Richard Gardner – in The Parental Alienation Syndrome and the Differentiation Between Fabricated and Genuine Child Sex Abuse. Cresskill, NJ: Creative Therapeutics, Inc. (1987) – define a SAP como:
(...) campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.
Podemos compreender, pois, a síndrome como um distúrbio infantil, que surge, principalmente, em contextos de disputa pela posse e guarda de filhos, o qual se manifesta por meio de uma campanha de difamação que a criança realiza contra um dos genitores, sem que haja justificativa para isso.
A síndrome se revela na programação de uma criança por um dos genitores (ou até por ambos, simultaneamente) , cujo condão não é outro que a fazê-la perceber e idealizar o outro genitor de modo negativo, incentivando sejam externalizados sentimos de ódio e rejeição.
Tal aspecto merece atenção especial, vez que a SAP se refere à conduta do filho, enquanto a alienação parental diz respeito à conduta do genitor ao desencadear verdadeiro processo de afastamento da criança do outro genitor.
A lei 12.318/10 dispõe acerca da alienação parental, conceituando-a em seu art. 2º:
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
As crianças e adolescentes que estão sob alienação parental apresentam a maioria – se não todos – dos seguintes sintomas:
1.Desenvolvimento de campanha demeritória contra o genitor alienado;
2.Pouca ou nenhuma racionalização a assunção de condutas frívolas para a depreciação;
3.Falta de ambivalência, assumindo declaradamente a posição em favor do genitor alienador e revelado apoio às atitudes deste;
4. O fenômeno do “pensador independente”;
5. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado;
6. A presença de encenações forjadas; e
7. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família do genitor alienado.
Aos pais alienadores aplica-se o diagnóstico de transtorno delirante: CID 297.71 Transtorno Delirante.
Nesta hipótese, está-se diante de delírios não-bizarros (isso é, envolvendo situações que ocorrem na vida real, tais como ser seguido, envenenado, contaminado, ser amado à distância, ser traído pela esposa ou amante, ou ter uma doença) com a duração de pelo menos um mês.
Dos vários subtipos do Transtorno Delirante, a mais aplicável à SAP é a seguinte: Tipo Persecutório – delírio de que a pessoa (ou alguém de quem a pessoa é próxima) está de alguma forma sendo tratada malevolamente.
Esse diagnóstico, nos ensina Gardner, é geralmente aplicável ao doutrinador da SAP, o qual pode reconhecer incialmente que as queixas sobre o comportamento do genitor alienado são fabricações conscientes e deliberadas; entretanto, com o tempo, as fabricações podem transformar-se em delírio e serem tomadas como reais pelo genitor doutrinador.
O mesmo processo pode finalmente ser aplicável à criança. Especificamente, no início a criança pode reconhecer que as demonstrações de ódio são fingidas e servem para incrementar os laços de amizade da criança com o programador. Entretanto, com o tempo a criança pode vir a acreditar de fato no que eram originalmente fabricações conscientes e deliberadas. Quando esse ponto é alcançado o diagnóstico de Transtorno Delirante é aplicável à criança. Geralmente, este diagnóstico é aplicável aos programadores implacáveis que estão obcecados em seu ódio ao genitor-vítima, mas com o tempo a criança provavelmente terá incorporado o nível severo de SAP.
É digno de nota – conclui Gardner – quando se está diante de alienação parental, observa-se com frequência um sistema delirante limitado, circunscrito quase que exclusivamente ao genitor alienado. Esse diagnóstico pode igualmente ser aplicável à criança vítima de SAP, em especial à criança que está na categoria severa, qual seja, CID 301.0 Transtorno de personalidade paranoide.
O Transtorno de Personalidade Paranoide indicada a ocorrência de quatro (ou mais) dos seguintes sintomas:
1. ter suspeitas, sem base suficiente, de que os outros são exploradores prejudiciais e que o estão enganando.
2. ficar preocupado, com dúvidas injustificadas, sobre a lealdade ou a confiabilidade dos amigos ou colegas.
3. ficar relutante em confiar nos outros por causa do medo despropositado de que a informação seja usada de forma maliciosa contra si.
4. ler significados aviltadores ou ameaçadores escondidos em observações ou em eventos benignos.
5. carregar persistentemente rancores, isto é, ser implacável com insultos, ofensas ou deslizes.
6. perceber ataques ao seu caráter ou reputação que não são aparentes aos outros e ser rápido em reagir irritadamente ou contra-atacar; e
7. ter suspeitas periódicas, sem justificação, a respeito da fidelidade do esposo ou do parceiro sexual.
Como identificar, pois, a situação de alienação parental? A observação de comportamentos, tanto dos pais, avós ou outros responsáveis, quanto dos filhos, pode indicar a ocorrência da prática. No caso das crianças e dos adolescentes submetidos à alienação parental, sinais de ansiedade, nervosismo, agressividade e depressão, entre outros, podem ser indicativos de que a situação está ocorrendo. No caso dos pais, avós ou outros responsáveis, a legislação aponta algumas condutas que caracterizam a alienação parental.
Dentre as práticas capazes de configurar a alienação parental, a legislação prevê as seguintes:
1. Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
2. Dificultar o exercício da autoridade parental;
3. Dificultar o contato da criança ou do adolescente com o genitor;
4. Dificultar o exercício do direito regulamentado à convivência familiar;
5. Omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
6. Apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra os avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou o adolescente;
7. Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou do adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com os avós.
Conforme prevê o art. 6º da lei 12.318/10, que trata do tema, uma vez caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou do adolescente com o genitor ou com a genitora, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e segundo a gravidade do caso, adotar as seguintes medidas:
1. Advertir o alienador;
2. Ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
3.Estipular multa ao alienador;
4. Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
5. Determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
6. Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; ou
7. Declarar a suspensão da autoridade parental.
Por outro lado, se for caracterizada a mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar (“visitas”), o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou o adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.?
Importante concluir, a alienação parental prejudica a todos, alienado e alienador, pois impede a convivência familiar equilibrada, requisito imprescindível para que crianças e adolescentes se desenvolvam de forma saudável e possam se tornar, futuramente, pais e mães capazes de estabelecer uma relação familiar – inclusive matrimonial – segura.
O Judiciário tem se pronunciado e agido firmemente no sentido de evitar-se a perpetuação da alienação, o que por si só não soluciona a questão de forma integral, pois – na imensa maioria das vezes – o mal já produziu danos irreparáveis ou de dificílima reparação. Faz-se necessária a atuação de psicólogos dedicados à promover na criança ou no adolescente não só a reconstrução da figura do genitor atingido pela alienação.
Bem se sabe não ser tarefa fácil.