Migalhas de Peso

A "quadrilha do Pix” e a responsabilidade dos bancos

Uma breve reflexão a respeito da responsabilidade civil das instituições financeiras.

21/7/2022

Vem sendo noticiado pelos veículos de imprensa que o aumento de sequestros relâmpagos, roubo e furto de celulares tem levado muitas pessoas a habilitarem um smartphone adicional, mantido em local seguro, exclusivo para a movimentação de aplicativos de bancos1 .

E isso porque os celulares viraram objeto de cobiça de criminosos, não apenas por seu valor em si, mas, principalmente, por serem utilizados para invadir as contas bancárias das vítimas, propiciando altos lucros às “quadrilhas do Pix”, o que, inclusive, atraiu a atenção do Primeiro Comando da Capital (PCC)2 .

Diante da propagação de crimes dessa natureza, é inevitável o questionamento: há alguma responsabilidade dos bancos envolvidos?

Em relação ao banco de onde o dinheiro da vítima foi subtraído, é certo que se houve falha de segurança do aplicativo da instituição financeira, sua responsabilização será de rigor.

 Ainda, se a movimentação realizada pelo criminoso destoou do perfil do titular da conta bancária, a instituição financeira igualmente deverá ser responsabilizada, conforme a jurisprudência de nossos Tribunais. Nesse sentido:

“BANCÁRIOS – Ação de indenização por dano material e moral - Alegação de roubo de celular e consequente fraude praticada por terceiros, consistente em transferências, via Pix, de valores depositados na conta do autor - Improcedência – Operações realizadas em valor e horário fora daquele do perfil do autor - Falha no dever de segurança da instituição financeira na prestação dos serviços - Responsabilidade objetiva por fortuito interno decorrente de fraude - Súmula 479 do STJ – Dano material comprovado – Restituição devida - Dano moral configurado - Indenização arbitrada (R$ 10.000,00) que se mostra adequada ao caso concreto e atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade – Ação procedente - Sentença modificada - Recurso parcialmente provido”3  (nossos realces).

No tocante ao banco que recebeu os recursos da vítima, penso que também poderá ser responsabilizado, em se comprovando através de ação judicial que a conta bancária de destino fora aberta em nome de um “LARANJA”.

“LARANJA” é o terceiro de boa-fé que teve a sua documentação ardilosamente fornecida ao banco por algum membro da “quadrilha do Pix”, no momento da abertura da conta bancária utilizada para receber o produto do crime. Minutos após a transferência dos recursos da vítima, essa conta bancária é esvaziada, e o golpe se consuma.

Como já havia mencionado em artigo anterior 4, é evidente que os bancos, ao flexibilizarem as rígidas normas de controle de abertura de contas bancárias estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, visando aumentar a sua carteira de clientes, auferem um lucro imenso. Porém, fomentam a criminalidade!

Nesse sentido, é certo que o Conselho Monetário Nacional editou a resolução 4.753/19, a qual estabelece os requisitos a serem observados pelas instituições financeiras no momento da abertura de contas bancárias (KYC – Know Your Customer).

O art. 2º da referida resolução assume especial importância:

“Art. 2º As instituições referidas no art. 1º, para fins da abertura de conta de depósitos, devem adotar procedimentos e controles que permitam VERIFICAR e VALIDARIDENTIDADE e a QUALIFICAÇÃO dos TITULARES DA CONTA e, quando for o caso, de seus representantes, bem como a AUTENTICIDADE das informações fornecidas pelo cliente, inclusive mediante confrontação dessas informações com as disponíveis em bancos de dados de caráter público ou privado”. (nossos realces)

Conforme se verifica, o art. 2º da Resolução 4.753/19 delega às instituições financeiras a responsabilidade pela CONFERÊNCIA acerca da exatidão das informações prestadas por seus clientes.

Em realidade, tamanha é a preocupação com a AUTENTICIDADE da identidade e qualificação do titular da conta bancária, que o art. 7º da referida Resolução disciplina:

“Art. 7º As instituições, por meio dos procedimentos e das tecnologias utilizados na abertura, na manutenção e no encerramento de conta de depósitos, devem ASSEGURAR :

I - a integridade, a AUTENTICIDADE e a confidencialidade das informações e dos documentos eletrônicos utilizados;” (nossos realces)

O rigor do Conselho Monetário Nacional é louvável, pois a facilidade de abrir contas bancárias em nome de “LARANJAS” possui relação direta com o aumento de golpes contra terceiros de boa-fé.

Em recente audiência pública na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que “Estamos apertando o máximo possível para que os bancos não tenham capacidade de ser hospedeiro de conta laranja ou intermediária. Inclusive, estamos começando a fazer um processo em que os bancos serão responsabilizados se for feita uma fraude de Pix e eles tiverem uma conta laranja”.

E arrematou: “Quando uma fraude é cometida no Pix precisa ter alguma conta receptora. Se eu chego para você e peço um Pix, de duas uma: a pessoa está fazendo Pix para minha conta e vai ter todos os meus dados lá. Nesse caso, é fácil ser preso. Outra opção é estar fazendo por conta laranja, intermediária5.

Em conclusão, penso que os bancos que, desrespeitando as normas do Conselho Monetário Nacional, acabam por permitir que criminosos recebam os recursos oriundos das vítimas por meio de contas bancárias abertas em nome de “LARANJAS”, devam ser responsabilizados por sua contribuição para o sucesso do crime, ao blindar bandidos sob o manto do anonimato.

Ora, os bancos de destino, ao possibilitarem a abertura de contas bancárias em nome de “LARANJAS”, não apenas contribuem para o sucesso do crime, como também impedem as vítimas de identificar o criminoso receptor dos seus recursos, contra o qual elas poderiam, em tese, buscar o ressarcimento judicialmente, sendo, assim, deveras injusto não os responsabilizar, até porque cabe apenas às instituições financeiras autorizar a abertura de contas bancárias. 

Conforme nos ensina Josserand e Saleilles, verdadeiros precursores da TEORIA DO RISCO, aquele que lucra com determinada atividade, deve responder pelos riscos que dela resultam.

UBI EMOLUMENTUM IBI ONUS

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 1 https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,moradores-de-sp-adotam-celular-reserva-e-deixam-de-usar-o-pix-na-rua-diante-da-alta-de-roubos,70004067526

 2 https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,lucro-com-pix-atrai-pcc-para-roubos-de-celular-em-bairros-nobres-de-sp,70004032694

 3 TJ/SP;  Apelação Cível 1005001-56.2021.8.26.0278; Relator (a): Flávio Cunha da Silva; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itaquaquecetuba - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/06/2022; Data de Registro: 21/06/2022

 4 https://www.migalhas.com.br/depeso/364184/o-golpe-do-whatsapp-e-a-responsabilidade-dos-bancos

5 https://www.cnnbrasil.com.br/business/bancos-podem-ser-responsabilizados-por-contas-laranjas-diz-presidente-do-bc/

Hugo Chusyd
Advogado. Formado pela primeira turma da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado (1999/2004).

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