Migalhas de Peso

O plágio X A inspiração em artes plásticas

O plágio é constituído pela usurpação não somente da obra por completo, mas também de características inerentes à obra, que por vezes pode não ser idêntica, ante a ausência de domínio do plagiador em relação as técnicas necessárias para reprodução.

29/7/2022

A arte é composta por inúmeras manifestações exteriorizadas provenientes do intelecto humano. Dessa maneira, conforme leciona Manoel J. Pereira, uma obra pode ser compreendida como o resultado da vivência, estudo e concepção de vida do autor.

A “obra intelectual” de que tratam as leis de Direitos Autorais configura uma criação humana concretizada em determinada forma, exteriorizada de alguma maneira e resultante do aporte individual ou da contribuição coletiva de determinadas pessoas.1

Assim, a Lei do Direito Autoral, 9610/98, garantirá a autenticidade dos autores e suas criações, conforme o art. 7º “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”

Embora exista a Lei do Direito Autoral, não há no texto legal a definição clara de plágio. Assim, o código penal apresenta punição para a infração cometida contra o direito do autor e define que tanto a reprodução total quanto parcial será considerada crime.

"Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A conceituação apresentada pelo código penal auxilia os doutrinadores e a jurisprudência a caracterizar o que é o plágio. Conforme José Carlos Netto, o plágio pode ser conceituado como a prática de tomar para si, de forma sutil, as ideias e elementos que constituem outra obra. 

A contrafação, na acepção genérica, consiste em qualquer utilização não autorizada de obra intelectual. O plágio, conforme a lição de Antonio Chaves, é mais sutil: “apresenta o trabalho alheio como próprio mediante o aproveitamento disfarçado, mascarado, diluído, oblíquo, de frases, ideias, personagens, situações, roteiros e demais elementos das criações alheias”2

Nesse contexto, para compreender o plágio a doutrina e a jurisprudência configuram algumas características essenciais. O intuito é definir como a atuação de um plagiador poderá ser identificada tanto em fatores subjetivos como objetivos.

DIREITO AUTORAL. PLÁGIO. Aluna do curso de mestrado que teve seu trabalho copiado e alterado na instituição de ensino. Cópia grosseira do trabalho de conclusão de curso. Desnecessidade de perícia técnica. Julgamento antecipado. Para a constatação de plágio deve ser observado:

(a) o grau de originalidade da obra supostamente plagiada;

(b) a anterioridade de sua criação (e publicação) em relação à obra supostamente plagiária;

(c) o conhecimento efetivo, ou, ao menos, o grau de possibilidade de ter o plagiador ter conhecimento da obra usurpada, anteriormente à criação da sua obra;

(d) as vantagens – econômicas ou de prestígio intelectual ou artístico – que o plagiário estaria obtendo com a usurpação; e

(e) o grau de identidade ou semelhança (em relação aos elementos criativos originais) entre as duas obras. Dano moral configurado também por ofensa aos direitos da personalidade – direitos morais de autor

(TJ-SP - AC: 10437177820198260002 SP 1043717-78.2019.8.26.0002, Relator: Costa Netto, Data de Julgamento: 14/4/21, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/4/21)

Por certo, analisando cada um dos aspectos necessários para a caracterização do plágio, o ponto de partida será a necessidade de publicação da obra, pois para configurar o plágio é necessário que o autor lesado comprove que sua obra foi publicada antes da obra que dará causa à violação do seu direito. Observe que a necessidade de anterioridade da publicação visa explicitar a má-fé do plagiador.

O grau de conhecimento do plagiador sobre a obra é um aspecto importante, vinculado à necessidade de anterioridade, pois é necessário que o plagiador tenha conhecimento sobre a obra usurpada, ou seja, que aja de má-fé visando aproveitamento de técnicas e fama da obra já produzida e publicada.

Ao conhecer determinada obra e verificar o prestígio que a criação fornece ao autor, o plagiador decide tomar para si tais características, obtendo vantagens, que podem ser de ordem econômica ou moral. Este é um elemento fundamental para basear o direito de o autor plagiado buscar por reparação.

Logicamente, o plágio será configurado pela semelhança das obras. Observe que o plágio não se trata somente sobre a cópia integral de uma obra, mas também a concepção de uma obra composta por elementos semelhantes aos apresentados na obra original. 

Assim, será necessário observar a originalidade da obra supostamente plagiada. Uma obra original possui destaque naturalmente, pois é composta por elementos que a diferencia das demais. Sob a ótica doutrinária, a originalidade é compreendida da seguinte forma:

A originalidade de uma obra pode referir-se tanto ao assunto quanto à forma. Tanto uma obra em que o assunto e a forma são novos quanto a obra em que se deu nova forma a um assunto preexistente são originais; como o conteúdo essencial tutelável da obra é representado pela atividade criativa e formadora, que determina no mundo externo a produção de elementos que antes não existiam

Observe que a originalidade não é sinônimo de algo que nunca existiu, não se tratando de pré-requisito para a concepção de direito, como acontece na propriedade industrial, na qual a novidade é conceito essencial. A originalidade pode ser contemplada dentro de uma ideia pré-existente que ganhou forma de maneira diferente.

