A relação entre comerciantes e operadoras de cartões de crédito é comumente abalada pela retenção dos repasses de vendas em razão do procedimento de chargeback, que ocorre quando a compra é contestada pelo titular do cartão ou possui eventual suspeita de fraude.
Embora eventualmente haja cláusula contratual que transfira o risco da operação ao lojista, o fato é que tal responsabilidade é exclusivamente da operadora de cartões, que vende não só o terminal de cartão, mas também todo o processamento e segurança necessários para a aprovação da venda, por meio do qual se obriga ao repasse de valores transacionados.
É a operadora de cartão quem autoriza as vendas emite protocolo das mesmas, induzindo assim a veracidade da documentação e passando a confiança necessária ao lojista para que efetue a entrega dos bens, o que poderia ser evitado caso houvesse a informação de suposta fraude em tempo hábil, sendo evidente a falha na sua prestação de serviços.
A abusividade da cláusula de transferência de responsabilidade vem sendo amplamente reconhecida pelos tribunais, que têm decidido por responsabilizar a operadora em casos em que reste comprovado que o lojista não teve culpa pela fraude perpetrada e que haja a comprovada autorização pela credenciadora. Isto porque, o risco do negócio é da operadora de cartão que possibilita a venda por meios digitais e a distância e se compromete as verificações necessárias para a aprovação do crédito, tanto na concessão do cartão como na venda.
Assim dispõe o parágrafo único do art. 927 do CC/02:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A jurisprudência do TJSP consigna que nesses tipos de contratos, a fraude por clonagem de cartão é risco da atividade empresária a qual se submete a credenciadora, de natureza objetiva, não podendo eximir-se de sua responsabilidade transferindo o prejuízo ao comerciante, uma vez que aufere lucro com a atividade praticada. Assim, inquestionável que o ônus de impedir qualquer ação ilícita proveniente de venda a crédito através de operação de cartão é daquela que analisou a operação forneceu a autorização e não do contratante.
Imperioso mencionar ainda o recente entendimento majoritário deste tribunal quanto ao tema:
APELAÇÃO – Ação de obrigação de fazer cumulada com pedido indenizatório – Contrato de credenciamento para vendas por meio de cartões de crédito e débito – Valores estornados pela operadora, em virtude da ocorrência de fraude – Pedido improcedente – Pleito de reforma – Possibilidade em parte – Autora que demonstrou a existência do pedido, emissão de nota fiscal e a entrega do produto – Descabimento de transferência à autora dos riscos da atividade desenvolvida pela ré, que autorizou as transações – Nulidade das cláusulas contratuais nesse sentido – Responsabilidade objetiva – Inteligência do art. 927, parágrafo único, do Código Civil – Dever de restituir o valor da compra – Dano moral – Inocorrência – Mero descumprimento contratual – Ausência de prova de prejuízo à pessoa jurídica – Recurso parcialmente provido.
(TJSP;Apelação Cível 1069540-85.2018.8.26.0100; Relator (a):?Claudia Grieco Tabosa Pessoa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível -32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2019; Data de Registro: 12/08/2019)
Conclui-se que, as atividades de concessão de crédito e de processamento de pagamentos são de risco (fraude, roubo, clonagem) e, portanto, tais riscos envolvidos nessas operações devem ser assumidos integralmente por quem tem capacidade de análise, lucra e autoriza as transações, e não pelos lojistas.