antes do manejo de RE e/ou REsp (AgInt no AREsp 1925280/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão , 4ª Turma, J. em 29/11/21, DJe 1/12/21; AgInt no AREsp 1876811/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, J. em 19/10/2021, DJe 25/10/21).

A recíproca também é verdade: partindo da premissa de que é admissível a apreciação monocrática de Eds opostos contra decisão colegiada (AgInt no AREsp 1509683/SP, rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, J. em 30.11.20, DJe 4.12.20), deve a parte interpor AgInt visando atender ao requisito do exaurimento de instância, sob pena do REsp incidir no óbice contido na Súmula 281/STF (AgInt no AREsp 1948684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighim 3ª Turma, J. em 6/12/21, DJe 09/12/2021; AgInt no RMS 56751/AM, Rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, J. em 28/6/21, DJe 30/6/21).

Estas duas situações devem ser interpretadas com muito cuidado na prática forense, tendo em vista que significar obstáculos e armadilhas a serem superadas, com a interposição de novo recurso (por vezes e à primeira vista desnecessário), visando atender ao requisito processual aqui discutido. Em suma: decisão monocrática e EDs colegiados ou decisão colegiada e EDs monocráticos, devem provocar análise de mais um recurso na Instância local, visando atender ao requisito do exaurimento de instância.

Outro tema relevante e já interpretado pelo STJ refere-se à análise da extensão do conteúdo do art. 942, do CPC, que trata da técnica da extensão do julgamento nos casos de apelação, rescisória e agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito.

A questão aqui a saber é a seguinte: a extensão de julgamento é cabível nos casos de embargos de declaração quando o voto divergente puder alterar o resultado anteriormente unânime do acórdão proferido em recurso de apelação? Imagine que, após o julgamento unânime da apelação, ocorra a oposição de Embargos de Declaração com apreciação por maioria (voto divergente alterando ou podendo alterar o resultado do julgado anterior), será necessária a extensão do julgamento, nos termos do art. 942, do CPC?

Este dispositivo, como já mencionado, não consagra diretamente a utilização desta técnica aos aclaratórios; contudo, em razão do caráter integrativo deste recurso, deve ser aplicada a técnica nos casos em que o voto divergente puder alterar o resultado unânime proferido na apelação (AgInt no AREsp 1873065/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, J. em 22.2.22, DJe 4.3.22; REsp 1910317/PE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, J. em 2.3.21, DJe 11.3.21). 

A partir deste momento, é importante discutir alguns julgados da Corte que tratam da utilização dos embargos de declaração visando situações específicas, a saber: mero inconformismo ou rediscussão de matéria decidida, sob o argumento de que há omissão ou contradição; utilização no sistema de controle de precedentes qualificados do STJ e também do STF.

Quanto ao primeiro ponto, é fato que existe grande quantidade de situações em que se utiliza dos EDs para tentar discutir aspectos ligados à interpretação judicial, inclusive levando em conta as diretrizes estabelecidas no art. 489, §1º, do CPC (conceito de fundamentação). 

O STJ tem precedentes no sentido de que os aclaratórios não podem ser manejados com o objetivo de tentar adequar o pronunciamento ao entendimento do embargante, especialmente no que respeita a análise de mero inconformismo ou nos casos em que o recorrente pretende rediscutir matéria decidida (EDcl no AgRg no AREsp 1946653/SP, rel Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, J. em 15.3.22, DJe 18.3.22; AgInt no AREsp 1954353/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, J. em 14.3.22, DJe 18.3.22). Neste ponto, há um limite a ser interpretado no caso concreto entre o conceito de omissão previsto nos arts. 1.022 c.c 489, §1º, do CPC, e a pretensão de rediscussão (mero inconformismo) de matéria já apreciada e decidida, que impede o manejo do apelo.

Na mesma pisada, a Corte consagra que a contradição que fundamenta a oposição dos EDs é a interna do julgado, observada nos casos em que há proposições inconciliáveis entre si, cabendo ao embargante demonstrar esta ocorrência (Edcl no AgInt no AREsp 1520414/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, J. em 14.3.22, Dje 18.3.22; Edcl nos Edcl no Resp 1881707/PE, Rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, 3ª Turma, J. em 14.3.22, Dje 18.3.22). 

Quanto à utilização dos embargos visando fomentar o diálogo com o sistema de precedentes qualificados, existem posicionamentos importantes do STJ e que merecem destaque neste breve ensaio, a saber:

  1. Incabimento de EDs, quando estes opostos visando a adaptação de entendimento do acórdão embargado à mudança jurisprudencial posterior (ERESp 1144427/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Regina Helena Costa, 1ª Seção, J. em 22.9.21, DJE 14.012.21; Edcl no Resp 734403/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, J. em 14.3.17, Dje 17.3.17);
  2. Cabimento dos aclaratórios, de forma excepcional, visando a adequação do acórdão à orientação firmada em Repercussão Geral pelo STF ou em recurso julgado sob o rito dos repetitivos (EDcl no AgInt no Eag 1345595/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, J. em 27.10.21, Dje 16.11.21; Edcl no AgRg no Resp 1350720/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, J. em 19.2.19, Dje 26.2.19);
  3. Nos casos em que os EDs são opostos visando a rediscussão de matéria já apreciada pela Corte de origem em conformidade com Súmula ou precedente julgado pelo rito dos repetitivos pelo STJ ou STF (incidência da Súmula 83/STJ), são considerados protelatórios para efeito de incidência da multa prevista no art. 1.026,§2º, do CPC (AgInt no AREsp 1790207/SP, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF- 5ª Região), 1ª Turma, J. em 21.6.21, Dje 24.6.21; AgInt no Resp 1605528/RN, Rel. Min. OG Fernandes, 2ª Turma, J. em 2.5.17; Dje 8.5.17).

Ainda no que respeita o uso protelatório dos EDs, existem precedentes que consideram possível a cumulação da multa prevista no art. 1.026, §2º, do CPC com aquela prevista para os casos de litigância de má-fé (arts. 80 e 81, do CPC/15), tendo em vista que possuem natureza jurídica distintas (EDcl nos Edcl nos Edcl no Resp 1829945/TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, J. em 14.12.21, DJe 17.12.21; EDcl no Resp 1819848/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, J. 21.11.19, Dje 27.11.19). 

Por derradeiro, cumpre aduzir que é muito comum, na prática forense, a utilização do chamado pedido de reconsideração que, utilizado de forma isolada (sem estar contido em um recurso), não interrompe e nem suspende o prazo recursal, da mesma forma que não pode ser recebido como embargos de declaração (e nem estes podem ser recebidos como pedido de reconsideração). Quanto a este ponto, vale a pena citar dois recentes julgados do STJ: RCD no AgInt no AREsp 1878854/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª turma, J. em 08.02.22, Dje 17.2.22; AgRg no HC 706265/PR, Rek, Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, J. em 14.12.21, DJe 16.12.21.

Estas são algumas reflexões acerca das variáveis situações tratadas pela jurisprudência do STJ nos últimos anos.

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1 Este ensaio trata de algumas situações constantes no Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça,  nºs 189 (de 08.04.2022) e 190 (de 22.04.2022). Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp. Acesso em 27.04.2022, 7h50. 

2 Recurso cabível contra decisão que nega seguimento a recurso. 

3 Como bem apontam Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: “a partir do CPC-2015, portanto, perde o sentido qualquer discussão sobre o cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória, decisão de relator ou decisão de Presidente ou Vice-Presidente do tribunal, que havia ao tempo do CPC-1973. Agora, qualquer decisão é embargável”. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 13ª edição,  Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p, 259.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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