O projeto de lei que trata dos criptoativos já tramita desde 2015 e parece que agora, finalmente, está em vias de ser aprovado pelo Congresso. Ao longo de quase sete anos de debates o projeto sofreu mudanças muito profundas, com sugestões produzidas pelos mais diversos atores da sociedade.
Dentre as diferenças entre a versão que saiu da Câmara dos Deputados e a que agora retorna, com mudanças feitas pelo Senado, há uma de fundo, não tão explícita, mas muito relevante: qual tipo de lei devemos ter? Uma lei mais geral e que estimule a concorrência de produtos e serviços financeiros (versão da Câmara) ou uma lei mais específica e restritiva com relação à inovação (versão do Senado)? A tendência é que prevaleça a primeira, se o relatório do Deputado Expedito for aprovado. E isso é positivo.
Dentre as diferenças podemos apontar que a versão da Câmara, por exemplo, não impõe segregação patrimonial. A do Senado impõe. Segregação patrimonial é a obrigação para que os recursos depositados pelos clientes não se misturem, nem entre si, nem entre os ativos dos clientes e da corretora. Esse é o modelo das ações e das cotas dos fundos de investimentos, por exemplo. As ações que determinada pessoa detém não se misturam com as ações de outros clientes. Já nos bancos o modelo é diferente: os recursos (o dinheiro) podem se misturar, contanto que o banco garanta os saques e as transferências quando solicitado pelos clientes.
Talvez o leitor, se questionado sobre qual modelo prefere, diria: “o da segregação, prefiro meus ativos segregados”. Mas a verdade é que não existe uma resposta geral sobre qual modelo é melhor ou pior. O modelo que é melhor para um determinado contexto pode não ser para o outro. E exatamente por não entrar nesse aspecto é que o projeto da Câmara é melhor que o do Senado. Reparem para um detalhe: a versão da Câmara não diz que segregação é proibida. Ele apenas não diz nada sobre isso. Delega para os agentes técnicos especializados essa regulação, e este poderá, em determinados casos, impor a segregação patrimonial. Em outros, não.
E assim o é em relação a todos os demais ativos. Não há lei que diga que o ouro, por exemplo, deva ser armazenado com segregação patrimonial e que moeda seja armazenada sem segregação. Isso quem determina são os reguladores. A CVM impõe segregação patrimonial para fundos. O Banco Central e o Conselho Monetário Nacional não impõem segregação para instituições financeiras, como bancos, mas em contrapartida impõe o cumprimento de uma série de outras obrigações, como compulsórios, transparências nos balanços, o Fundo Garantidor de Crédito – FGC etc.
A ausência de segregação não quer dizer que o sistema esteja em risco. Basta que se observe que nosso sistema financeiro tem funcionado muito bem, sem riscos sistêmicos, faz décadas. Somos, inclusive, exemplo global, graças à alta qualificação dos regulares desse setor – leia-se CVM e Banco Central especialmente.
Além de não trazer mais segurança, impor segregação obrigatória pela lei limitaria, desde já, toda uma vasta gama de produtos que já existem ou que podem vir a existir. Os criptoativos ficariam restritos a ativos assemelhados a ações ou cotas de fundos.
Há, de fato, alguns criptoativos que se comportam apenas como ações ou cotas de fundos. E nesse casos o regulador irá determinar a segregação patrimonial, simplesmente aplicando a regulação existente. Mas há projetos de criptoativos muito mais complexos e inovadores, como aqueles de finanças descentralizadas, projetos de empréstimos de criptoativos e projetos que os utilizam como meio de pagamento, como se moeda fossem, apenas para citar alguns. E nesses casos provavelmente o regulador não irá impor a segregação, mas sim a apresentação de garantias, como é feito junto aos bancos com os compulsórios ou o FGC já citados.
O projeto de lei poderá, a depender de como for aprovado, ser um estímulo à inovação, à criação novos produtos e serviços financeiros e até mesmo à entrada de novos atores. Se aprovado em sua versão origina da Câmara, sem a obrigatoriedade da segregação patrimonial, tal como sugere o relatório do Deputado Expedito, ele estimulará a competitividade e poderá até mesmo impactar no barateamento do crédito no País, através de projetos baseados em criptoativos. Se, entretanto, os deputados optarem pela versão do Senado, com a segregação patrimonial obrigatória, os criptoativos serão tratados apenas como ativos tradicionais, limitando seu acesso àqueles com interesses meramente especulativos.