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A responsabilização de empresas brasileiras por atos contra administrações estrangeiras

Dentre as diversas inovações trazidas pela lei – a exemplo da responsabilização solidária de coligadas e grupo econômico, estipulação de sanções e a previsão de procedimentos administrativos e judiciais para coibir a prática de atos lesivos - outro diferencial se refere a sua aplicação extraterritorial.

22/7/2022

Em 11 de julho último, foi publicado o decreto 11.129/22, que regulamenta a responsabilização de agentes pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, prevista na lei 12.846 (Lei Anticorrupção). O decreto reforça a aplicação extraterritorial da Lei Anticorrupção, especifica as diretrizes para aplicação de sanções, bem como delimita a competência da Controladoria-Geral da União (CGU) para instaurar e julgar os Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) relativos a atos cometidos contra administração pública estrangeira.

Quando da sua criação, a Lei Anticorrupção representou um marco relevante no ordenamento jurídico brasileiro no que tange ao combate à corrupção, sendo a primeira lei a responsabilizar objetivamente pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos à administração pública. Assim, passou a ser possível punir as pessoas jurídicas independentemente de dolo ou culpa, cabendo ainda desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso de direito.

Dentre as diversas inovações trazidas pela Lei – a exemplo da responsabilização solidária de coligadas e grupo econômico, estipulação de sanções e a previsão de procedimentos administrativos e judiciais para coibir a prática de atos lesivos - outro diferencial se refere a sua aplicação extraterritorial.

Ou seja, a Lei prevê a responsabilização de pessoas jurídicas com sede, filial ou representação em território brasileiro que tenham cometido ato contra a administração pública, nacional ou estrangeira. E a administração pública estrangeira será (i) “órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de países estrangeiros”; ou (ii) “pessoas jurídicas controladas pelo poder público de país estrangeiro” (art. 5º).

Enfatize-se este ponto: a Lei atinge tanto pessoas jurídicas estrangeiras que atuam no Brasil, como empresas brasileiras (ou com representação no Brasil) que tenham praticado ato de corrupção contraente público estrangeiro.

Ao reforçar a aplicabilidade extraterritorial, o Decreto 11.129/22 descreve para atos praticados (i) “por pessoa jurídica brasileira contra administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior”; (ii) “no exterior, quando praticados contra a administração pública nacional” (art. 1).

Adicionalmente, o novo decreto regulamenta a competência da CGU para instaurar, apurar e julgar PAR relativo a atos praticados contraente público estrangeiro, passando a prever rito procedimental específico para sua condução. A CGU também continua sendo competente para celebrar acordos de leniência nos casos em que haja lesão a administração pública de países estrangeiros.

Outra novidade trazida pelo ato normativo é a previsão de intimação de pessoa jurídica estrangeira na figura de seu gerente, representante ou administrador, independentemente de instrumento procuratório ou previsão contratual ou estatutária (art. 7, §3, Decreto). Esta medida facilita o processo de intimação de agentes estrangeiros, garantindo maior celeridade ao processo.

Quanto às penalidades, o Decreto pormenoriza a fixação e aplicação das sanções administrativas anteriormente previstas na Lei Anticorrupção: multa e publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora (art. 19). O Decreto ainda dispõe que, no caso de atos que infrinjam igualmente a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 14.133), o direito de participação em licitações e contratos públicos da pessoa jurídica pode ser restrito, conforme estipulação de PAR. 

No que tange às multas, a Lei Anticorrupção se mostrava subjetiva quanto a sua aplicação e dosimetria. Inicialmente, a Lei previa mera estipulação de multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos, fixados de acordo com critérios como gravidade e consumação da infração.

Com o decreto 11.129/22, aprimorou-se o detalhamento da base de cálculo das multas, atribuindo um percentual específico do faturamento bruto da empresa a cada fator majorante da sanção. Desta forma, o cálculo da multa a ser aplicada no âmbito do PAR passa a ser mais objetivo e assertivo.

Com estes aprimoramentos, o novo Decreto busca se ater aos princípios da administração pública, em especial da moralidade administrativa, e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.  Desta forma, a Lei Anticorrupção e o Decreto 11.129 têm inspiração na Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (internalizada pelo decreto 5.687/06). Esta Convenção incentiva a implementação de mecanismos pelos países para prevenção da corrupção, enfatiza a cooperação internacional para coibir a prática de corrupção, bem como estimula a criação de sanções e tipificação penal para repreender a prática de tais atos. 

O Brasil é ainda signatário da Convenção Interamericana contra a Corrupção da OEA (Decreto 4.410/02) e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE (Decreto 3.678/00). Estas Convenções também embasam compromissos assumidos pelo País no combate a corrupção.

A aplicação extraterritorial de normas anticorrupção tampouco é inovação da legislação brasileira. A lei federal norte americana – Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) – bem como a legislação inglesa –, Bribery Act – também contêm cláusulas de extraterritorialidade, além da possibilidade de celebração de acordos, e de programas de integridade como forma de prevenção de riscos nas empresas.

Comparativamente, entretanto, a FCPA e o Bribery Act focam na punibilidade penal, diferentemente da Lei Anticorrupção, que se limita à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas.  A Lei brasileira também se difere das demais em razão da previsão de sanções contra atos lesivos praticados em licitações e contratos públicos (art. 5, IV, lei 12.646/13 e arts. 16 e 19, parágrafo único, decreto 11.129/22). Esta característica é de particular para empresas brasileiras que participam de licitações no exterior.

É obviamente desejável que o Brasil volte a exportar serviços e a vencer licitações estrangeiras como no passado, mas a entrada em vigor do decreto 11.129/22, recomenda a criação, implementação e aprimoramento de programas de compliance que possam coibir e formar uma cultura empresarial que mitigue riscos de atos lesivos à administração pública, aqui e no exterior.

Welber Barral
Sócio do Barral Parente Pinheiro Advogados.

Maria Eduarda Milki
Sócia do Barral Parente Pinheiro Advogados.

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