1. Introdução
O procedimento expropriatório da busca e apreensão, em decorrência da constituição em mora do devedor em contratos de financiamento garantidos por alienação fiduciária, sempre foi objeto de muitos debates jurídicos.
Podemos citar como exemplo a discussão em torno da possibilidade do devedor fiduciante poder purgar a mora apenas com o pagamento das parcelas vencidas, acrescida dos encargos moratórios, com o que o STJ, por meio de julgamento repetitivo2, decidiu que a purga somente poderia ocorrer mediante o pagamento integral da dívida, ou seja, também considerando as parcelas vincendas.
Outro debate que por muito tempo se fez presente nos processos judiciais que envolviam o procedimento de busca e apreensão dizia respeito a validade, ou não, da notificação do devedor fiduciante caso fosse expedida por cartório não localizado no seu domicílio. O STJ também resolveu referida questão por meio de julgamento repetitivo3, ao assentar a tese de que, a luz da melhor interpretação do art. 2º, § 2º, do dec-lei 911/69, vigentes à época dos fatos4, a notificação do devedor fiduciante deveria ser considerada válida independente da comarca do cartório que a expediu.
Mesmo a atual redação do art. 2º, §2º, do dec-lei 911/695, não está isenta de interpretações divergentes. Persistem dúvidas a respeito da validade, ou não, da constituição em mora do devedor fiduciante, pela via da correspondência com aviso de recebimento, quando ela é enviada ao endereço do devedor que consta no contrato, porém volta sem o efetivo recebimento do destinatário. Tema que o STJ também prontamente já afetou pela sistemática dos recursos repetitivos6, mas que ainda pendente de julgamento.
Há ainda o debate em torno do termo inicial do prazo de cinco dias para o devedor fiduciante purgar a mora, sob pena de ver a propriedade sobre o bem financiado ser consolidada em nome do credor fiduciário. Há os que defendam que o prazo deveria ser contado a partir da execução da medida liminar, ou seja, da data em que o bem tiver sido efetivamente apreendido. Há, por outra, via os que defendem que o referido prazo somente poder-se-ia contar a partir da data em que o mandado de busca e apreensão, devidamente cumprido, tiver sido juntado aos autos.
Considerando ser esse prazo de cinco dias crucial para selar o destino do bem financiado, e que até o presente momento não há uma definição muito clara, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, sobre o referido impasse, elegemos esse como o tema a ser explorado no presente artigo.
Deste modo, pretendemos nas próximas linhas expor nosso particular posicionamento sobre o termo inicial do prazo de cinco dias para o devedor fiduciante purgar a mora, nos termos do art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69.
Pautaremos nossas posições com fundamento em pesquisa doutrinaria, jurisprudencial e mesmo nas razões do legislador, que motivaram as adequações mais recentes da norma, porém, não deixaremos de trazer, em momento oportuno, os fundamentos que também lastreiam a posição contrária.
2. Da literalidade da norma legal
Nos parece bastante razoável defender a tese de que o prazo de cinco dias para o devedor fiduciante purgar a mora deveria correr a partir do momento em que a liminar é efetivamente executada e não da juntada do mandado cumprido aos autos.
Referido posicionamento parece ser inclusive o mais óbvio, dado que essa é a conclusão que se alcança através da mera leitura do dispositivo legal. Nesse sentido:
“Art 3º (...)
§ 1º - cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)” – grifamos
A norma, de clareza solar, diz: “cinco dias após executada a liminar”. Não diz, “cinco dias após a notificação do devedor fiduciante”.
Conforme a consagrada doutrina de Carlos Maximiliano, jamais poderá o juiz, a pretexto de interpretar, esvair a essência da regra legal.7
Semanticamente inclusive, não nos parece sustentável interpretação distinta. O termo “executar”, segundo o dicionário Oxford Languages8, se refere ao conceito de “tornar efetivo”, “cumprir”. Oras, a liminar não se cumpre com o procedimento formal de juntada do mandado aos autos. Dado que o objetivo da liminar é ao fim e ao cabo a apreensão do veículo, é de se concluir que sua execução se concretiza na data em que o veículo for efetivamente apreendido.
