Na última semana, a comunidade jurídica, principalmente aquela ligada à arbitragem, entrou em pavorosa ao saber que um Requerimento de Urgência havia sido protocolado para que o Projeto de Lei 3.293 fosse imediatamente apreciado pela Câmara dos Deputados em Brasília. Menos mal que o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, retirou o pedido de urgência da pauta de votação na última quinta-feira (14/07/2022).
O Projeto de Lei em questão, apresentado em setembro de 2021, busca impor algumas mudanças na lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), basicamente para (i) disciplinar a atuação do árbitro, limitando o número de arbitragens para cada árbitro e ampliando as exigências sobre o dever de revelação, (ii) estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral, resultando na criação de ementários ou histórico de “precedentes/jurisprudência”, e, ainda, (iii) dar mais publicidade às ações anulatórias, com a intenção de reduzir o número de ações e, ao final, reforçar o próprio instituto das arbitragem.
Embora reconheça o crescimento do número de arbitragens no país, bem como sua consolidação como um dos principais meios de resolução de conflitos, o Projeto de Lei ataca pontos sensíveis e que há anos estão consolidados perante a comunidade arbitral brasileira e internacional, razão pela qual conquistou a nada carinhosa alcunha de “anti-arbitragem”. O pedido de urgência na tramitação apenas agravou a situação.
Oportuno, todavia, separarmos o joio do trigo e desde já esclarecer que há exageros de parte a parte.
De um lado, o empresariado e alguns advogados, principalmente os que não possuem um vultuoso volume de arbitragens nas quais figuram como árbitros, se questionam sobre a atual efetividade do procedimento arbitral diante do fato, incontroverso e preocupante, de que muitos árbitros aceitam indiscriminadamente o participar com árbitros em diversos procedimentos, sem levarem em consideração o alto número de arbitragens que já estão envolvidos, bem como, muitas vezes, o volume de trabalho já vinculado ao seu dia a dia rotineiro de profissão, sendo que tal volume de trabalho certamente resultará em morosidade e, talvez, na queda de qualidade dos trabalhos.
De outro lado, a preocupação e reação da comunidade arbitral se justifica na medida em que o Projeto de Lei, repleto de conceitos complexos e princípios consolidados, ou seja, tão relevantes sob o ponto de vista técnico, tem a tentativa de sua tramitação acelerada sem a devida discussão e debate, em um momento em que o foco e as atenções estão centradas para o momento político pré eleitoral que vivemos.
O Requerimento de Urgência criou, portanto, uma cortina de fumaça que corrobora o discurso dos que defendem que o Projeto de Lei, per se, seria anti-arbitragem, quando, na verdade, muitas das questões abordadas poderão refletir positivamente para a evolução da arbitragem no Brasil.
É inegável que o volume de trabalho dos árbitros muitas vezes supere o razoável, considerando o elevado número de arbitragens que um mesmo árbitro está vinculado, gerando a sensação (causa-efeito) de que este seja o principal motivo de eventual morosidade.
Todavia, igualmente inegável é a preocupante interferência, sem o devido debate (ressaltando que a discussão aqui não visa a adentrar no mérito de eventual inconstitucionalidade do Projeto de Lei), do Estado na atividade profissional vinculada à livre iniciativa, ao trazer limitações ao livre exercício da atividade do árbitro e pretender publicar decisões até então guardadas pela confidencialidade (umas das características marcantes da arbitragem) sem uma discussão prévia, estudos e o devido debate perante a comunidade arbitral brasileira.
O debate qualificado, amplo e respeitoso certamente já teria resultado, neste momento, em pontos positivos para a comunidade como todo, ainda que na prática se decida pela manutenção do cenário estável e consolidado já existente.
Dos pontos levantados pelo Projeto de Lei, talvez a questão envolvendo o dever de revelação dos árbitros seja o mais sensível e preocupante, na medida em que há uma sugestão de inversão de valores com a substituição da “dúvida justificada”, conceito claramente objetivo, pela “dúvida mínima”, conceito altamente abstrato.
Certamente a aprovação do Projeto de Lei nestes termos implicará na abertura e pavimentação de um novo caminho para a busca, muitas vezes incessante das partes, para a anulação das sentenças arbitrais.
O caos estará instalado.
Nesse contexto, é inegável que as práticas mundialmente vigentes e chanceladas deverão ser devidamente escrutinadas e mantidas se assim a maioria decidir. Contudo, resta incontroverso que o debate é oportuno diante do cenário atual das arbitragens e do volume de trabalho suportado inclusive pelas principais Câmaras de Arbitragem e, ao mesmo tempo, o debate é essencial diante de mudanças que poderão sim impactar negativa ou mesmo positivamente.
Se o diálogo for respeitado, a sociedade como um todo terá aproveitado a oportunidade de revisitar conceitos consagrados e eventualmente identificar pontos de aperfeiçoamento (ainda que na conduta e postura dos usuários), resultando em mudanças positivas, ainda que pedagógicas, que talvez, inclusive, deem ao Brasil posição de vanguarda.
Resta-nos aguardar as cenas dos próximos capítulos e torcer para que o diálogo seja estabelecido.
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1 https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2300144
2. Vide Parecer emitido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, por meio da sua Comissão Permanente de Arbitragem e Mediação, bem como pela Nota Técnica emita pelo CBAR (Comitê Brasileiro de Arbitragem).