A Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76 ou LSA) estabelece a possibilidade de distribuição de dividendos de forma antecipada, ou seja, anteriormente à aprovação das contas do exercício pela assembleia geral ordinária. Tal possibilidade é estabelecida no artigo 204 da lei 6.404/76, com o seguinte teor:
Art. 204. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço.
§ 1º A companhia poderá, nos termos de disposição estatutária, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos menores, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o § 1º do artigo 182.
§ 2º O estatuto poderá autorizar os órgãos de administração a declarar dividendos intermediários, à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.
O professor Modesto Carvalhosa explicita a diferenciação entre dividendos intermediários e dividendos intercalares, muito embora a norma insculpida no art. 204 da lei 6.404/76 não haja feito tal diferenciação. Todavia, para fins didáticos, é de extrema valia diferenciar os conceitos, para que haja a exata exegese da norma, nos termos que se seguem:
“O preceito ora comentado é enunciado como 'dividendos intermediários'. Não obstante, dividendos intermediários são apenas aqueles que se pagam num exercício por conta de lucros acumulados no exercício anterior, seja englobadamente, seja o correspondente apenas ao último semestre do mesmo. Referem-se a balanços já aprovados pela assembleia geral.
Já os dividendos distribuídos por conta de balanços levantados num exercício, ainda que pagos no exercício seguinte, porém antes da aprovação das demonstrações pela assembleia geral, chamam-se intercalares.
(…)
Temos, por conseguinte, que a distribuição de dividendos intercalares pelos administradores será lícita se resultar de lucros apurados em balanço do exercício, regularmente levantado, independentemente da aprovação das respectivas demonstrações financeiras pelos acionistas na assembleia geral.
(...)
Quando se trata de dividendos intermediários, coloca-se de forma diversa a questão. Nessa hipótese, deve haver a aprovação prévia pela assembleia geral do balanço que ensejou a acumulação. Isso porque não se pode admitir que os lucros anteriores tenham sido retidos – inclusive mediante a constituição de reservas – sem que a assembleia geral tenha especificamente declarado essa retenção.
É, com efeito, da competência da assembleia geral ordinária deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício (art. 132). Mesmo quando a lei confere competência aos administradores para não distribuir o dividendo obrigatório, cabe necessariamente à assembleia geral ratificar essa decisão no próprio conclave (art. 202).
Vê-se, portanto, que se impõe a prévia aprovação pela assembleia geral que reteve os lucros ou que constituiu reservas dessa espécie, para que possam os administradores distribuir dividendos intermediários.” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 3º Volume. 4ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p.870/871-873)
Em mesmo sentido, porém inadmitindo a classificação doutrinária de dividendos intercalares e intermediários, é a posição de Bruno Robert:
"O art. 204 da Lei das Sociedades por Ac¸o~es confere grande liberdade a` companhia e grande poder aos administradores, com relac¸a~o ao fluxo de pagamento do dividendo mi'nimo obrigato'rio e de outros dividendos, em cada exerci'cio social. De fato, a lei, de um lado, estabeleceu disciplina ri'gida para a composic¸a~o do dividendo e para assegurar o dividendo mi'nimo obrigato'rio, mas flexibilizou, de outro lado, o tempo da distribuic¸a~o desses dividendos. Ou seja, uma vez determinados e respeitados os limites ma'ximos, para a formac¸a~o do lucro distribui'vel, e os mi'nimos, para distribuic¸a~o aos acionistas, o legislador entendeu conveniente deixar sob a discric¸a~o dos administradores e acionistas a decisa~o sobre o momento do pagamento dos dividendos ao longo do exerci'cio social, ou dentro do prazo estabelecido pela lei ou pela assembleia geral (art. 205, § 3o).
Mais uma vez, a lei reconheceu que na~o se pode segmentar, de fato, o conti'nuo funcionamento da empresa, cuja lucratividade, ou na~o, pode ser avaliada a qualquer momento de sua existe^ncia, com base em peri'odos de observac¸a~o distintos. Para conciliar essa realidade, com a seguranc¸a juri'dica que inspira as regras relacionadas a` formac¸a~o do lucro social e a` distribuic¸a~o de dividendos, o art. 204 estabeleceu a disciplina para os chamados dividendos intermedia'rios. O texto desse dispositivo e sua organizac¸a~o permitem a identificac¸a~o de quatro formas de declarac¸a~o e pagamento de dividendos intermedia'rios, ale'm do dividendo anual, ordina'rio. Sa~o elas: dividendos intermedia'rios semestrais, pagos com base no lucro do semestre (caput); dividendos intermedia'rios gene'ricos, pagos em peri'odo inferior a um semestre, com base no lucro do referido peri'odo (§ 1o); dividendos intermedia'rios gene'ricos, pagos a qualquer momento, com base em lucros acumulados (§ 2o); e dividendos intermedia'rios gene'ricos, pagos a qualquer momento, com base em reservas de lucros (§ 2o). (ROBERT, Bruno. Apuração, declaração e pagamento do dividendo mínimo obrigatório nas companhias abertas. Dissertação de Mestrado, USP: 2009, p.103-104.)
