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A Vara Especializada e os “Amici Curiae”

Episódio pouco observado de Shakspeare no seu “O Mercador de Veneza” é a assistência que tem o Juiz, da parte de bacharéis, especialistas em Direito. O Dodge, ou Duque, enquanto julgador, não tinha o necessário conhecimento do Direito, razão porque era costumeiramente assistido por letrados.

23/3/2007


A vara especializada e os “Amici Curiae

(terceira parte)

Fernando Humberto dos Santos*

Episódio pouco observado de Shakspeare no seu “O Mercador de Veneza” é a assistência que tem o Juiz, da parte de bacharéis, especialistas <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito. O Dodge">em Direito. O Dodge, ou Duque, enquanto julgador, não tinha o necessário conhecimento do Direito, razão porque era costumeiramente assistido por letrados. A ação tem curso por volta dos séculos 11 ou 12, naquela cidade-estado do Adriático, onde vicejava o Direito Medieval. Os assistentes do Julgador (advogados) são exatamente o que se costumou denominar, naquela época, de “Amicus Curiae”. Da mesma forma, em questões do comércio, de arte naval, de arquitetura, etc., valia-se o Julgador de especialistas conforme devesse ser mais bem informado. Todos “amici curiae”.

Com as transformações do Direito Europeu, esses próprios assistentes acabaram desaguando na profissão dos Juízes, separando-se da figura do Senhor Feudal. Pouco a pouco desapareceu no Continente, essa assistência, sobrevivendo, no entanto, até os dias de hoje, no direito anglo-saxão. È que, ao contrário do nosso direito, digamos “legal”, no “common law“ prevalece o “judicial case”, que transforma cada julgamento em precedente jurídico jurisprudencial de força quase absoluta.

Desapareceu no nosso direito, entretanto, como figura típica do processo, mas continua presente como nos casos dos louvados, avaliadores, peritos, arbitradores, etc. Menos comum nos dias de hoje, mas com seus pareceres, muito participaram os juristas, os profissionais da medicina, os da engenharia, etc., no julgamento de inúmeros casos.

A Vara de Conflitos Agrários tem uma experiência “sui generis”, contando com apoio logístico, técnico e jurídico de diversas entidades, entre elas a Polícia Militar, o INCRA, o ITER, a FUNAI, a Fundação Palmares, o IGAM, a Procuradoria da Receita Federal, a Ouvidoria Agrária Nacional, o IEF, as Secretarias de Meio-Ambiente e de Reforma Agrária, Prefeituras Municipais, etc., conforme o caso. O ITER, o INCRA e a PM chegam a ser chamados de permanentes parceiros de trabalho. Além disso, participam ocasionalmente das audiências públicas órgãos outros como a CEMIG, Furnas, o Banco do Brasil, o DNPM, etc., conforme tenha ocorrido a incidência de interesses de pessoas, posseiros ou proprietários, expulsas da terra pelas inundações de barragens, ou de credores do proprietário da terra, ou de interesses minerários.

A Constituição de 1988 (clique aqui) , ao determinar a criação dessas varas especializadas proporcionou a resolução de questões fundiárias sob a ótica da conciliação, evitando o desassossego jurídico e a violência no campo. A atuação da Vara proporciona às partes conflitantes rara oportunidade de resolver os litígios de forma pacífica, através de conciliação e transação juridicamente homologada. Às audiências, além da parte autora e dos ocupantes, sempre comparecem representantes do seu interesse jurídico, o MST, outros movimentos e Ligas, desprovidos de personalidade jurídica, bem como a Pastoral da Terra, órgãos de Direitos Humanos e Sindicatos, que, a rigor e tecnicamente, não são parte da ação. Enquanto manifestem interesse de que a tese jurídica favorável aos “sem terra” e sua ocupação seja vitoriosa, atuam no âmbito do processo não como parceiros conciliadores, mas como verdadeiros “amici curiae”, dos dias de hoje.

O Instituto Jurídico “Amicus Curiae” permite que pessoas alheias à lide penetrem no universo restrito do processo para expor teses jurídicas de interesse de segmentos da sociedade. Traduzem a ótica particular de uma das partes envolvidas na questão e não um puro conceito objetivo de direito. Não agem diferentemente dos pareceres jurídicos, que não sendo favoráveis à parte jamais virão ter aos autos.

Ademar Maciel (Amicus Curiae, um Instituto Democrático, in Revista do IAMG, nº 8 - 2002) diz que a melhor tradução de “amicus curiae”, hoje, seria de amicus partis, ou amicus causae (p. 133).

Foi introduzido recentemente no Processo Civil Brasileiro com a edição da Lei no 9.868/99 (clique aqui) para dispor sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF. Admite que: “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades” (art. 6º, § 2o.). Pela primeira vez, no Direito Processual Brasileiro reconhece-se ao estranho à lide o direito de postular em juízo em seu próprio nome, na defesa de interesses de terceiros. Ainda se discute sobre a necessidade de consentimento das partes ou de que possa, ou não, o “amicus curiae” fazer sustentação da tribuna, além de não se perceber sua atuação fora da Suprema Corte. O que importa, no entanto, é o seu reconhecimento como Instituto democrático de aperfeiçoamento da relação jurídico processual.

Na medida em que não afronte o Direito Processual, nem sua instrumentalidade ou o devido processo legal, a Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais vem admitindo a presença de diversos órgãos e entidades não só na fase conciliatória, mas também na defesa dos interesses dos participantes. É bem verdade que esses “amici curiae”, quase em regra, têm atuado na defesa de teses favoráveis aos ocupantes, ou “sem terras”, mas nada impede que entidades ou sindicatos ligados aos donos das terras ocupadas ou sob ameaças atuem no interesse de suas teses jurídicas e, como os demais, contribuam para as composições e transações, além de facilitarem na mediação, para os casos de retiradas dos ocupantes, sempre em respeito aos direitos humanos e na defesa da ordem, da segurança jurídica e da paz social.

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*Professor de Direito Civil da PUC-Minas, Mestre <_st13a_personname w:st="on" productid="em Administra??o P?blica">em Administração Pública pela UFSC, Juiz Titular da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte e Ex-Juiz da Vara de Conflitos Agrários, hoje seu substituto





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