Nesse sentido, entendemos que a clara dicção da norma legal, especificamente vocacionada a regular a execução da garantia fiduciária, parece entregar interpretação única e hábil a concluir que o prazo de cinco dias, para quitação integral da dívida, deve ser contado a partir da execução da liminar, e não da juntada do mandado de intimação cumprido aos autos, ou de qualquer outro marco temporal.
3. Da natureza de direito material, e não de direito processual, do prazo do art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69
Ainda que superemos a interpretação literal do dispositivo, em homenagem as demais regras de hermenêutica, mesmo assim temos fortes argumentos para sustentar que o prazo de cinco dias deve ser contado da efetiva execução da liminar, e não da juntada do mandado cumprido nos autos.
Parte da corrente jurisprudencial que defende a tese de que o prazo do art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, deveria ser contado a partir da juntada aos autos do mandado cumprido, e não do efetivo cumprimento da liminar, tem sua linha de raciocínio amparada nas regras processuais do art. 231, II, do CPC/15.
Com efeito, o inciso II, do art. 231, do CPC/15, estabelece regra geral assentando que a contagem dos “prazos processuais” para a prática de atos que necessitem citação ou intimação tem início na data da juntada aos autos do mandado cumprido9.
Seguindo esse dispositivo do CPC concluir-se-ia que o prazo de cinco dias para purga da mora deveria ter início somente quando o mandado cumprido tiver sido efetivamente juntado aos autos.
No entanto, data maxima venia aos que entendem de modo contrário, acreditamos que interpretar o art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, com base na regra do art. 231, do CPC/15, é um tremendo equívoco. Explica-se.
O art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, ora em exame, disciplina regra de contagem de prazo de ‘direito material’, não de ‘direito processual’. O que afasta por completo o raciocínio de que sua contagem devesse sofrer influência da regra do art. 231, vocacionado apenas e tão somente a regular prazos processuais.
Segundo a doutrina de Antônio Carlos Araujo Cintra10, os prazos processuais, se colocam à disposição da “regra segundo a qual a passagem de um ato processual para outro supõe o encerramento do anterior, de tal forma que os atos já praticados permaneçam firmes e inatacáveis”. Ou seja, o ponto nodal da caracterização de um prazo como processual está na intrínseca relação deste com a figura da preclusão.
Não é o que se observa, a rigor, com o prazo do art. 3º, § 1º, do decreto-lei 911/69.
O pagamento integral da dívida, em cinco dias, não encerra ato processual anterior, tampouco inicia um novo, no rito da busca e apreensão. Ele gera, na verdade, um efeito observado estritamente no plano material, que é o da extinção da propriedade resolúvel do credor e, como consequência, declarar a perda do objeto da ação de busca e apreensão.
Nesse sentido, vale o destaque da preciosa doutrina de Eliel Bastista Miranda Junior11:
“o pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69 é “ato jurídico não processual que, ao contrário do que ocorre com o reconhecimento do pedido, não possui repercussão processual típica”, porquanto “o pagamento da integralidade da dívida pendente, [...] é ato exclusivamente de direito material que, por extinguir o contrato pelo pagamento, retira do processo sua necessidade e utilidade, ou seja, importa em perda superveniente do interesse de agir” – grifamos
O STJ inclusive conta com precedente no qual já reconhecera a natureza de ‘direito material’ do prazo do art. 3º, § 1º, do decreto-lei 911/69. Veja-se nesse sentido o julgamento do REsp 1.770.863/PR12, no qual a C. Corte decidiu que, justamente em razão da natureza jurídica de ‘direito material’ do prazo em estudo, ele deveria ser contado em dias corridos, não em dias úteis:
“o ato previsto no prazo do art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69, referente ao pagamento ou não da integralidade da dívida dentro de referidos marcos temporais, não se relaciona a ato que deve ser praticado no, em razão do ou para o processo, haja vista não interferir na relação processual ou mesmo na sucessão de fases do procedimento da ação de busca e apreensão, não gerando consequências endo-processuais para as partes envolvidas. Como consequência, a contagem de referido prazo deve, em observância ao art. 219, parágrafo único, do CPC/15, ser disciplinada pela legislação de direito material, em dias corridos, não incidindo, pois, a regra prevista no caput de referido dispositivo legal” - grifamos
Logo, dada a natureza de prazo de ‘direito material’, a interpretação do art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, não pode sofrer influências da regra geral do art. 231, do CPC/15, cuja aplicação é restrita a ‘prazos processuais’.
