1 Igualdade, princípios e requisitos das licitações
Como toda matéria do ordenamento jurídico brasileiro o procedimento administrativo de contratação de serviços ou aquisições de produtos encontra-se também em constante evolução. Licitantes buscam, cada vez mais, se tornarem aptos para sua positiva habilitação nos processos licitatórios, aumentando suas capacidades técnicas.
Definidas pela lei 8.666/93 e pela lei 14.133/21, entre outras normas, as licitações, com seus normativos, tendem a garantir um certame que não comprometa ou estorve o caráter competitivo e igualitário, seguindo princípios norteadores impostos pela Constituição Brasileira.
Diante desse cenário, os órgãos públicos que assumem a responsabilidade da compra, requisitam certificações e atestados, para atenderem as condições mínimas de expertise do objeto editalício, carregando como base, o rol elencado nos art. 30 e 67, da lei 8.666/93 e da lei 14.133/21, respectivamente.
É assim por dizer, contrariando princípios e entendimentos do Tribunal de Contas da União - TCU, eventuais licitações formalizadas pelo edital, exigem a apresentação de certificado ou atestado NBR ABNT ou ISO como condição para prosseguimento da habilitação do interessado no processo.
O edital é o documento mais importante do processo licitatório e deve contemplar a formalização imposta pela comissão de licitações. Logo, não é válida dissertações que ferem o caráter competitivo da disputa.
Dito isso, o ato convocatório procede de normatização específica, (Lei de Licitações/Regulamento Interno do órgão licitador) e deve sempre ser norteado pelos princípios constitucionais.
No que diz respeito à igualdade, o caput do artigo 5º da Constituição Federal brasileira estabelece o Princípio da Isonomia como um dos mais importantes e, no que tange as contratações públicas, a lei máxima define:
“Art. 37 (...).
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes [...]”
Dessarte, o Princípio da Competitividade carrega finalidade imprescindível de alcançar a proposta mais vantajosa para o órgão, inviabilizando aquelas que causam sérios danos e subjetividade no certame.
Ademais, é preciso lembrar que a atual Lei de Licitações (Lei 14.133/21), em vigor desde 1º de abril de 2021, revogou dispositivos da lei 8.666/93 e de outras normas, com a ressalva do art. 193, que, por sua vez, determinou permanecer em vigência as normas anteriores pelo período de até dois anos, contados da publicação do novo Código.
Tanto nas leis anteriores, quanto na atual legislação, os textos normativos preservam similarmente os princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da eficiência, do julgamento objetivo, da segurança jurídica e da ampla competitividade. Os dispositivos elencam também o rol taxativo de documentos necessários para comprovação da qualificação técnica, não prevendo a possibilidade da exigência de declarações ou certificações NBRs.
2- A exigência de certificações nas licitações
As certificações de qualidade ISO correspondem a um conjunto de normas técnicas internacionais que buscam a uniformização de produtos e serviços. No Brasil, o órgão que regulamenta essa normatização é a ABNT.
A emissão dos certificados para uma determinada empresa fica sujeita a vários procedimentos de migração, dentre eles, a consultoria e a auditoria. É comum as corporações encontrarem dificuldades na obtenção das certificações, principalmente, quanto ao custo que esta empreitada possa gerar. A atestação exige um valor exorbitante em cada procedimento, podendo levar o empresário a optar pela não adaptação.
A entidade que se encontra totalmente qualificada no objeto da licitação por diversas certificações previstas em lei, ficam impedidas de participar do certame por uma exigência que, na maior parte dos casos, não caracteriza o objeto da licitação.
Nesse aspecto, o jurista Marçal Justen Filho relata seu entendimento sobre o assunto, vejamos:
“[...] Uma empresa pode preencher todos os requisitos para obtenção da certificação, mas nunca ter tido interesse em formalizar esse resultado. Exigir peremptoriamente a certificação como requisito de habilitação equivaleria a tornar compulsória uma alternativa meramente facultativa: nenhuma lei condiciona o exercício de alguma atividade à obtenção do Certificado ISO 9000. Portanto, obtém a certificação quem o desejar (e preencher os requisitos, é óbvio). Em outras palavras, o essencial não é a certificação formal, mas o preenchimento dos requisitos necessários à satisfação do interesse público. Se o sujeito preenche os requisitos, mas não dispõe da certificação, não pode ser impedido de participar do certame.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8° Edição, Editora Dialética, 2001, fl. 349)
Ainda no mesmo raciocínio, o Tribunal de Contas da União - TCU, já proferiu compreensão sobre o tema:
“É vedada a exigência de certificados da série ISO 9000, pois importa em restrição ilegal ao caráter competitivo do certame. [...]”
(Acórdão 1708/2003-Plenário | Relator: MARCOS VINICIOS VILAÇA)
O acórdão n° 1542/2013, do mesmo tribunal, estabeleceu que as certificações ISO ou semelhantes são irregulares, vejamos:
“É irregular a exigência de certificação ISO e outras assemelhadas para habilitação de licitantes ou como critério de desclassificação de propostas. [...]”
(Acórdão 1542/2013-Plenário | Relator: JOSÉ JORGE)
Os julgados acima são bem claros quanto ao entendimento do Tribunal de Contas da União - TCU sobre o assunto. À vista disso, pode-se afirmar que há vício de legalidade no procedimento licitatório com edital ou termo de referência que condiciona a qualificação técnica à certificação NBR ABNT ou ISO.
Encontrando-se harmoniosamente com os julgamentos do Tribunal de Contas da União - TCU, as eventuais exigências de certificação NBR violam os princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico, em especial o acesso às contratações públicas, isonomia e ampla competitividade. Portanto, caso os entes exijam as certificações, caberá aos Tribunais reiterar a sua inconstitucionalidade, no sentido de reafirmar a inadequação.
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ZAFFARI, Eduardo; FERREIRA, Gabriel B.; LIMA, Náthani S.; et al. Licitações e Contratos. Porto Alegre: Grupo A, 2022. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556902180/. Acesso em: 06 jul. 2022.
ROCHA, Wesley; VANIN, Fábio S.; FIGUEIREDO, Pedro Henrique Poli D. A Nova Lei de Licitações. Coimbra: Grupo Almedina (Portugal), 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556273785/. Acesso em: 06 jul. 2022.
JUSTEN, Marçal; Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília: São Paulo, Editora Dialética, 2001.