Portanto, é necessário compreender o limite da inspiração para que não seja entendida como plágio. Segundo o dicionário Aurélio, inspiração pode ser compreendida como “resultado do que foi criado a partir de um estímulo de criação.”

Nesse sentido, não se trata de uma cópia de características, mas sim um estímulo para a criação de algo inovador. Assim, quando um artista passa a copiar características inerentes a outro autor, não se caracteriza inspiração, mas plágio, pois não há novidade inventiva, e sim a reprodução de um padrão lógico criado por outrem.

Dessa maneira, é necessário observar que a maioria das obras, em especial as artes plásticas, possuem características próprias e elementos que as tornam memorativas e associativas ao seu autor.

Sem dúvida, o plágio não decorre somente de cópia integral ou parcial de uma forma de expressão, mas sim de elementos evidentes e tangíveis nas obras. Assim, a pretensão de camuflar o plágio afirmando que se trata apenas de inspiração é desonesto e caracteriza crime previsto no Código Penal, além de ser repudiado pela doutrina:

De qualquer maneira a maioria dos juristas que se dedicaram ao estudo da matéria procurou deixar claro que objeto da proteção não deve ser a ideia (que originou a obra), mas, sim a sua concepção estética – a sua forma de expressão – materializada como “obra intelectual".3

Depois, o elemento primordial do plágio é de ordem moral. Quem plagia sabe, perfeitamente, que está se apossando de algo que não é seu. Portanto, mesmo que ninguém perceba o plágio (o que é muito difícil, em música, pelo menos) ele, o plagiador, sabe que está agindo mal.4

Assim, a prática do plágio garante ao autor lesado a prerrogativa de buscar seus direitos e garantir que a prática seja encerrada. É importante salientar que os autores são detentores de direitos morais e patrimoniais, sendo que a violação da sua obra constitui infração a ambos.

A lei do direito autoral concede a terceiros o direito de reproduzir as obras sem a necessidade de autorização em algumas ocasiões, especialmente para utilização voltada à educação ou à expansão da obra. Entre essas concessões, há uma que merece destaque?

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.5

Note que o direito de reproduzir obras de outrem será garantido em pequenos trechos, porém, quando se tratar de artes plásticas, a reprodução será autorizada somente de forma integral. Além disso, é necessário que o a reprodução em si não seja o principal objetivo da nova obra e nem prejudique a exploração normal da obra reproduzida.

Assim, ressalvados os casos mencionados, será considerado ato passível de indenização moral e patrimonial a reprodução de uma obra ou das características inerentes a ela. Observe que a lei do direito autoral proíbe, salvo as exceções trazidas, não somente a reprodução parcial ou integral de uma obra, mas também a adaptação da obra.

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

  1. A reprodução parcial ou integral;
  2. IA edição;
  3. A adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
  4. A tradução para qualquer idioma;
  5. A inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
  6. A distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
  7. A distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;5

Nesse sentido, a inspiração de uma obra é muito diferente do plágio. A inspiração, conforme demonstrado, versa sobre a possibilidade de ser iluminado pela obra original e inspirado a criar algo diferente, composto por características próprias.

Por outro lado, o plágio é constituído pela usurpação não somente da obra por completo, mas também de características inerentes à obra, que por vezes pode não ser idêntica, ante a ausência de domínio do plagiador em relação as técnicas necessárias para reprodução. Entretanto, isso não afasta a má-fé de quem plagia. Por fim, o plágio é extremamente combatido e um fatal inimigo da inovação. Ele visa usurpar o período despendido por quem criou, além disso, toma para si o prestígio que não lhe é devido.

----------

1 DOS SANTOS, Manoel J. Pereira; JABUS, Wilson P.; ASCENSÃO, José de O. Direito autoral.: Editora Saraiva, 2020. 9786555591521. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555591521/. Acesso em: 12 jul. 2022.

2 NETTO, José Carlos C. Direito autoral no Brasil.:Editora Saraiva, 2019. 9788553611089. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553611089/. Acesso em: 12 jul. 2022.

3 NETTO, José Carlos C. Direito autoral no Brasil. Editora Saraiva, 2019. 9788553611089. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553611089/. Acesso em: 12 jul. 2022.

4 Plágio em música. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 95.

5 BRASIL. Lei nº 9610/98, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em 13 de julho de 2022

Lorena Marques Magalhães
Advogada na Barreto Dolabella advogados, mestranda em propriedade intelectual e transferência de tecnologia na UNB

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A insegurança jurídica provocada pelo julgamento do Tema 1.079 - STJ

22/11/2024

O fim da jornada 6x1 é uma questão de saúde

21/11/2024

ITBI - Divórcio - Não incidência em partilha não onerosa - TJ/SP e PLP 06/23

22/11/2024

Penhora de valores: O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o Tema 1.285?

22/11/2024

A revisão da coisa julgada em questões da previdência complementar decididas em recursos repetitivos: Interpretação teleológica do art. 505, I, do CPC com o sistema de precedentes

21/11/2024