Por conseguinte, também por esse motivo nos parece crível defender que o prazo de cinco dias para purga da mora deve ser contado da efetiva execução da liminar, e não da juntada do mandado cumprido aos autos.
4. Regra específica do art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, que se sobrepõe a regra geral
Como visto no tópico anterior, acreditamos que o art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, por disciplinar regra de ‘direito material’, não poderia sofrer influências do art. 231, do CPC/15, vocacionado a tratar de prazos processuais.
No entanto, ainda que se admita, por hipótese, que o art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, revele regra de ‘direito processual’, ainda assim, entendemos que sua interpretação não deveria sofrer influências da regra do art. 231, do CPC/15.
Como bem registra o caput do referido artigo, as regras previstas nos seus incisos, por serem de cunho geral, comportam exceções previstas em legislação própria. Assim estabelece o caput do dispositivo:
“art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo”. – grifamos
O que nos permite concluir que: em que pese, realmente, o inciso II, do art. 231, estabelecer o marco inicial dos prazos processual como sendo a juntada do mandado de citação ou intimação cumprido aos autos, referida regra seria geral e, justamente por assim o ser, não poderia se sobrepor à regra especial, prevista precisamente no art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69, vocacionado, especificamente, a regular o procedimento de busca e apreensão das garantias fiduciárias de bens móveis.
Nesse sentido, ainda que se admita que o prazo regulado pelo art. 3º, §1º, do dec-lei 911/69 seja de ‘direito processual’, nos parece crível, nessa hipótese, concluir que a regra geral, de contagem de prazos processuais a partir da juntada do mandado de intimação cumprido aos autos, prevista no art. 231, do CPC/15, não teria o condão de influenciar a interpretação de regra específica que, como vimos, estabelece textualmente o termo inicial do prazo de cinco dias como sendo a da ‘execução da liminar’.
5. A intenção do legislador ao propor a redação do §1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69
Outro fundamento pelo qual nos apegamos para defender que o prazo de cinco dias, para purga da mora, deve ser contado do cumprimento da liminar e não da juntada do mandado cumprido aos autos, decorre da interpretação do §1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69, conjugada com a exposição de motivos da lei que lhe deu redação.
A exposição de motivos da lei 10.931/04, responsável por conferir nova redação ao §1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69, é bastante clara quanto as intenções do legislador que comandaram a nova redação da norma:
“as alterações propostas ao Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, objetivam agilizar a venda do bem retomado, sem prejuízo ao mutuário, inclusive propiciando-lhe uma forma mais célere de quitação de sua dívida. Ademais, a fim de prevenir abusos por parte do credor fiduciário, foi estabelecida pesada multa, caso se constate irregularidades na venda pela instituição credora do bem alienado fiduciariamente, sem prejuízo de ação de perdas e danos futura. Com isso, garante-se ao mutuário a salvaguarda de receber o equivalente monetário do bem indevidamente alienado, mas também a compensação por qualquer dano que a venda do bem possa lhe ter provocado” – grifou-se.
Como se depreende do referido trecho, é do espírito da lei, ao estabelecer nova redação ao §1º, do art. 3º. do dec-lei 911/69, tornar a busca e apreensão um procedimento de excussão da garantia mais célere e ágil, conferindo maior segurança ao credor fiduciário.
