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O que pode ser considerado “alteração de fachada”. Entenda aqui!

Conheça as regras que envolvem a "alteração de fachada" de prédio/condomínio. Saiba o que é permitido.

12/7/2022

1. O conceito de fachada 

Não raramente nos deparamos com clientes em dúvida se determinada obra poderá alterar ou não a fachada do condomínio, dúvida que é compartilhada tanto por leigos, quanto por engenheiros e profissionais do ramo de direito. 

A problemática tem como pano de fundo, principalmente, a dificuldade de se determinar o que é, afinal, fachada. Outrossim, antes de nos aprofundarmos em questões jurídicas atinentes à responsabilidade civil, culpa compartilhada, propriedade privada e direito de vizinhança, imperioso se faz conceituar o que vem a ser, exatamente, uma “fachada”. 

Conforme definição do ‘Oxford Languages’, a fachada nada mais é que o frontispício, ou seja, a frontaria de qualquer tipo de edificação, ou o semblante de uma obra arquitetônica. Vulgarmente, refere-se à vista principal de um edifício, a parte que fica virada para a rua e que torna o edifício identificável, diferente dos demais. Daí advém a expressão popular “de fachada”, para representar algo que é “apenas de aparências”. 

Dentro desse conceito, quando o tema for "condomínios edilícios", existem três tipos de fachada, quais sejam; em sentido estrito, em sentido amplo e em sentido extenso: 

  • Fachada (estrita): Estrito significa preciso, rigoroso, que não comporta interpretação”. Então, a fachada em sentido estrito é a “face” do condomínio, que faz a “apresentação” da edificação e a reconhecível. É o lado que mais se destaca. 
  • Fachada (amplo): Existem edificações que são conjugadas (geminadas), de modo que o único lado efetivamente visível é aquele que tem acesso à rua. Contudo, o mais comum em um condomínio edilício, especialmente em cidades onde a densidade populacional é menor, é que a edificação vertical seja erigida no centro do lote, de modo que todos os quatro lados são visíveis, às vezes, a quilômetros de distância. Em especial nos edifícios mais novos, o desenho arquitetônico é projetado para tornar o edifício distinguível independente do lado que se observa e, sob este contexto, pode-se dizer que a edificação possui “quatro faces”. Nesse sentido, constitui fachada em sentido amplo toda e qualquer parte externa que seja visível para quem olha da rua. 
  • Fachada (extenso): Seguindo a linha de raciocínio que a fachada é aquilo que define o desenho arquitetônico da edificação, poderão também ser considerados “fachada” todas as áreas visíveis do condomínio que compõem sua harmonia estética, incluindo as áreas de circulação interna, como por exemplo o ‘hall’ de acesso às unidades privativas, onde ficam os elevadores. Isso é especialmente verdade para os condomínios de destinação comercial, como ‘shopping centers’, por exemplo, onde frequentemente a parte de circulação interna é muito mais importante que a parte externa do edifício. 

O que constituir-se-á alteração de fachada, portanto, é relativo ao tipo e destinação da edificação, de modo que é necessário apurar-se cada caso individualmente. 

Feitas as devidas conceituações, é importante diferenciar “fachada” de “área comum”, eis que a fachada da maioria dos condomínios ultrapassa os limites da área comum. 

2. Da copropriedade da coisa comum 

A palavra condomínio possui origem etimológica no latim (‘condominium’), e ocorre quando existe um domínio de mais de uma pessoa – simultaneamente - de um determinado bem. 

Em outras palavras, todo bem indivisível que pertença a mais de uma pessoa, é um condomínio, desde que todos os envolvidos tenham igual direito, de forma ideal, sobre o todo e cada uma de suas partes. 

Para tornar ainda mais claro, condomínio é sinônimo de copropriedade, desde que registral. Se duas pessoas são donas de uma casa, e essa situação está devidamente registrada na matrícula do imóvel, então é exercido um condomínio desse bem, eis que ambos detêm direitos (usar, gozar e dispor) e obrigações (manutenção e pagamento de impostos, por exemplo). 

O exercício da copropriedade pode ser total, ou apenas parcial, como é o caso de condomínios edilícios, onde existe uma parte que é de propriedade conjunta, ou seja, onde ocorre condomínio de fato (área comum), e outra parte que é de propriedade exclusiva (unidades privativas). 

Conquanto essa divisão, em regra, seja bem definida na convenção que instituiu o condomínio edilício, uma forma simples e prática de separar o que é área comum do que é área privativa é perguntar a si mesmo “eu posso vender se eu quiser?” 

