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Vedação ao retrocesso social e inconstitucionalidade das reformas no Brasil

Contextualização da aplicabilidade das reformas e aceitação constitucional sem excluir o efeito ex-tunc dos direitos fundamentais promulgados.

7/7/2022

Desde a Revolução Francesa, ocorreram avanços em relação aos conceitos liberdade, igualdade e fraternidade, fazendo com que futuras conquistas sociais fossem blindadas de tentativas de extinção. Nessa perspectiva, a ação reformadora e os ideais reivindicatórios se revelaram diante das crises econômicas e sociais de cada época vivida. Especificamente no Brasil, é cediço que os direitos fundamentais, conquistados intertemporalmente formaram as chamadas cláusulas pétreas, de caráter imutável e intangível, em relação ao núcleo essencial do direito. Nesse diapasão, toda a discussão supracitada remete ao princípio implícito da Constituição Cidadã - denominado vedação ao retrocesso ou efeito “cliquet” ( a partir de determinado ponto), no qual não é possível retroceder, mas sempre avançar. 

Segundo o jurista Ingo Wolfgang Sarlet, “a proibição do retrocesso social é uma das formas de garantia contra possíveis medidas arbitrárias do Poder Público, permitindo que conquistas sociais não sejam aniquiladas pela administração pública e pelo legislador ordinário”. Entretanto, deve-se considerar que o Estado convive com orçamentos incompatíveis com a políticas e, por muitas vezes, utiliza-se do princípio da reserva do possível para argumentar sobre o mínimo existencial constitucional preestabelecido. Explicando melhor, quando há uma reforma iminente, deve equilibrar os requisitos subjetivos da população com as possibilidades de recursos orçamentários, com o intuito de preservar a dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, as reformas devem contar com a participação da população e do Estado com mutualismo axiológico e compliance de ideais. 

Ademais, especificamente com a aceitação da Reforma da Previdência pela emenda constitucional de 2019, surgiram muitos questionamentos a respeito da inconstitucionalidade normativa e do retrocesso social das mudanças instituídas.  Nessa toada, ocorreram alterações nos prazos de carência dos benefícios, nos períodos mínimos de idade para aposentadorias, na porcentagem de alíquota do cálculo, além da exclusão da aposentadoria por tempo de contribuição. De acordo com o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, “houve um hiato de desproteção dos trabalhadores, principalmente os idosos desempregados, com profunda violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais”. 

Todavia, graves crises econômicas assolaram o Brasil, desde a independência, fazendo com que os governantes tivessem que se adaptar, com eficiência e celeridade, ao contexto social e econômico de cada época. Ou seja, toda reforma parte do pressuposto proativo da melhoria para a população, mesmo diante de escassez orçamentária. Nesse prisma, apesar de todos os revezes da Reforma da Previdência de 2019, pode se pontuar avanços como a supressão do gatilho automático de elevação de idade mínima, reajuste de benefícios na mesma data do INSS, melhorias nas regras de transição para policiais, agentes penitenciários e professores e até elevação de alíquotas das contribuições liquidas pelos bancos que financiam a Seguridade Social. Destarte, para alguns doutrinadores previdenciários, houve uma política compensatória efetiva, mesmo com restrições na aposentadoria de alguns grupos sociais. 

Desse modo, para que se chegue a uma conclusão a respeito da constitucionalidade das mudanças ocorridas na reforma previdenciária, faz-se mister que se visualize futuramente a economia orçamentaria contabilizada e assimilação das mudanças previdenciárias pela população. Nessa linha, muitas ADIn(s) foram impetradas para tentar conter os retrocessos ocorridos principalmente em relação aos benefícios da pensão por morte, aposentadoria especial, aposentadoria dos trabalhadores rurais, fazendo com que o STF utilizasse do princípio da vedação ao retrocesso supracitado. Nesse sentido, da análise de muitos julgados, verifica-se que o STF estabeleceu a proibição ao retrocesso, com base na garantia do mínimo existencial, priorizando a dignidade da pessoa humana. Diante do exposto, esta análise teleológica ainda está em fase de transição e ainda requer muitas discussões e adaptações no tocante as mudanças implementadas no Brasil.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba .

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