O que nos permite concluir que qualquer intepretação do referido dispositivo que revele uma situação de maior embaraço ao procedimento de excussão da garantia, revelar-se-á completamente desalinhada com a intenção do legislador. Afinal, como expressamente apontado na exposição de motivos da norma, a reforma desse dispositivo em específico, se dera justamente para contemplar direitos do credor fiduciário.
O ponto de equilíbrio da lei 10.931/04, visando a preservação dos direitos do devedor fiduciante contra potenciais abusos do credor fiduciário, não está nesse dispositivo (§1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69). Mas sim, como também se depreende da referida exposição de motivos, na previsão do § 6º, do art. 3º, que por sua vez estabelece multa de 50% sobre o valor originalmente financiado, caso a busca e apreensão seja ao final julgada improcedente e o bem já tiver sido alienado.
Ou seja, o legislador soube bem estabelecer um fino equilíbrio entre os direitos do credor fiduciário, conferindo maior agilidade ao processo de excussão (§1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69) com os direitos do devedor fiduciante contra abusos do procedimento expropriatório (a multa do §6º, art. 3º, do dec-lei 911/69).
Qualquer interpretação do §1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69, que retire do procedimento expropriatório a agilidade a ele inerente, conferindo etapa burocrática de validação - no caso a necessidade de ter de se aguardar a juntada do mandado cumprido aos autos para só então poder se iniciar o prazo de cinco dias - significaria privilegiar por demais o devedor fiduciante, em detrimento do credor fiduciário, jogando as favas toda a intenção do legislador e o equilíbrio que havia conseguido estruturar.
Afinal, assegurar o direito de consolidar a propriedade em cinco dias após a apreensão do veículo, evidentemente, é mais célere e garantido para o credor fiduciário do que considerar cinco dias somente após a pretensa juntada do mandado cumprido aos autos.
Considerando, pois, que referido artigo foi redigido na lei com o objetivo de garantir maior segurança ao credor fiduciário, não nos parece fazer sentido supor que o prazo para consolidação da propriedade, que acabará por permitir a realização dos leilões, visando a quitação da dívida, seja condicionado a elemento futuro e sujeito a demora por fatores alheios a esfera de atuação do credor.
Logo, também pela leitura da exposição de motivos da lei 10.931/04, nos parece mais acertada a conclusão de que o prazo de cinco dias deve ser contado da liminar e não da juntada do mandado cumprido aos autos.
6. Posição da jurisprudência sobre o tema
Como vimos no tópico introdutório, o STJ já firmou precedente vinculante decidindo que a purga da mora somente poderia ser afastada mediante o pagamento integral da dívida13.
No referido julgamento, embora não fosse o foco principal, o termo inicial do cômputo do prazo para purga da mora também foi abordado, inclusive havendo orientação, na própria ementa, para que o cômputo se iniciasse da execução da liminar. Nesse sentido:
“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR.
- Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária".
- 2. Recurso especial provido”14 – grifou-se.
Não seria demais concluir, portanto, que o recurso especial repetitivo, supra destacado, de uma vez só assentou que a purga da mora consiste no pagamento integral da dívida (parcelas vencidas e vincendas) como ainda definiu expressamente que o prazo de cinco dias para purga é contado da execução da liminar.