Isso porque o art.1.314 da lei 10.406/02 (CC/02) assim dispõe: 

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. 

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum,nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros. 

Com efeito, nenhum condômino poderia vender a academia do condomínio, a área da piscina ou a garagem coletiva, sem anuência de todos os outros condôminos, porém, o condômino pode livremente dispor de sua própria unidade, porque nesse caso, não existe copropriedade. 

Como se vê, nem tudo no condomínio edilício é um condomínio, porque algumas áreas são de propriedade exclusiva. Entender essa diferenciação é importante para se compreender sobre quem recairá a obrigação de manutenção da integridade da fachada. Vejamos.  

3. As obrigações decorrentes da propriedade da coisa comum 

Obrigação, em sua acepção mais comum, corresponde ao vínculo entre pessoas, que corresponde a um dever de (a) pagar, (b) dar, (c) fazer ou (d) deixar de fazer. O direito obrigacional (’jus ad rem’) é, portanto, formado por uma relação jurídica composta de dois ou mais sujeitos, voltando-se para o cumprimento de uma prestação, havendo sempre a figura, de um lado, do (s) devedor (es), e de outro, do (s) credor (es). 

Paralelamente ao direito obrigacional, existe o direito real (‘ius in re’), este voltado para a relação do sujeito com o bem material, sendo ele um direito imediato, exclusivo e oponível contra todos. Trata-se do ramo do direito privado que trata dos direitos de posse e propriedade, bem como das formas de transmissão de titularidade dos bens móveis e imóveis, informalmente denominado “direito das coisas”, uma vez que o ‘ius in re’ deve versar sobre coisas e não sobre pessoas ou outros bens não coisificáveis. 

Assim, enquanto o direito obrigacional nasce da manifestação de vontade, geralmente um contrato assinado pelas partes; o direito real, por outro lado, emana da propriedade, ou seja, está diretamente atrelado ao domínio do bem. Isso porque somente aquele que é dono pode reivindicar a posse, somente aquele que é dono pode dispor da coisa, e somente aquele que é dono está obrigado a pagar os encargos decorrentes da propriedade, a exemplo do IPTU. 

Se, por algum motivo, sobrevier condição que encerre a propriedade do bem (pela alienação, cessão, doação, desapropriação, expropriação, perecimento da coisa, etc.), encerram-se, juntamente, os direitos e as obrigações. Essa ambulatoriedade entre os deveres que decorrem da propriedade possui uma terminologia jurídica chamada ‘obligatio propter rem’, que pode ser traduzida em “obrigação da própria coisa”, eis que consiste em uma prestação específica incrustada no direito real. 

Se somente o dono está obrigado aos encargos que decorrem da propriedade, então é possível concluir que no caso de condomínios edilícios, existem dois gêneros distintos de obrigações: aquelas de caráter singular, e aquelas de caráter coletivo. O condômino, portanto, arcará sozinho com as despesas de manutenção sua própria unidade, eis que exerce o domínio exclusivo, e irá concorrer, na proporção de sua parte,despesas de conservação ou divisão da coisa que é coproprietário, assim como suportar os ônus a que estiver sujeita, consoante intelecção que se extrai do art.1.315 da lei 10.406/02 (CC/02). 

Expressando-se de forma mais simples, aquele que é dono faz a manutenção daquilo que é seu, e se a coisa possui vários donos, então cada um paga uma parte, da mesma forma que se divide a conta no restaurante, por exemplo.  

4. Da alteração da simetria arquitetônica da construção 

Todas as definições e conceituações acima possuem um objetivo, que é servir de escorço para a seguinte questão; “o que constitui alteração de fachada” e, principalmente, “de quem é a responsabilidade”. 

Primeiramente, cumpre salientar que a expressão pura e simples “alteração de fachada” está, tecnicamente, incompleta/errada. Isso porque o art.1.336 da lei 10.406/02 (CC/02) não proíbe tão apenas a alteração da fachada: 

Art. 1.336. São deveres do condômino: 

I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; 

II - não realizar obras que comprometam a segurança da edificação; 

III - não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; 

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. 

Assim, é claro que a proibição engloba, além da forma ou a cor da fachada também as partes comuns e as esquadrias externas. 

Nessa acepção, a doutrina não mais fala em “alteração de fachada”, mas sim “alteração da simetria arquitetônica”: são proibidas quaisquer obras que promovam a alteração significativa da aparência da edificação, mesmo que realizadas exclusivamente nas unidades privativas. 

Vejamos exemplos. 

