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Compliance e assédio sexual

Não se admite a forma culposa, sendo o dolo específico o elemento subjetivo do tipo, ou seja, a vontade consciente de se alcançar o resultado.

6/7/2022

Conforme conduta descrita no texto do art. 216-A do CP, o delito de assédio sexual consiste em constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao emprego, cargo ou função – sendo tal crime apenado com um a dois anos de detenção. 

Com efeito, para que se caracterize o delito em tela é necessário que haja: a) constrangimento; b) objetivo de alcançar vantagem ou favorecimento sexual; c) relação hierárquica ou de ascendência e d) relação laborativa. 

Vale ressaltar, não se admite a forma culposa, sendo o dolo específico o elemento subjetivo do tipo, ou seja, a vontade consciente de se alcançar o resultado. Importante também asseverar que o assédio sexual é crime formal, que se consuma sem a produção do resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer; consuma-se, portanto, no momento em que o agente constrange a vítima, independentemente da efetiva obtenção da vantagem ou favorecimento sexual visados – a tentativa é possível por se tratar de crime plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), permitindo o fracionamento do iter criminis.

À luz da doutrina trabalhista o conceito de assédio sexual é mais amplo. A OIT define assédio sexual como atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem características tais como: ser uma condição clara para manter o emprego; influir nas promoções da carreira do assediado; prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima; ameaçar e fazer com que as vítimas cedam por medo de denunciar o abuso; oferta de crescimento de vários tipos ou oferta que desfavorece as vítimas em meios acadêmicos e trabalhistas, entre outros.

Considere-se, o gênero do assediador e da vítima não é determinante para a caracterização do assédio.

Compreendido – mesmo que em breve notícia – o conceito de “assédio sexual”, destacamos sua profunda repercussão na seara trabalhista, haja vista o fato de que poderá implicar na rescisão motivada do contrato de trabalho do assediador, bem como na responsabilização do empregador quanto à reparação dos danos materiais e indenização em razão dos danos morais experimentados pela vítima.

No ambiente de trabalho, relevante salientar, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações, consoante o disposto no art. 225 da CF/88.

De que forma, pois, as empresas podem se salvaguardar em relação ao risco oriundo da possibilidade da prática de assédio sexual? A resposta pode parecer simplista por demais, mas é exata: compliance!

No âmbito corporativo, o compliance pode ser compreendido como o conjunto de disciplinas direcionadas ao cumprimento de normas legais e regulamentares, das diretrizes e políticas institucionais. Antes, o compliance volta-se à detecção e tratamento de desvios e inconformidades, mesmo que ainda potenciais.

Somente um programa de compliance bem estruturado poderá mitigar o risco de que haja a prática de assédio sexual no ambiente de trabalho, sendo seu escopo inicial a avaliação de riscos, ou seja, da probabilidade de que a conduta seja desenvolvida por algum empregado.

Neste sentido, destacamos passos que consideramos fundamentais para que o programa de compliance seja efetivo: 1) formação de um sistema de detecção e avaliação de risco; 2) comprometimento com a cultura de compliance; 3) patrocínio para ações de compliance; 4) normatização de condutas e desenvolvimento de políticas internas; 5) estabelecimento de canal de denúncias; 6) estabelecimento de controles internos de apuração e monitoramento em due diligence;  7) estabelecimento e fortalecimento de programas de treinamentos e 8) reiterada comunicação e divulgação das diretrizes éticas.

No que concerne à prática do assédio moral, recomendamos firmemente aos empregadores:

1. Adote um programa de compliance e estruture equipe multidisciplinar de atuação;

2. Avalie os riscos (risk assessment) quanto à prática do assédio não apenas entre os empregados da empresa, mas também em relação a todos que com eles se relacionem;

3.Elabore e divulgue regras e políticas quanto ao assédio sexual, esclarecendo a todos as condutas que podem vir a caracterizá-lo e as possíveis consequências às vítimas e assediadores;

4. Promova, reiteradamente, campanhas sob o escopo de esclarecer acerca da prática de assédio sexual;

5. Crie um canal de denúncia para que a vítima possa – sem receio algum – noticiar o assédio e para que terceiro também possa cientificar a empresa de alguma conduta que compreenda configurar-se como tal;

6. Apure com cautela as denúncias, colhendo e registrando as considerações da vítima, as informações de eventuais testemunhas e o depoimento do assediador, não se olvidando o conhecimento de eventuais provas como e-mails, mensagens via WhatsApp e bilhetes, dentre outras;

7. Elabore um dossiê com todas as informações e provas colhidas e apure de forma cautelosa prática ou não de assédio sexual, estabelecendo as condutas a serem deflagradas;

8. Na hipótese de a apuração concluir pela ausência de assédio sexual, sejam todos reorientados quanto a esta prática, esclarecendo-os sobre a repercussão das ações de cada qual, competindo ao empregador a adoção das medidas que julgar conveniente como, em exemplo, deixar as partes envolvidas em equipes distintas (sem que haja qualquer detrimento, sobretudo a quem promoveu a denúncia);

9. Na hipótese de a apuração concluir pela efetivação de assédio sexual, sejam deflagradas medidas urgentes, tais como a aplicação de sanção disciplinar ao assediador (inclusive rescisão motivada do contrato de trabalho), oferecimento de apoio psicológico à vítima, oferecimento de suporte promoção de representação criminal – sempre respeitando sua vontade – e adoção de medidas voltadas à mitigação dos danos.

10. Por fim, mantenha registro de todas as medidas desenvolvidas pela empresa para que, em caso de judicialização da questão, possa demonstrar que não se manteve inerte e que promoveu o necessário para a apuração dos fatos e consequente responsabilização.

Com efeito, muitíssimo importante que o empregador não se mantenha inerte diante da notícia ou mesmo suspeita de assédio sexual, não só em arzão da possibilidade de que seja responsabilizado, mas, sobretudo, para não perder seu capital reputacional.

Como costumamos afirmar: prefira prevenir a indenizar!

Fernando Borges Vieira
Advogado desde 1997 - OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 - Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados, Mestre em Direito (Mackenzie).

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