Há muito se projetou uma revolução do INSS ao ponto de bem atender seu público-alvo e, com esperada eficiência, abrigar seus filiados através da entrega de seu pacote de proteção.
Revolução essa que procurou na habitual alteração normativa um costumeiro caminho a ser tracejado.
Inobstante tal fato, sem dúvidas, visível que o sistema previdenciário brasileiro é um dos mais complexo do mundo, com exclusivas regras, criações únicas, intensa produção normativa, relativização da constitucional garantia do direito adquirido, além de outros elementos que colocam a Previdência Brasileira em posição de constantes estudos e debates.
Nesta toada e invocando a ferramenta hermenêutica histórica sempre assim o foi, vale dizer, a partir da retomada dos ares democráticos, os governos que se instauraram fizeram pontuais reformas, sem um acurado e qualificado debate coletivo amplo, mas agiram de forma apressada e na maioria das vezes sob pressão e ingerência do segmento econômico.
Logo, o que se observou ao longo de vários anos, de fato, foi somente uma revolução normativa, de relativa eficácia e questionáveis métodos, sendo nítido que unicamente por este prisma o que se vê é um sistema previdenciário em verdadeiro e desenfreado colapso institucional.
Lado outro, em simetria à revolução normativa do sistema previdenciário, também se notabilizou uma modernização do INSS, de modo a tentar bem atender seus sujeitos protegidos, com economia, rapidez, eficiência, acessibilidade, dentre outros aspectos.
Neste cenário, o sistema avançou, com a utilização das ferramentas tecnológicas não somente para a funcionalidade-mor do INSS, mas ainda visando a garantia de manutenção com o combate de fraudes, transmitir informações à sociedade de forma ampla, sobretudo pelas habituais novidades normativas.
A central única através do telefone 135; o acesso via a homepage MEUINSS; INSS Digital; o agendamento dos pedidos e outros serviços como forma de segurança e organização no atendimento; requerimentos exclusivos pela homepage oficial; convocações eletrônicas; tele perícias; atendimento via whattsapps; inteligência artificial; aperfeiçoamento do CNIS; cruzamento de dados através do CNAE empresarial; parcerias com a OAB, Sindicatos, Confederações, RHs das empresas; integração junto a comunidade jurídica através de simpósios, seminários e congressos; criação de aplicativos; reconhecimento automático via CNIS; aumento do banco de pesquisas dos servidores; aperfeiçoamento da instrução normativa, etc., são algumas, das várias medidas de modernização do sistema.
Aliás, recentemente se noticiou que: “INSS e Telebras assinam contrato para melhoria na qualidade da internet nas agências”1 e “INSS usará robôs na análise de recursos administrativos dos segurados. Há mais de 1,7 milhão de processos na fase inicial” 2.
Ao que se percebe a modernização previdenciária está viva e presente, tentando acompanhar os próprios avanços tecnológicos da sociedade nas demais áreas, contudo, uma urgente reflexão, ou seja, não viverá o sistema previdenciário unicamente a partir deste midiático processo.
É que o cenário nacional da política de proteção previdenciária está em visível colapso, um caos institucional sem precedentes, sem projeções de solução a curto e médio prazo e cada vez mais avolumado em desenfreadas demandas.
Fenômenos conhecidos como a excessiva judicialização previdenciária3, a enorme fila de atendimento4, a falta de servidores5, a insegurança jurídica pelas constantes reformas6, dentre outros nevrálgicos aspectos apontam para um sistema cada vez mais inconfiável, inseguro e distante das premissas constitucionais, a ponto de relativizar seu processo de modernização sob a perspectiva do caótico cenário brasileiro.
Tem-se assim que ponderar em bases racionais que um processo de modernização só se justificará se as bases da justiça social que fundamenta a vida previdenciária se tornar presente na comunidade, e não o contrário, ou seja, imprimir modernidade em um sistema fragilizado, em crise e distanciado de seu público-alvo.
O relevo da técnica previdenciária e sua justiça social são de grande monta no dia-a-dia dos trabalhadores, a ponto de se verificar que vários lares apenas sobrevivem com os benefícios auferidos, aliás, com agravamento do quadro a partir da pandemia em sensível aumento das necessidades mais básicas.
Neste sentido, uma recente pesquisa: “92% dos aposentados recebem recursos do INSS”7.
Portanto, a justiça social ancorada em qualquer prestação previdenciária é algo incontroverso, de relevo e imprescindível ao vigente Estado do Pós-Social, em que os valores fundamentais do texto constitucional continuam a fundamentar qualquer técnica previdenciária.
Os desafios então a serem observados e enfrentados envolvem certamente a gestão moderna do sistema e a sua esperada funcionalidade qualitativa, tal qual projetado para existir.
A modernização certamente detém destacado papel neste cenário, contudo, sem sentido, vida e alma se desapegada do intento máximo e supremo da justiça social e proteção de todos seus envolvidos.
Wagner Balera, em conhecida lição registra acerca da importância da cobertura e atendimento previdenciário, no sentimento traçado pelo Poder Constituinte Originário:
“A todos é reservado igual lugar, aquele que lhe confere cobertura e atendimento segundo a respectiva necessidade, na estrutura institucional da proteção social. Eis a razão de termos afirmado que a universalidade se constitui na específica dimensão do princípio da isonomia (garantia estatuída no art. 5º da lei Maior), na Ordem Social. É a igual proteção para todos. São dois os modos pelos quais se concretiza a universalidade. De um lado, ela opera implementando prestações. De outro, ela identifica os sujeitos que farão jus a essas prestações. A universalidade da “cobertura” refere-se às situações da vida que serão protegidas. Já a universalidade do “atendimento” diz respeito aos titulares do direito à proteção social. Todas as pessoas possuem tal direito”.8
De igual forma, Wladimir Novaes Martinez acentua que:
“É a técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte – mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes”.9
O cenário aqui brevemente contextualizado, em linhas gerais, provoca o necessário debate de um dilema social visível, um autêntico paradoxo entre a importante modernização do sistema previdenciário através de sua autarquia gestora (INSS) e a funcionalidade em crise deste mesmo órgão.
A bem da verdade, uma ruptura das bases do sistema que, de um lado, tenta um outro modelo de gestão, mas que de outro prisma, distancia seus personagens através de uma ineficiência cada vez mais acentuada em pleno divórcio com a programação de 1988, aliás, que não projetou qualquer paradoxo institucional.
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1 https://www.gov.br/inss/pt-br/assuntos/inss-e-telebras-assinam-contrato-para-melhoria-na-qualidade-da-internet-nas-agencia
2 https://extra.globo.com/economia-e-financas/inss-usara-robos-na-analise-de-recursos-administrativos-dos-segurados-ha-mais-de-17-milhao-de-processos-na-fase-inicial-25511017.html
3 https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/desajustes-favorecem-judicializacao-previdenciaria/
4 https://oglobo.globo.com/economia/epoca/inss-tem-fila-recorde-com-285-milhoes-espera-de-beneficio-equivalente-populacao-de-salvador-25449108
5 https://www.direcaoconcursos.com.br/noticias/concurso-inss-2022-deficit-impacto/
6 https://cnts.org.br/noticias/reforma-da-previdencia-completa-um-ano-com-atrasos-e-filas-para-se-aposentar/
5 https://br.financas.yahoo.com/news/92-dos-aposentados-recebem-recursos-do-inss-171148560.html
6 BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. São Paulo: LTr, 2000. p. 18
7 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr. 2012. p.33.