A sacada do apartamento é área privativa, disso não há dúvidas. Se está descrito na matrícula do imóvel do apartamento, então pertence exclusivamente ao condômino que lhe é proprietário. Contudo, mesmo no sentido estrito, a sacada do apartamento pode fazer parte da fachada, se ela estiver voltada para a rua. Logo, qualquer mudança na sacada que seja visível para quem vê de fora do prédio, e que não esteja expressamente autorizada na convenção ou por deliberação em assembleia, constitui violação à regra contida no art.1.336, inc.III, do CC/02, nelas incluídas: (a) alteração do guarda-corpo; (b) alteração da cor ou do material que reveste as paredes e o forro; (c) fechamento da sacada com vidros ou grades; (d) colocação de toldos, telas de proteção, películas de proteção nos vidros; (d) instalação de ar-condicionado ou antenas parabólicas. 

De igual maneira, configura infração a mudança da cor, tamanho ou material da esquadraria do apartamento, a mudança da porta de acesso da sacada para as áreas internas, ou da porta do ‘hall’ do elevador para as áreas internas. 

Saliente-se, ainda, que nem todo ato ilícito decorre de uma ação. Com efeito, conforme ensina o art.186 do CC/02, ato ilícito também decorre de omissão voluntária, negligência ou imprudência que viole direito e causar dano a outrem. Assim, o condômino que deixar que realizar as benfeitorias necessárias na sua unidade, causando alteração da aparência do edifício por sua omissão,também está violando a regra contida no art.1.336, inc.III, do CC/02. 

Um exemplo simples, é o condômino que não procede à regular manutenção das pastilhas de revestimento da parede interna da sua sacada, causando o descolamento, ou ainda permite que a maresia cause deterioração e “enferrujamento” dos adornos do guarda-corpo. A sacada, conforme dito, faz parte do apartamento, e não constitui área comum, porém, se englobar a fachada do prédio, o condômino estará obrigado a efetuar os reparos necessários, além de sujeitar-se à multa prevista na convenção. 

Não há, nesse contexto, qualquer dever de o condomínio colaborar com os reparos necessários. Como bem narrado nos parágrafos acima, o condomínio edilício possui natureza híbrida, já que a copropriedade se dá de forma apenas parcial e, quem é dono incumbe-se das obrigações que decorrem da propriedade (‘obligatio propter rem’). Assim, se o condômino é dono sozinho do apartamento, igualmente, é responsável sozinho pela manutenção da coisa (destaca-se; localizadas no lado interno). 

Seria absurdo pensar de outra forma. 

Isso porque a personalidade jurídica do condomínio nada mais é que a representação da massa condominial, e a massa condominial são os próprios condôminos, coproprietários da coisa comum. Acreditar que o condomínio deva arcar com as despesas referentes à propriedade individual (da unidade privativa) é o mesmo que acreditar que seu vizinho deva pagar as despesas do seu imóvel. 

5. Conclusões 

Vimos que o conceito de fachada é relativo, e nem tudo que é fachada, constitui área comum. 

Infere-se da fundamentação supra que o condômino está proibido de promover alterações (1) na fachada, independente de se é área comum ou área privativa e (2) na área comum, independente se é fachada ou não. 

Conclui-se ainda que alteração da simetria arquitetônica da edificação pode se dar por ação, ou por omissão, de modo que aquele que deixar de promover a regular manutenção do seu bem, igualmente violará os preceitos acima. 

Por fim, a responsabilidade que recai sobre o bem recai sobre aquele que é dono, exceto se apurada culpa (‘lato sensu’) de terceiros. Então, sendo área comum, a responsabilidade é de todos os coproprietários, na pessoa do condomínio, representado pelo (a) síndico (a) e, por outro lado, sendo área privativa, a responsabilidade é do (a,s) dono (a,s) do apartamento. 

As premissas acima deverão ser adotadas como regra para todo e qualquer cenário, não impedindo, conquanto, que peculiaridades específicas de um caso concreto sejam analisadas com a devida cautela, de modo a apurar-se situações atípicas que constituam exceção à regra. 

_____

PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, volume II. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. 

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume II – Teoria Geral das OBRIGAÇÕES. São Paulo: Saraiva, 2008. 

 

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, volume 2: obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 

 

PEREIRA, Lafayette Rodrigues, direito das coisas, volume 1. Rio de Janeiro: Editora Rio. 

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Thyago Garcia
Advogado, Sócio-Fundador do escritório "Garcia Advogados", Diretor da OAB/PG, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/UniSantos.

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