Referido posicionamento tem sido seguido por muitos outros precedentes do STJ15. Dentre os quais, destacamos:
“não remanescem dúvidas de que, ultrapassado o prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar de busca e apreensão, e não após a juntada do respectivo mandado aos autos, consolida-se a propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário, ficando inviabilizado o pagamento da integralidade da dívida pelo devedor, salvo se houver acordo entre as partes litigantes. Com efeito, a questão já foi decidida por esta Corte no julgamento do REsp nº 1.418.593/MS, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973 (recurso repetitivo)”
(REsp 1321052/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 26/08/2016) – grifamos
Chamamos a atenção também para o posicionamento adotado, recentemente, pelo TJ do Mato Grosso do Sul, que, em julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas16, firmou tese vinculante, no âmbito estadual, em sintonia com o que defendemos: que o prazo de cinco dias deve ser contado do cumprimento da liminar. Nesse sentido:
“EMENTA - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - TERMO INICIAL PARA PURGAÇÃO (DECRETO-LEI N. 911/69) - A CONTAR DA EXECUÇÃO DA MEDIDA LIMINAR - INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE NO ENDEREÇO CONSTANTE DA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL - CONTRATO LEGÍVEL E COM AS INFORMAÇÕES AFETAS À OPERAÇÃO BANCÁRIA - SUPOSTA DIVERGÊNCIA ENTRE O CÓDIGO DE RASTREAMENTO DO AR E O CÓDIGO INDICADO PELOS CORREIOS - MATÉRIA NÃO ARGUIDA EM PRIMEIRO GRAU - SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO - TESE JURÍDICA FIXADA "Nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, o prazo de 5 dias para quitação integral da dívida previsto no art. 3º, §1º, do Decreto-Lei n. 911/69, começa a fluir a partir da data da execução da medida liminar "
Portanto, também a luz da melhor jurisprudência, podemos concluir que o prazo de cinco dias para consolidação da propriedade se inicia com a execução da liminar, e não da notificação do devedor fiduciante.
7. Conclusão
Como vimos, o procedimento expropriatório da busca e apreensão tem sido objeto de muitos debates no judiciário e, não por acaso, vem sendo alvo de múltiplos julgamentos repetitivos por parte do STJ.
Um dos temas atualmente em voga, e que ainda não encontra posição consolidada na doutrina e jurisprudência, diz respeito ao termo inicial do prazo de purga da mora, previsto no §1º, do art. 3º, do dec-lei 911/69: se seria da data em que a liminar tiver sido cumprida, ou quando o mandado cumprido tiver sido juntado aos autos.
Compartilhamos o entendimento de que o prazo de cinco dias, para que o devedor fiduciante possa pagar sua dívida, sob pena de ver a propriedade sobre o bem ser integralmente consolidada em nome do credor fiduciário, inicia-se da execução da liminar, nos exatos termos do quanto previsto no art. 3, §1º, do dec. lei 911/69.
Assim entendemos, pois, tal medida parece encontrar amparo na literal disposição da lei; na intenção do legislador, extraído da exposição de motivos da norma; nos precedentes do STJ e em precedente vinculante do TJ do Mato Grosso do Sul, que bem examinaram a questão; além de representar interpretação da norma que nos parece ser a que melhor confere segurança jurídica e equilíbrio entre as partes contratantes.
_____
2 REsp n. 1.418.593/MS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 14/5/2014, DJe de 27/5/2014.
3 REsp n. 1.184.570/MG, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 9/5/2012, DJe de 15/5/2012.
4 Art. 2º (...) § 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
5 Art. 2º (...) § 2o A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
6 REsp nº 1.951.662/RS e REsp N.º 1.951.888/RS – Rel. Min. Marco Buzzi – 2ª Seção.
7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 69, 184, 191 e 192
8 https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/, acesso em 24/06/22
9 Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo: (...) II - a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça;
10 CINTRA, Antônio Carlos Araújo (et. al.)., Op. cit., sem destaque no original.
11 MIRANDA JÚNIOR, Eliel Batista. O tratamento processual do pagamento da integralidade da dívida prevista no Art. 3º, § 2º, do Decreto-lei 911/1969. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais: RDB, São Paulo, v. 22, n. 83, p. 257-274, jan./mar. 2019, sem destaque no original.
12 REsp 1770863/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 15/06/2020
13 vide nota nº 1
14 REsp 1418593/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 27/05/2014
15 REsp 1148622/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 15/10/2013”; AgRg no REsp 1398434/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 11/02/2014; AgRg no REsp 1151061/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/04/2013, DJe 12/04/2013; AgRg no REsp 1249149/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 09/11/2012
16 TJMS - IRDR nº 1417087-42.2021.8.12.0000 – Rel. Des. Marcos José De Brito Rodrigues, Seção Especial Civel DJe -02/06/2022