A História da Civilização Humana permite análises sob os mais diferentes pontos de vista. Gosto de pensar nessa evolução enfocando a secular luta pelo poder e o confronto entre os detentores do poder e o resto da população.
Comandar os homens, exercer o poder, sempre exigiu uma razão de ser. Uma explicação convincente. Com efeito. Num voo à velocidade da luz por sobre a linha do tempo, constatamos que a legitimidade do poder foi justificada, ao longo dos tempos, de diversas formas. Em priscas eras, o poder era simplesmente imposto pela força bruta. Mais tarde, a sociedade humana se tornou mais complexa e então surgiram teorizações e razões de ordem mística para tornar o poder legítimo. Essa linha evolutiva, em importantes nações ocidentais, chega ao absolutismo, que subjuga totalmente a vontade do povo. Mas, em seguida, o poder absoluto é derrotado. Surgem novas teorias sobre o poder e revoltas populares derrubam o absolutismo, marcando a ascensão da participação da sociedade em seus destinos.
Mas, ao longo da História da Humanidade, houve exceções: na Grécia antiga, vigiam os ideais da democracia – vocábulo que justamente deriva do grego “demokratía”, sendo essa uma palavra composta por “demos” (povo) e “kratos” (poder): o poder exercido pelo povo.
Rios de tinta já foram gastos para explicar o sentido da palavra “democracia”, que ainda hoje é o sistema político melhor que existe – ou, nas célebres palavras de Churchil:
“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
Por outro lado, como se sabe, a democracia pode ser direta ou indireta, mas de qualquer maneira, como disse Abraham Lincoln, “a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”.
Todavia, para que o exercício do poder com a participação do povo, diretamente ou mediante representantes, pudesse realmente equilibrar o jogo do mando e trazer um ambiente no qual todos pudessem se realizar como pessoas humanas, era preciso que o próprio Estado se submetesse ao ordenamento jurídico, que todos fossem livres e iguais perante a lei e que todos realmente usufruíssem dos direitos que sua Constituição lhes assegura. Numa palavra: além de Democrático, o Estado precisa ser também de Direito. Um Estado de Direito Democrático, com tripartição dos Poderes Estatais. Reconhecemos um verdadeiro democrata quando ele respeita esses fundamentos básicos, que se completam com outros, como o respeito à res pública e princípios fundantes de seu completo perfil.
Mas, até a Constituição Federal de 88, o homem do povo era um ser desarmado em face dos poderosos, que exerciam o poder à revelia desses limites.
Por essa razão, o Ministério Público, durante a Constituinte de 88, buscou ser o que se chamou de “braço armado do cidadão em face dos que exercem o poder” e conseguiu escrever na Constituição Cidadã (para nos lembrarmos do saudoso Ulysses Guimarães) a seguinte norma:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II – Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia.
No entanto, quando se olha para os dados estatísticos, o quadro de desrespeito aos direitos assegurados constitucionalmente é simplesmente estarrecedor: mais de cem milhões de cidadãos brasileiros não contam com água encanada e esgotamento sanitário! Nossa infraestrutura rodoviária, ferroviária, portuária e aeroportuária é mínima e alarmante. Consequentemente, embora o País produza muito, muita gente passa fome! As ruas das cidades grandes são dormitórios para milhões de pessoas, que se acomodam como podem em parques, sob marquises e nas calçadas. A educação é simplesmente relegada a um terceiro ou quarto plano: escolas em ruínas, alunos caminhando quilômetros para chegar à escola e muitas crianças sem vagas ou tendo que trabalhar (ilegalmente) para auxiliar na economia doméstica.
Além disso tudo – que é apenas uma visão superficial do nosso contexto social – a falta de segurança é incrível! Será mesmo impossível traçar uma tática e uma estratégia inteligentes para combater a droga, causa primeira dos furtos e roubos?
É evidente que muitas medidas dependem de recursos, às vezes inexistentes. Mas, sem haver uma pressão legal em todas as esferas – União, Estados e Municípios – o quadro descrito jamais irá se modificar. Não se advoga aqui uma ação avassaladora, que não leve em conta o fator econômico, o tempo necessário, a proporção adequada.
Todavia, é de se lembrar que a nossa CF/88, com quase trinta e cinco anos de existência, sob o ângulo ora enfocado, muito pouco saiu do papel.
É preciso muito engenho e arte, como diria Camões, para recuperar o tempo perdido – mas sem o primeiro passo não se inicia uma jornada.