Os dividendos intermediários (ou intercalares) serão deliberados, conforme redação do art. 204 da LSA, pelos órgãos de administração. A Lei estabeleceu um regime de administração das sociedades anônimas bicameral, inspirado no modelo norte-americano dos directors (ou non-executive directors), que formam o board da companhia (incorporation), e dos officers (ou executive directors), que exercem as funções executivas da sociedade; entretanto, o regime instituído no ordenamento jurídico brasileiro possui a peculiaridade de o bicameralismo derivar diretamente da lei, e não por opção estatutária. Assevera-se, portanto, que embora a redação do art. 138 caput da LSA dirija a opção do bicameralismo à deliberação dos sócios no estatuto social, as companhias de capital aberto, as de capital autorizado (tanto abertas como fechadas) e as sociedades de economia mista devem adotar, obrigatoriamente, o modelo bicameral, restando apenas à sociedade anônima fechadas de capital fixo a possibilidade de adoção do modelo unicameral (apenas diretoria).
Daí se compreende que os órgãos da companhia são o conselho de administração e a diretoria, cada qual com suas competências estabelecidas legal ou estatutariamente, na gestão dos negócios sociais da companhia. Em outros termos, quando na LSA menciona-se “órgãos de administração”, são aos referidos órgãos, tanto conselho de administração quanto diretoria, que pretende o legislador alcançar com a norma.
Assevera-se, outrossim, que o conselho de administração tem por competência fixar a orientação geral dos negócios da companhia (art. 142, inciso I), inclusive a política econômico-financeira da companhia, o que se reflete nos diversos dispositivos da LSA referentes aos aspectos das demonstrações financeiras (balanço patrimonial), lucro, reservas e dividendos. Assim opera a Lei quanto à proposta de destinação do lucro (art. 192), formação de reservas (art. 195, 196, 197), dividendos (art. 202, 204).
Por tais razões, em se tratando de companhia com modelo bicameral, seja obrigatório ou facultativo, a competência para deliberar de modo definitivo sobre a distribuição de dividendos intermediários restará no conselho de administração, ainda que igualmente delibere a diretoria acerca do assunto, entretanto submetendo a matéria ao conselho de administração. Nesse sentido, refere-se abalizada doutrina:
“Os dividendos intermediários semestrais, pagos com base no lucro do semestre, dependem de prévia previsão estatutária ou legal, balanço específico e podem ser declarados pelos órgãos de administração (conselho de administração ou diretoria, na ausência daquele), caso o estatuto social o permita. A assembleia geral, nos termos da lei ou do estatuto social, também poderá declará-los. O balanço especificamente levantado não precisa ser aprovado pela assembleia geral e nem ser publicado a menos que o estatuto social ou lei especial disponham em contrário. No caso das companhias abertas, entretanto, o balanço deve ser encaminhado para disponibilização eletrônica pela Comissão de Valores Mobiliários.
Os dividendos intermediários genéricos pagos em período inferior a um semestre, com base no lucro do referido período, dependem, igualmente, de prévia previsão estatutária ou legal, balanço específico e, por coerência, também podem ser declarados pelos órgãos de administração (conselho de administração ou diretoria, na ausência daquele) ou pela assembleia geral, nos termos de lei ou do estatuto social. O balanço especificamente levantado não precisa ser aprovado pela assembleia geral e nem ser publicado, a menos que o estatuto social ou lei especial disponham em contrário, reiterando-se a ressalva feita no parágrafo anterior quanto às companhias abertas. Nesse caso, contudo, como a periodicidade da declaração e do pagamento é livre, o valor distribuído como dividendo não pode ultrapassar, em cada semestre, o montante registrado nas reservas de capital da companhia. A lei cria, assim, um anteparo adicional para a distribuição desses dividendos, com o objetivo de proteger o capital social e os interesses dos diversos credores da companhia. Fica claro, portanto, que a lei permite a distribuição de dividendos com base em lucros apurados pelos ITR’s das companhias abertas, por exemplo, desde que atendidos os requisitos do art. 204.
(...)
A competência para a declaração dos dividendos é, em princípio, da assembleia geral dos acionistas (art. 132), mas pode ser delegada ao conselho de administração, por lei ou pelo estatuto social, no caso de dividendos intermediários (art. 204).” (ROBERT, Bruno. Apuração, declaração e pagamento do dividendo mínimo obrigatório nas companhias abertas. Dissertação de Mestrado, USP: 2009, p.103-104.)
Isso posto, não se vislumbra outra hermenêutica possível do quanto disposto no artigo 204 da LSA, acerca daquilo que compete aos “órgãos de administração”, que a deliberação deverá ocorrer no âmbito do conselho de administração da companhia, exceto quando não adotado o bicameralismo nas sociedades anônimas de capital fechado fixo.